Existirá vida fora do planeta Terra? A pergunta é tão antiga que poderíamos dizer que se trata de um clichê, isso se houvesse para ela uma resposta definitiva. Por vezes em destaque, por vezes em silêncio, a questão da vida extraterrestre permanece despertando a curiosidade do ser humano. No Brasil, além de lima revista especializada no assunto, existem dezenas de entidades dedicadas à pesquisa de UFOs. Nos Estados Unidos, estas instituições são centenas. O fato é que a matéria exerce sobre a humanidade um imenso fascínio, cuja conseqüência natural é sua expressão como cultura. Coube ao cinema, na qualidade de cultura produzida tecnologicamente, a primazia da exploração do tema UFOs e extraterrestres.
Desde seus primórdios, o cinema comercial procurou explorar o espaço sideral com suas câmeras. A partir de A viagem à Lua (1906) aquele que podemos chamar de o primeiro filme de ficção científica — sempre que se aventura nas telas a ultrapassar os limites de seu planetinha, o homem se depara com outros seres, outras fornias de vida. outras culturas. Nada a se estranhar, considerada a pergunta inicial. Intrigante. no entanto, e que as criaturas sejam, quase que invariavelmente, elaboradas à imagem do ser humano, tanto em sua forma tísica quanto em seu perfil psicológico. Raras são, em Hollywood, as situações em que se substitui o modelo humanóide ao caracterizar-se um ser extraterrestre.
Quais as razões para esta falta de originalidade? Uma das respostas possíveis está no antropocentrismo, que explica uma necessidade inerente à raça humana de afirmar-se como criatura suprema e acabada que, algum dia, fez com que o homem vinculasse sua imagem à dos deuses, Paradoxalmente, a adoração a estes deuses, através dos dogmas religiosos, reforça a crença no caráter divino da humanidade. Quando, por ventura, o cinema representa um ser extraterrestre como outra forma de existência é para caracterizá-lo como inimigo do homem, pois é mais fácil combater o estranho, o insólito, o anormal.
Dos momentos em que o homem precisa eliminar o perigo que vem do espaço é que se valem os diretores de cinema para inovar na concepção da imagem de um extraterrestre. Ainda assim as modificações são, na sua maioria, de caráter estético, não envolvendo o conceito de existência Atacar os padrões conhecidos de fornias de vida significa remexer nas convicções do espectador, e isso pode ser perigoso para um filme comercial.
Com os altos custos que se impõem a uma produção cinematográfica torna-se preponderante o retomo do investimento. Este fator tem grande influência na caracterização dos personagens, pois é preciso que o espectador identifique a si, seus medos e desejos nas figuras da tela, ao mesmo tempo em que o número de espectadores deve ser o maior possível. O desejo das massas substitui a originalidade na escala de valores do artista que cria um personagem, especialmente quando é algo potencialmente superior a nós, física e mentalmente: um extraterrestre.
LEVE-ME A SEU LÍDER
Analisando alguns dos filmes de ficção científica em que tais seres são representados, observamos que este antropomorfismo representação da forma humana — e preponderante não apenas no que diz respeito à forma e ao comportamento das criaturas, mas também sob o aspecto filosófico. Olhando por este prisma poderemos constatar diferentes orientações que podem ser dadas ao roteiro cinematográfico. Uma delas usa os seres apenas para situar dialeticamente os protagonistas — que podem ou não ser terráqueos — num tempo e espaço diferentes do presente, Outra direção é tomada quando o roteirista se vale da performance das criaturas e de seus aparatos técno-científicos para caracterizar uma determinada categoria de seres humanos, fazendo uma crítica ao contexto histórico que as envolve. Uma terceira corrente procura mostrá-las como seres superiores aos humanos em todos os aspectos, ressaltando a incapacidade dos habitantes da Terra para compreender o significado das chamadas aparições.
ESPELHO, ESPELHO MEU!
