Bem mais que um filme de ficção científica hollywoodiana, O Segredo do Abismo é uma produção muito peculiar, pois trata a Ufologia de forma sutil e pouco convencional. A principal característica que o distingue das outras produções do gênero é o próprio objeto da abordagem ufológica: o mar — imenso e misterioso. Assim, enquanto a maioria dos filmes de ficção produzidos no circuito comercial de Hollywood falam sobre aventuras estelares e heróis do espaço, O Segredo do Abismo revela um magnífico universo de UFOs submarinos.
Neste filme, o diretor James Cameron buscou, acima de qualquer outro valor estético, fazer um detalhado trabalho semiológico: exercitou com maestria a busca do significado através da imagem cinematográfica, utilizando recursos visuais, sonoros e até sinestésicos. Em O Segredo do Abismo, cada cena é uma poesia submersa no azul, integrante de uma nova linguagem que transcende a verbalidade — linguagem do silêncio, das cores, da profundidade imagética. O trabalho lhe valeu o Oscar de melhores efeitos especiais.
O próprio título do filme, The Abyss, no original, revela muito mais do que pressupõem os convencionais conceitos da ciência: um abismo. Eis a busca do profundo, do desconhecido e do que está além do homem. Eis a busca à antigüidade existencial: o abismo é o próprio ser humano, que mergulha dentro de si para tentar descobrir o que não lhe pode ser dito nem pela ciência nem pela religião. O filme de Cameron mostra que o segredo está em algum universo sobre-humano, perdido no azul, submerso nas águas do oceano.
O elemento água tem no filme um papel fundamental e significativo. Segundo teóricos como Jung e até mesmo Freud, a simbologia da água exerce uma significativa influência na formação da psique humana. E simples: foi na água que surgiu a vida, que se fez a gênese dos seres. E o filme consegue passar esse clima, criando um ambiente genealógico, úmido como um ventre materno, fazendo o espectador regredir na sua própria história. O Segredo do Abismo faz, através da sua azul sutileza, uma citação ufológica nas entrelinhas que diz: “vocês, humanos, foram gerados em nosso ventre, são nossos filhos”.
Todo esse conjunto estético é complementado ainda pela aura azul que se faz presente em todo o filme, cor que denota subjetividade, profundidade e reflexão, sendo muito bem utilizada pelo diretor Cameron para dar um feeling maior à trama. O clima de busca interior fica implícito durante todo o tempo, criando situações de angústia existencial entre os personagens, mitificando elementos como a nave, a cidade submersa e os seres desconhecidos que aparecem no filme. Tudo isso funciona como um espelho, pois o espectador precisa se identificar com a obra, sentir empatia e perceber que não é o único a fazer perguntas do tipo: “o que há lá embaixo, no fundo do abismo, onde ninguém pôde ainda alcançar?”.
UM MUNDO MISTERIOSO AGUARDA TODOS NÓS
Questões desse tipo são muito mais antigas do que se imagina e as relações simbólicas do homem com o mar ainda mais. Povos navegadores como os fenícios e os gregos têm, em suas mitologias, ricas evidências da presença extraterrestre em suas civilizações. Na Grécia, por exemplo, o poeta Homero descreve nos clássicos A Ilíada e A Odisséia as incríveis viagens marítimas de Ulisses, rei de Ítaca. Nestas jornadas pelo Mediterrâneo, Ulisses é testemunha da aparição de terríveis monstros do mar, sem falar nas sedutoras sereias com suas canções hipnóticas. Homero também cita o deus do mar, Possêidon, capaz de gerar tempestades e tormentas com sua fúria olímpica. O folclore brasileiro também está repleto de seres misteriosos saindo de mananciais, rios, lagos e mares — todos com características que, vistas por ângulos adequados, lembram extraplanetários em missão na Terra. As sereias, lenda da costa nordestina, são seres de aspecto efeminado que surgem para incautos marinheiros. Estão sempre ligadas a estranhos objetos luminosos.
Em O Segredo do Abismo vários elementos aludem à mitologia grega. A primeira das alusões e com respeito à lendária Atlântida. uma cidade submersa no mar e cheia de mistérios. Ainda hoje, alguns gregos da região de Atenas e da ilha de Creta afirmam avistar seres e objetos surgindo do mar sem nenhuma explicação lógica. Há pessoas que acreditam que tais aparições sejam provenientes de Atlântida. Assim, a cidade submarina que aparece no filme de Cameron é muito parecida com a descrição que Homero fez de Atlântida.
Embora não mostrado no filme, um outro momento da história da Humanidade que revela a presença de UFOs no mar é o Renascentismo, dos séculos 15 e 16. Nesta época, acontecia na Europa o auge dos descobrimentos marítimos, sendo Espanha e Portugal os países que mais se destacaram nesta atividade. A nave usada por esses povos para desbravarem os mares e chegarem ao novo continente era a caravela, que por si só já representava o medo dos homens em relação ao mar — um mundo desconhecido, cheio de surpresas, monstros e maus espíritos. Essas caravelas tinham estruturalmente as mesmas características das catedrais góticas, conotando proteção religiosa, dando ao comandante poder total sobre os súditos e escravos que se escondiam nos porões. À frente do navio existia uma grande carranca, esculpida e benzida com o objetivo de proteger a tripulação dos perigos do mar. Esses detalhes foram descritos com clareza nos relatórios de Colombo e nas cartas de Pero Vaz de Caminha, após concluírem suas viagens de conquista às Américas.
Diante de tantos elementos simbólicos e estéticos, percebe-se que O Segredo do Abismo é um filme bem fundamentado teoricamente, pois abordou todos esses ternas mitológicos e semióticos. Na esfera do significado, o filme é passível de muitas interpretações, levando o espectador a fazer verdadeiras viagens filosóficas. De fato, Cameron se saiu bem nesta produção, pois conseguiu criar uma atmosfera azul e reflexiva. Se a trama de O Segredo do Abismo não é inédita para o cinema, é pelo menos inusitada para a Ufologia. Por mais que esteja habituada aos seus já expressivamente dilatados padrões de atuação, a Ufologia só teve a ganhar com a release de O Segredo do Abismo.
Ficha Técnica
O Segredo do Abismo
Direção — James Cameron
Produção — Gale Anne Hurd
Ano — 1989, EUA, Oscar de efeitos especiais
Estúdio — Fox Films
Música — Alan Silvestri
Diretor de fotografia — Mikael Salomon
Duração — 134 min.
Elenco — Ed Harrys, Maria Elizabeth Mastrantonio e Michael Biehn
Resenha: Quando um submarino nuclear americano é misteriosamente atingido por uma nave não identificada, a tripulação que trabalha na plataforma de perfuração de petróleo Deepcore é requisitada para investigar o naufrágio. Reluta, mas parte para a missão. A 600 m de profundidade, encontra o submarino à beira de um abismo de 4.000 m de profundidade. Assim tem início uma incrível aventura, onde a tripulação é levada ao coração do abismo, encontrando alienígenas poderosos, capazes de destruir a Humanidade. No entanto, somente eles podem salvar o mundo dos segredos terríveis que habitam as profundezas do abismo.