Durante um almoço no verão de 1950, o físico e Prêmio Nobel italiano Enrico Fermi (1901-1954) conversava com os físicos Emil Konopinski, Edward Teller e Herbert York sobre o controvertido assunto dos discos voadores e as possibilidades da existência de vida extraterrestre inteligente. Considerando a “rapidez” com que a vida havia surgido e evoluído na Terra e tomando por base as estimativas que davam conta de que nossa galáxia possuía cerca de 100 bilhões de estrelas, depreenderam que uma espécie inteligente, reproduzindo-se exponencialmente, poderia colonizar a galáxia em somente uns poucos milhões de anos. A dedução lógica é a de que inteligências extraterrestres deveriam ser comuns. Fermi ouviu pacientemente e então simplesmente perguntou, deixando a todos desconcertados: “Mas onde está toda esta gente?” Se inteligências extraterrestres deveriam ser comuns, porque nós ainda não os havíamos encontrado? Esse dilema passaria a ser conhecido como o Paradoxo de Fermi.
Desde então, o paradoxo tem se tornado ainda mais desafiador e confuso. A paleontologia mostrou que a vida orgânica evoluiu velozmente depois que a superfície da Terra resfriou, tornando-se hospitaleira para a vida. A partir de formas de vida simples, a evolução mostrou progressivas tendências para grandes corpos, cérebros e organização social complexa. A psicologia evolutiva revelou vários caminhos plausíveis de evolução de um estágio de mente socialmente simples para a criatividade inteligente de nível humano. Destarte, inteligência evolutiva parece muito provável, partindo de um habitat propício – e os próprios astrônomos supõem que tais habitats sejam comuns. Ademais, pelo menos 300 planetas extrassolares foram identificados nos últimos anos, sugerindo que mundos hospitaleiros para a vida orbitam muitas estrelas. Quarenta anos de intensas e custosas buscas por vida extraterrestre inteligente, no entanto, resultaram em nada, nem sequer em um único sinal inconteste de rádio proveniente de outras espécies.
Uma nova realidade virtual
Podemos responder a Fermi de duas maneiras. Talvez a ciência tenha superestimado as probabilidades de existência de vida inteligente extraterrestre. Ou talvez inteligências tecnicamente evoluídas tenham alguma profunda tendência de serem autolimitadoras, ou mesmo auto-exterminadoras. Depois de Hiroshima, alguns sugeriram que qualquer alienígena suficientemente inteligente para fazer naves espaciais colonizadoras poderia também ser suficientemente inteligente para fazer bombas termonucleares e usá-las contra membros de sua própria espécie cedo ou tarde. Civilizações avançadas destruiriam a si mesmas? O Paradoxo de Fermi ficou sendo um ponto acautelador sobre a geopolítica da Guerra Fria.
Sugiro uma solução mais obscura para o paradoxo. Basicamente, penso que espécies inteligentes não explodem a si mesmas – elas simplesmente ficam viciadas em jogos de computador. Elas se esquecem de enviar sinais de rádio ou colonizar o espaço porque estão ocupadas demais com uma corrida consumista e narcisista virtual. Elas não precisam de sentinelas para escravizá-las em uma matrix. Ao contrário, fazem isso por opção própria, exatamente como estamos fazendo hoje. Uma vez que se voltam para dentro, para satisfazerem seus prazeres mais elementares e primitivos, deixam de se expandir através do cosmos e se tornam como ratos que se auto-estimulam, pressionando uma barra para despejar eletricidade na área ventral de seu cérebro, a qual estimula seu nucleus accumbens para liberar dopamina, que transmite sensação de prazer.
O problema fundamental é que uma mente evoluída deve atentar às sugestões indiretas de suas aptidões biológicas. Esta foi uma introspecção central da psicologia evolutiva do início da década de 90. Embora a evolução favoreça cérebros que tendam a maximizar aptidões, nenhum tem capacidade suficiente para fazê-lo sob todas as possíveis circunstâncias. Evolução simplesmente nunca antecipou os novos desenvolvimentos, como a sociedade moderna, que nosso primata social viria a habitar. Este seria um problema computavelmente intratável, mesmo para os novos supercomputadores recém desenvolvidos, que executa trilhões de operações por segundo. De fato, cérebros precisam evoluir por atalhos: aptidões promotoras de truques, receitas e heurísticas que funcionam, na média, sob circunstâncias ancestralmente normais.
Assim é que nós não procuramos sucesso reprodutivo diretamente. Procuramos comida saborosa que tende a promover a sobrevivência e parceiros sedutores que tendem a produzir bebês brilhantes e saudáveis. O resultado? Fastfood e pornografia são alguns deles. A tecnologia é razoavelmente boa para controlar a realidade externa e promover aptidões biológicas reais, mas é melhor ainda para promover falsas aptidões subjetivas que sugerem sobrevivência e reprodução sem os efeitos do mundo real. Ter amigos de verdade exige muito mais esforço do que assistir ao seriado Friends. A colonização da galáxia atualmente é muito mais difícil do que pretenderam os autores de séries e filmes como Star Trek e Star Wars. Os negócios dos homens se tornaram entretenimento, e entretenimento é o que alimenta nossos cérebros com sugestões de falsas aptidões.