É na forma física e no comportamento dos extraterrestres que o antropomorfismo se faz mais aparente. Observando os seres criados por Hollywood vamos verificar que a maioria deles tem uma estrutura corporal semelhante à dos humanos: cabeça, tronco e membros. E claro que, a partir desta estrutura básica, os maquiadores dão vazão às suas fantasias, criando as coisas mais estranhas possíveis. Exemplo definitivo e o bar do espaçoporto, cm Guerra nas estrelas, onde podemos encontrar variadas espécies de bandidos estelares, cada qual com seu formato peculiar. Não faltam nem mesmo as tradicionais anteninhas, adornando a cabeça de um inseto cósmico.
Ainda que em alguns casos as criaturas não tenham a aparência humanóide, mantém-se a Fisiologia animal terrestre, ou seja; boca, olhos, membros, locomoção, reprodução, tudo segue um padrão funcional verificado em animais de nosso planeta. Na trilogia Alien, por exemplo, podemos constatar isto com clareza. A criatura do filme apresenta uma série de características encontradas em animais terráqueos, mescladas com uma única própria dos humanos: o desprezo total por outras espécies de vida — no caso específico do filme, os homens —, que servem-lhe somente como hospedeiros para os novos monstrinhos.
Alienígenas assumindo atitudes tipicamente humanas são uma constante. A criatura de O Predador, quando se vê ameaçada, repete, descontrolada, os gestos de suas vítimas, disparando à esmo sua arma. Outro momento interessante acontece em Inimigo Meu, quando o drac (raça a que pertence o personagem ET, originário do planeta Drácon) assume uma postura de mãe, orgulhosa de sua enorme barriga. Estes comportamentos e atitudes têm, juntamente com os aspectos físicos, importância fundamental na caracterização de um ser extraterrestre. Observando a aparência dos seres e confrontando-a com seu perfil psicológico, veremos que existe, como de resto em quase todas as manifestações artísticas, uma clara relação de beleza, simpatia e empatia com o bem, assim como de anormalidade, arbítrio e agressividade com o mal.
Tomemos como exemplo os Klingons, da série Jornada nas Estrelas: terroristas, com aspecto de demônios além de um general que ostenta, como bichinho de estimação uma espécie de monstro barroco, aparentemente disposto a devorar toda a cristandade em uma só bocada. Por outro lado, pode-se afirmar que no filme ET. a criaturinha está longe de ser bela, mas poucas vezes o cinema produziu algo tão simpático. Também no “épico” Guerra tias estrelas fica clara esta intenção. Os Eworks, que aparecem no terceiro episódio, podem ter sido os mega-avós dos ursinhos carinhosos. Logicamente, estão do lado das forças do bem. Mesmo o lobisomem espacial Chewbaka tem
sua aparência agressiva atenuada ao receber um nome de cãozinho: Chewie, defensor feroz de Han Solo, melhor amigo do homem.
Os motivos destas constantes relações ficam claros se analisarmos a questão à luz do conceito de indústria cultural. E justo supor que o espectador médio, cliente habitual das bilheterias e locadoras, vá preferir como herói uma criatura que inspire alegria e consolo, nunca algo que assuste as crianças. Qualquer produção realizada sob a “ótica da mercadoria\’\’ terá que considerar as aspirações dos seus potenciais consumidores ao determinar o perfil físico e psicológico dos personagens. O cinema deve dar ao espectador aquilo que ele quer.
Mas quem diz ao espectador o que ele deve querer? Ao cumprir sua função de manutenção do status quo, o próprio cinema se encarrega de ditar os padrões estéticos e éticos que a sociedade deve assumir. Neste cenário se encaixa perfeitamente Guerra nas estrelas. Quantas vezes antes já assistimos à cena do espaçoporto? Trata-se de um clichê dos westems. Não é surpresa quando o personagem Han Solo, mercenário aventureiro que diz “…só estar nisso pelo dinheiro”, retoma ao combate no momento crucial. Também não é difícil imaginar o herói Luke Skywalker, cabelo escovinha, cruzando os céus do Pacífico Sul, ou invadindo, sob fogo cerrado, um fiorde na Noruega. Quando o combate é corpo-a-corpo, a arma é uma espada de luz. Por mera coincidência, a espada de Luke emite luz azul, enquanto a de Lord Vader reflete o vermelho, representando o confronto entre o bem e o mal. E a reiteração dos valores da sociedade cristã ocidental. Segundo essa lógica, não cabe a um roteiro em que o alienígena é um acessório, conjeturar a respeito da forma, perfil psicológico ou composição química da criatura. Apenas produz-se um lay-out adequado à função do bicho na trama.
