Podemos dizer que foi com o famoso astrônomo italiano Giovanni Virgínio Schiaparelli (1835-1910) que as especulações mais sérias sobre as possibilidades de vida em Marte começaram a se materializar. Com suas observações por meio de telescópios ele criou o primeiro mapa do Planeta Vermelho, batizando várias das regiões da superfície marciana, que ainda hoje são mantidos e respeitados dentro das atuais cartas do planeta. Além disso, a chave para o envolvimento de seu nome e trabalho com a proliferação de ideias sobre a existência de vida de nível superior no planeta estão associadas a um detalhe muito particular: Schiaparelli, em suas cartas e textos, fez inúmeras referências a uma extensa rede de estruturas lineares em Marte — eram os canali ou canais que, na tradução do italiano, tinham duplo significado: a palavra canais podia ser tanto empregada para estruturas naturais quanto para algo artificial. A leitura que ganhou força, apesar dessa não ter sido a opinião e interpretação do astrônomo, foi a que defendia a existência no solo marciano de canais artificiais construídos por representantes de uma avançada civilização.
Para Schiaparelli, entretanto, os canais eram depressões profundas em linha reta com milhares de quilômetros de extensão no solo do planeta. Apesar dessa conclusão, o astrônomo defendia a existência de água e a possibilidade de vida em nosso vizinho. Mas foi um norte-americano, o astrônomo Percival Lowell (1855-1916), inspirado, pelo menos em parte, na polêmica sobre os canais de Schiaparelli, que no final do século 19 se envolveu diretamente com a busca de evidências da presença de uma avançada civilização no planeta, usando um processo de observação sistemática de Marte com um telescópio. Lowell construiu seu observatório em Flagstaff, no estado do Arizona, onde as condições para as observações astronômicas eram as melhores possíveis.
Depois de anos e intermináveis noites ao telescópio, quase sempre apontado para o planeta, Lowell produziu mapas detalhados da superfície marciana, onde podiam ser vistos, segundo ele, claros sinais da presença de uma avançada civilização. Ele acreditava ter observado e descoberto os vestígios de vários canais artificiais que levavam a água proveniente das calotas polares para as cidades daquela suposta civilização. E também achava que os habitantes do planeta viviam em um mundo onde o precioso líquido era cada vez mais escasso. O impressionante em sua história, que inspirou tantas mentes no passado a acreditarem na possibilidade de vida fora de nosso mundo, é que ele não teve seguidores dentro da área acadêmica ou científica — vários astrônomos em sua época, com instrumentos semelhantes e até superiores, não conseguiram enxergar ou documentar os sinais da presença da avançada civilização.
Uma grande ilusão?
Onde estariam os canais e as cidades divisadas por Percival Lowell? Até hoje existe um mistério em torno desse assunto. Estaríamos diante de uma grande ilusão? Até que ponto os desejos de Lowell de encontrar vida em Marte o teriam influenciado em sua busca? Na verdade, mesmo com os instrumentos mais poderosos da época de Lowell, seria impossível observar qualquer detalhe na superfície marciana, a não ser que essa estrutura, artificial ou mesmo natural, tivesse de fato milhares de quilômetros de extensão e algumas centenas de quilômetros de largura. Hoje sabemos, por meio das missões espaciais, que apenas o chamado Vale Mariner — uma gigantesca fenda geológica na estrutura superficial do planeta, situada na área equatorial —, possui dimensões suficientes para ter sido detectada, e mesmo assim seria algo muito próximo do limite observacional da época, devido à sua largura.
De maneira definitiva, as supostas descobertas do astrônomo norte-americano e suas conclusões sobre a existência de uma avançada civilização em Marte tiveram mais importância como inspiração mística sobre a possível existência de vida lá do que como algo para ser considerado seriamente como evidência ou algo cientificamente aceitável. Nas décadas que se seguiram à morte de Lowell, independentemente de qualquer forma de evidência mais direta, a hipótese da existência de vida extraterrestre quase sempre esteve associada ao planeta Marte, mesmo no âmbito acadêmico e científico, onde o assunto continuou, no mínimo, a ser alvo de especulações, algumas até embasadas em observações telescópicas, cada vez mais apuradas, pois progressivamente se desenvolviam com o avanços das tecnologias existentes.
Um dos aspectos mais considerados para essas afirmações eram as flutuações ou modificações na tonalidade de parte da superfície do planeta, conforme as estações do ano se desenvolviam. Havia também a suposição, ou mesmo a defesa da ideia, de que esse tipo de modificação poderia estar associada à presença de formas de vida vegetal, as quais se desenvolviam e depois, com o passar dos meses marcianos, sofriam alguma forma de declínio ou quase desaparecimento. Com o passar das décadas, foi ficando claro que mesmo os instrumentos avançando bastante tecnologicamente não seria possível se chegar a uma conclusão definitiva. Nem mesmo durante as chamadas oposições periélicas, quando Terra e Marte estão alinhados e a distância entre os dois é menor, pois Marte se encontra próximo do seu periélio ou ponto de sua órbita mais próximo do Sol, a distância ainda é grande demais para uma observação com precisão, em torno de 56 milhões de quilômetros.
Esse abismo não permite uma visão de maior acuidade e qualidade do planeta, pelo menos no aspecto de busca de sinais de uma atividade biológica. As próprias condições ambientais em Marte continuavam a ser palco de muita discussão e debate, e não havia um consenso se o planeta possuía ou não condições mínimas para o desenvolvimento de vida, mesmo de escala inferior. A resposta para essas questões só poderia ser encontrada com o início do programa espacial, ou seja, com o envio de espaçonaves para Marte.