A grande tentação incomoda
Tecnologias que impulsionam falsas aptidões tendem a evoluir muito mais rapidamente do que nossa resistência psicológica a elas. Desde a invenção da imprensa, no final da Idade Média, pessoas lêem mais e têm menos filhos – somente alguns teimosos renitentes lamentam isso. Com a invenção do Xbox 360, pessoas preferirão jogar como um macaco virtual de alta resolução no King Kong de Peter Jackson do que como um ser humano real de perfeita resolução. Os jovens de hoje em dia procuram definir seus caminhos em meio a um carnaval de viciantes produtos de entretenimento plenos de falsas aptidões: iPods, TiVo, Sirius Satellite, celulares Motorola, o canal Spice, EverQuest, mensagens instantâneas etc. Os aspectos tradicionais de desenvolvimento físico, mental e emocional – atletismo, trabalhos manuais, encontros – são negligenciados. Os poucos jovens que possuem autocontrole para seguir o caminho meritocrático geralmente são distraídos no último minuto. Pegue, por exemplo, os graduados do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que se aplicam em fazer design de jogos de computador para a Electronic Arts, em vez de foguetes para a NASA.
Até meados do século passado, a maioria das invenções concernia à realidade física: carros, aeroplanos, zepelins, luz elétrica, bombas a vácuo, ar condicionados, zíperes. Em 2006, a maioria das invenções remete ao entretenimento virtual. Os 10 maiores detentores de patentes de invenções são a IBM, Canon, Hewlett-Packard, Matsushita, Samsung, Micron Tech
nology, Intel, Hitachi, Toshiba e Fujitsu – e não a Boeing, Toyota ou Victoria’s Secret. Nós estamos atualmente nos deslocando de uma economia real para uma economia virtual, da física para a psicologia como o carro-chefe e alocador de recursos. Estamos atualmente desaparecendo sobre nosso próprio tronco cerebral. Nossos neurônios super estimulam uns aos outros, promiscuamente, assim como nosso esperma e óvulos decaem, não usados. O princípio freudiano do prazer triunfa sobre a presunção da realidade. Hoje divulgamos estreitamente as histórias de interesse humano uns para os outros, melhor do que transmitimos mensagens de paz e progressos universais para outros sistemas estelares.
Talvez os alienígenas façam o mesmo. Suspeito que um certo período de narcisismo de falsas aptidões seja inevitável depois que qualquer vida inteligente evolui. Esta é uma grande tentação para qualquer espécie tecnológica – formar sua realidade subjetiva para fornecer as sugestões de sobrevivência e reprodução com sucesso sem a substância. A maioria das espécies alienígenas provavelmente vai se extingüindo gradualmente, alocando mais tempo e recursos para seus prazeres e menos para suas crianças. Eles eventualmente morrem quando o jogo por trás de todos os jogos – o Jogo da Vida – decreta o fim de jogo e diz: “Você está fora do mundo dos vivos porque se esqueceu de se reproduzir”.
Variações herdadas na personalidade podem permitir a algumas linhagens resistir àquela grande tentação de maneira mais intensa. Indivíduos e famílias cultivariam uma “irracional” aversão à tecnologia de entretenimento virtual, às drogas psicoativas e aos métodos contraceptivos, desenvolvendo mais o autocontrole, a conscientização e o pragmatismo. Eles valorizariam o trabalho árduo duro, a gratificação postergada, a educação salutar das crianças e a administração dos recursos ambientais. Combinariam os valores familiares e religiosos da direita com os valores de sustentabilidade da esquerda. Os políticos ficariam perplexos ante esse comportamento de aceitação do Jogo da Vida e recorreriam menos às retóricas de status e poder para se concen-trarem no indivíduo e na sociedade.
Tudo isso pode estar acontecendo atualmente. Cristãos, fundamentalistas muçulmanos e ativistas anticomunistas já entenderam exatamente o que é esta grande tentação e como evitá-la. Eles se isolaram e aguardam pacientemente que nossos narcisismos feitos de sonhos, ilusões e falsos poderes se desmanche. Os cultivadores de mentes pensantes herdarão a Terra, assim como devem ter herdado os alienígenas de mentalidade semelhante em seus respectivos planetas. Quando eles finalmente estabelecerem contato, o que se verá não vai ser uma reunião de telespectadores de novelas e jogadores compulsivos de videogame, e sim de superpais realmente sérios que se congratularão uns aos outros por terem sobrevivido não somente ao holocausto nuclear, mas também ao Xbox.