MARCIANOS COMEM CRIANCINHAS
Um dos raros momentos em que se foge deste círculo de antropomorfismo está no filme Vampiros de Almas. Numa pequena cidade dos Estados Unidos, um médico investiga o estranho comportamento de alguns habitantes e descobre que estes foram substituídos por cópias idênticas, geradas a partir de enormes sementes vindas do espaço. O mérito do filme se encontra no fato de mostrar uma modalidade de vida extraterrestre sem um formato definido, sem uma inteligência, sem emoções e, no entanto, superior aos humanos.
Diferentemente de sua refilmagem, feita em 1978, que recebeu no Brasil o nome de Invasores de Corpos, fica explícito cm Vampiros de Almas um forte teor político-ideológico. Produzido na década de 50, o filme é contemporâneo à caça às bruxas promovida pelo senador americano Joseph MacCarthy e traz o sentimento anticomunista à tona ao conceber os extraterrestres que invadem a ferra. Sorrateiramente, as sementes que vieram do espaço vão produzindo cópias perfeitas dos habitantes da cidade. Ao assumir o lugar do original, o alienígena apresentado no filme passa a agir como se fosse a pessoa, mantendo as atitudes e a inteligência, porém sem emoções. No transcorrer do filme as afirmações dos personagens dão a dimensão da ameaça que o país parece sofrer: “podemos virar algo cruel e desumano”, ou “é uma doença maligna e contagiosa”.
Em certo momento da trama, os clones fazem uma declaração de princípios para o relutante doutor, afirmando que a nova sociedade fará com que todos sejam iguais, e não haverá mais sentimentos e completam: “Amor, desejos, ambição, fé. Sem eles a vida é mais simples”. Ao caracterizar os extraterrestres de Vampiros de Almas o autor buscou identificá-los com os inimigos supremos do modo de vida americano. Frios e sem emoções, os comunistas podem se confundir com qualquer um, até mesmo com alguém da sua família. “Cuidado, cidadão! Eles querem nos transformar em criaturas sem amor e sem fé. Mas resta uma esperança: denuncie-os às autoridades, salve a humanidade!” — é o que parece dizer o filme.
Sem exibir o conteúdo político, a fórmula se repete em Inimigo Meu, abordando desta vez questões sociais, especificamente o preconceito racial e a sexualidade. A ação se dá num cenário de guerra entre duas culturas. Em algum ponto da galáxia se enfrentam humanos e dracs em disputa pela posse de alguns planetas. Como resultado de uma batalha, dois caças avariados, um de cada lado, caem num planeta inóspito. Na luta pela sobrevivência, os inimigos viscerais precisam se unir até que chegue o resgate. Os incidentes se sucedem e os adversários acabam por se tornar amigos. O inusitado ocorre quando o alienígena do filme, que está grávido, morre ao dar à luz. O humano então deve criar o bebê drac e encaminhá-lo ao seu planeta para que seja batizado em sua religião. O auge da aventura é a luta para resgatar a criança das mãos de contrabandistas de minérios.
Neste filme, transparece na composição do perfil dos nativos do planeta Drácon a intenção de abordar a polêmica questão racial que envolve a sociedade norte-americana. O ator negro Louis Gosset Júnior interpreta um alienígena cujas características são definidas por um estereótipo do senso comum. Há ainda qualidades próprias da cultura afro-americana, um exemplo marcante é a faia da criatura, rouca como a de um bluesman, carregada de um acento que faz lembrar os cantores de rap, ritmo negro dos EUA. No decorrer do enredo, o piloto humano desfila toda sorte de preconceitos sobre o inimigo cara de sapo, desprezando suas crenças religiosas e sua condição fisiológica. É invariavelmente desmoralizado, ora por um sorriso irônico, ora por uma citação filosófica, por vezes com um simples olhar que pergunta: “por que este sentimento?”.
ETs, INIMIGOS DA HUMANIDADE
Analisado sob este aspecto, o filme faz uma crítica a segmentos da sociedade que procuram caracterizar como inimigos todos aqueles que apresentam diferenças físicas ou comportamentais. O próprio título faz a alusão a uma inimizade mútua, gerada pelo fato de existirem diferenças profundas entre dois seres. Se de fato existe uma tendência natural a combater o que é diferente, o filme Inimigo Meu parece afirmar que este não é motivo suficiente para gerar uma guerra.
Não menos interessante, embora bem mais sutil, é a relação que se estabelece entre a cria
tura de O predador e o pânico causado pela expansão japonesa no mundo capitalista. Pode parecer divagação, pois a princípio nada explicita esta relação mas cabe levantar dois argumentos antes de se prosseguir a análise. Primeiro: o filme foi produzido num contexto histórico em que a economia americana, enfraquecida, cedia espaços cada vez maiores aos nipônicos, inclusive em seu próprio mercado interno. Segundo: a expressão predador, que dá título ao filme, além de significar animal que caça para comer, possui outro sentido, representando uma pessoa que está ansiosa para ganhar algo ás custas da fraqueza ou sofrimento de outra, sem demonstrar compaixão.
Na trama, o Predador é um caçador interplanetário, que elege suas vítimas entre os guerreiros de cada mundo visitado, guardando seus crânios como troféu. A criatura escolhe para seu safári as seivas de uma republiqueta latino-americana, infestada de guerrilheiros, consultores russos e agentes da CIA. Deparando-se com o pelotão do holandês o caçador vai abatendo seus integrantes metodicamente, um a um. Contudo, seu primeiro erro será também o último: o herói resolve enfrentar, desarmado, o personagem do ator guarda-roupas Arnold Schwarzenegger. Neste filme, o grandalhão faz valer seu salário e o desfecho é previsível.
OS DEUSES QUE VIERAM DAS ESTRELAS
O que nos levaria a estabelecer uma comparação entre um predador e um invasor nipônico? Sabe-se que a primeira aparição de tais seres é também a mais significativa. Em O Predador, um dos soldados mata um escorpião e o abandona sobre um tronco de árvore, sendo observado pela criatura através de seu visor infravermelho. A seqüência prossegue sob o ponto de vista do caçador, que se aproxima do inseto morto e o coloca na palma da mão. Por obra de efeitos especiais em computação gráfica, a tela é tomada pelo escorpião vermelho sobre um fundo negro. Esta figura caberia tão bem tatuada no braço de um membro da Yakuza — máfia japonesa — quanto nas costas do quimono de um executivo da Honda.
Para evidenciar a guerra ideológica dos EUA, outras referências ao Japão aparecem aos poucos, como a armadura do caçador, que o faz parecer um samurai, ou mesmo o design da cabeça e dos cabelos, que fazem lembrar uma máscara teatral. O ambiente tecnológico que cerca a criatura também sugere Lima alusão ao mito da indústria asiática. É bem verdade que em O Predador esta caracterização não é fundamental para o enredo como o é em Inimigo Meu, mas é um bom exemplo de como uma questão política pode influir na definição dos traços de um personagem do cinema, principalmente se este personagem for um extraterrestre.
Quando apresentam seu show de luzes e lasers, os aliens hollywoodianos mostram que sua ciência não passa de Lima evolução daquilo que é hoje a tecnologia humana. As criaturas estão, quase sempre, rodeadas de máquinas e aparatos eletrônicos, que aparentam ser nada mais que um desenvolvimento daqueles aparelhos e equipamentos produzidos por nossa indústria primitiva. Poderíamos dizer que representam o sonho de qualquer cientista nativo. É verdade que, em algumas oportunidades, os seres demonstram habilidades cuja natureza permite perfeitamente que fossem retratadas como uma forma alternativa à ciência humana, mas os roteiros se perdem quando dão vazão ao misticismo religioso. O visitante alienígena do filme E.T., por exemplo, tem a capacidade de voar, além de cicatrizar cortes com a ponta dos dedos.
PODERES SOBRENATURAIS INSPIRADOS NO ALÉM
Reforçados pela ressurreição da criatura, esses poderes ficam caracterizados não como uma forma de conhecimento, mas como algo sobrenatural. O mesmo acontece em O Segredo do Abismo, quando a técnica de controle dos fluidos acaba se transformando em milagre, pela associação com a passagem bíblica em que Moisés abre o Mar Vermelho: as criaturas abrem as águas, a milhares de metros de profundidade, para que o protagonista possa voltar a respirar. O final apoteótico também desafia a Física contemporânea, pois os corpos dos mergulhadores deveriam explodir ao emergir em poucos minutos de uma profundidade quilométrica. Como poderiam ter sobrevivido? Vale lembrar que, em certo momento, as criaturas são chamadas de anjos. Essa relação proposital entre religião e extraterrestres pode aquecer uma polêmica que, cedo ou tarde vai abalar algumas crenças disseminadas em nosso planeta.
A polêmica entre religião e Ufologia se instalou a partir da produção do documentário Eram os Deuses Astronautas? em 1969, feita a partir do livro de mesmo nome do cientista alemão Erick von Däniken. O documentário procura reunir evidências da passagem de seres extraterrestres pela Terra em tempos remotos. Segundo a teoria de von Däniken, os seres deixaram sua marca na arquitetura da antigüidade e passaram a ser reverenciados pelas civilizações primitivas como deuses alados. Motivados talvez, por esta teoria alguns diretores trouxeram às telas a idéia dos deuses astronautas.
Quanto ao filme O Segredo do Abismo, pode-se dizer que é uma obra em que o roteiro leva o espectador a esta comparação. O filme é ambientado numa plataforma de mergulho, que tem sua rotina alterada pelo naufrágio de um submarino nuclear americano. Os mergulhadores vão participar do resgate da belonave, juntamente com especialistas militares. Os problemas começam quando estranhas aparições evidenciam o despreparo do comandante da operação de resgate, que vê russos por todo lado. A atitude dos militares é usada para representar a falta de maturidade da raça humana para lidar com fenômenos do gênero, especialmente na seqüência em que tentam destruir a estação extraterrestre. As criaturas são apresentadas como seres de luz, sempre envolvidos em uma luminosidade rósea ou azulada e possuem asas. Por estas características são confundidas por um dos mergulhadores com alguma entidade divina: “pensei que estava morto quando vi o anjo”. As dimensões gigantescas da nave alienígena, estacionada no fundo de uma fenda abissal, complementadas pela música de aspecto religioso, dão aos seres uma qualidade sobrenatural. Percebe-se, então, outra comparação mística quando a espaçonave emerge no meio do oceano, tomando ares de uma cidade submarina: “Atlântida é aqui
“.
Bem mais explícito ainda é o filme Contatos Imediatos do Terceiro Grau. Desde as primeiras cenas enfatiza a ligação entre os fantásticos fenômenos extraterrestres e as manifestações religiosas. O clima sobrenatural vai sendo mantido ao longo do enredo, ao mesmo tempo em que se ressalta a incapacidade demonstrada pelos humanos para compreender os acontecimentos. E na cena final, no entanto, que a relação se torna mais clara, O festival de efeitos especiais faz o espectador sentir-se assistindo a uma liturgia high tech. Começando pela chegada da nave mãe, que surge entre as nuvens, como Deus em Os dez mandamentos, e cuja magnitude, beleza e forma fazem lembrar uma catedral. Impressionante é a aparição do primeiro extraterrestre: envolto em intensa luminosidade, o ser abre os braços em cruz, enquanto a luz se transforma em auréola. E uma clara alusão à prometida volta de Cristo à Terra. A platéia de militares e cientistas que assiste ao espetáculo tem somente duas palavras para descrevê-lo: “meu Deus!”.
Estariam os mortais invocando a proteção de um ser supremo ou reconhecendo sua presença? Esta parece ser a sugestão do roteiro de Contatos Imediatos, reforçada por outra cena em que um pastor, em oração, afirma que “Deus mandou seus anjos para proteger os homens”. Uma sugestão que, se para alguns é heresia, para outros é profecia: na opinião de especialistas no Fenômeno UFO, Contatos Imediatos é um filme fantástico, profético, impensável para a época em que foi feito, especialmente por ter se baseado em relatos reais. Esta afirmação nos remete à seguinte questão: será que filmes como Contatos imediatos ou O segredo do abismo pretendem apenas vender, sendo mercadorias de uma indústria cultural ou trazem a possibilidade de, usando os meios de manutenção do status quo, lançar ao maior número de pessoas possível uma nova idéia, negativa ao antropocentrismo, sobre as origens da raça humana?
Em reforço à segunda hipótese é importante ressaltar que tal idéia não ataca somente as crenças religiosas, mas também as científicas. Os técnicos em Contatos, comportam-se, diante da nave alienígena, como indígenas frente a uma pilha de espelhos, enquanto o personagem de François Truffaut — criado em homenagem ao ufólogo Jacques Vallée — afirma que um dos maiores ícones da ciência terrestre não passava de um alienígena disfarçado: “Einsten era um deles”, diz. Da mesma forma, em que O Dia em que a Terra Parou, o visitante Klaatu debocha do conhecimento humano, ensinando fórmulas ao personagem que era considerado o maior pensador da América como quem corrige um ginasiano em recuperação.
Com efeito, o monitoramento do planeta por alienígenas, que é apenas sugerido em Contatos Imediatos, é o tema central em O Dia em que a Terra Parou e Hangar 18. Páginas e páginas de filosofia que, em suas mais diversas vertentes, elevaram o homem à categoria de suprema criação, escoam pelo ralo diante da possibilidade de estar sendo o nosso planetinha controlado, à distância, por seres tão etéreos quanto um piano que nos caia sobre a cabeça. Na verdade, Hangar 18 vai além, insinuando que os extraterrestres são o elo perdido. Para desespero de alguns, um cientista afirma: “Nós, a raça humana, somos seus filhos”. É uma idéia tão subversiva que precisa ser destruída… e isso parece indicar o explosivo desfecho da história.
TRAUMAS DE ABDUZIDOS SÃO USADOS EM FILMES
Posicionados em uma categoria de filmes tratada com desdém pela mídia estão Intruders e Roswell, relacionados, entre outros, como histórias que retratam episódios verídicos. Intruders dramatiza as experiências com extraterrestres a partir dos depoimentos de pessoas que fizeram contato com tais seres. Dirigindo em clima de suspense, o filme aborda o trauma sofrido pelos humanos seqüestrados e submetidos a exames e cirurgias no interior de naves espaciais alienígenas. Produzido em 1994, Roswell relata a tentativa de um oficial do exército americano de obter a verdade sobre a queda de uma nave no deserto do Novo México. Ambas as histórias enfocam a determinação das autoridades em mitificar os fatos e desmentir as testemunhas.
A sustentá-los, no entanto, está a constatação de que vivemos num tempo em que as viagens pelo espaço se tornaram rotina, em que a manipulação genética é um fato, em que o homem substitui seus órgãos defeituosos por máquinas e desenvolve outras capazes de pensar. Um tempo em que o próprio conceito de vida precisa ser revisto não pode comportar o tratamento espetacular que se dá à existência de outros seres em nosso pequeno universo de bilhões de astros. Foi-se o tempo em que a humanidade poderia divertir-se ao imaginar a cena em que um homenzinho verde desembarca de um disco voador e, portanto um bacamarte digital, ordenaria: “Leve-me a seu líder”.