O início da exploração espacial
Com a inauguração do programa espacial soviético, no dia 04 de outubro de 1957, por meio do lançamento do Spu
tnik da base de lançamentos de Baikonur, era questão de tempo para que o homem chegasse ao espaço — em 1960 isso aconteceu com o soviético Iuri Alekseyievich Gagarin e, dois anos depois, com o norte-americano John Glenn Júnior. Estava aberta, de maneira definitiva, a exploração espacial e já surgiam, simultaneamente os primeiros programas de exploração lunar e do Planeta Vermelho. Desde 1960, aliás, os soviéticos vinham fazendo lançamentos de espaçonaves rumo a Marte, mas os resultados iniciais não poderiam ter sido piores.
Problemas diferentes, sempre nas fases iniciais das missões, continuavam a retardar um contato mais próximo com Planeta Vermelho. O véu de mistério e a indefinição sobre as reais condições ambientais reinantes em Marte ainda permaneceriam por vários anos. Porém, para surpresa de muitos, os norte-americanos conseguiram a primeira aproximação do vizinho. Os soviéticos desde o início tinham logrado manter uma boa dianteira em relação ao seu inimigo ideológico: lançaram o primeiro satélite artificial, a primeira nave a se aproximar da Lua e fotografar sua superfície, o primeiro astronauta etc. Porém, curiosamente, em relação a Marte, a história que estava para ser escrita seria totalmente diferente, e ela veio com o lançamento da espaçonave norte-americana Mariner 4, no dia 28 de novembro de 1964.
Já em sua primeira tentativa de se aproximar de Marte, a nave da NASA teve um sucesso que muitos consideravam improvável. Uma das primeiras preocupações dos cientistas da agência, além do lançamento e da saída da órbita terrestre na direção de Marte e a posição na qual o planeta estaria meses depois, quando lá chegasse a Mariner 4 — apesar de o assunto não ter sido destaque na mídia não especializada —, era a possibilidade de um choque entre a espaçonave e um pequeno meteoro ou fragmento rochoso associado ao chamado Cinturão de Asteroides, cuja área central fica entre as órbitas de Marte e Júpiter.
Apesar de expressiva parcela da massa de asteroides ou fragmentos menores orbitar o Sol entre o Planeta Vermelho e o maior dos planetas de nosso Sistema Solar, muitos desses corpos, justamente aqueles que têm órbitas mais excêntricas, têm seus periélios entre as órbitas da Terra e de Marte. Se a Mariner 4 atingisse um desses corpos, ou fosse atingida por um deles, seria certamente o fim da missão e a agência espacial norte-americana não teria condições de saber o que havia acontecido. A possibilidade de um choque mesmo com artefatos de pequena massa na vizinhança de Marte é probabilisticamente bem maior do que na faixa coberta pela órbita terrestre. Apesar desse aspecto inquietante, os técnicos e responsáveis pela missão estavam mais preocupados com o funcionamento dos dispositivos da própria nave, pois a Mariner 3, lançada no dia 05 de novembro de 1964, havia se perdido antes de chegar a Marte.
Condições ambientais de Marte
O objetivo da agência espacial norte-americana era fazer a espaçonave passar o mais perto possível do planeta, e durante essa aproximação, que duraria poucas horas, obter o maior número possível de fotografias documentando sua superfície — algo bem menos pretensioso do que já havia sido conseguido em relação ao nosso satélite natural. Aquela missão tinha realmente importância fundamental para uma visão mais realista das condições ambientais daquele mundo. Essa era, pelo menos, a ambição da NASA.
Com o passar dos meses, a Mariner 4 foi se aproximando de seu destino e, se não houvesse alguma situação inesperada, era provável que naqueles dias ela teria condições de realmente conseguir as primeiras fotos que veríamos de um outro planeta tomadas de suas proximidades. No dia 14 de julho de 1965, depois de vencer milhões de quilômetros buscando uma aproximação com Marte, a espaçonave passou ao largo daquele mundo a uma distância mínima de 9.844 km. Foi o primeiro momento de nossa caminhada em busca de uma visão realista sobre nosso vizinho. Porém, ao contrário do esperado, inclusive das expectativas de muitos dos cientistas e técnicos da NASA, as 22 imagens tomadas pela espaçonave revelaram um mundo bem diferente do imaginado, não só por Lowell como também por expressiva parcela dos envolvidos com a missão.
Depois de anos e intermináveis noites ao telescópio, quase sempre apontado para Marte, o cientista produziu mapas detalhados de sua superfície, onde podiam ser vistos claros sinais da presença de uma avançada civilização
O conjunto de fotos conseguidas mostrava um planeta repleto de crateras, onde a vida, mesmo de escala inferior, parecia um sonho. Não havia nada nas imagens que pudesse levar a qualquer consideração sobre condições ambientais mais clementes — na verdade, a paisagem mostrada diferia pouco da lunar. Depois de meses de expectativa, aquela visão representou uma frustração total para aqueles que ainda sonhavam com a possibilidade de vida no planeta. Marte era a única esperança em nosso Sistema Solar, mas as condições ambientais, que podiam ser deduzidas pelas imagens da Mariner, acabaram naquele momento com qualquer especulação nessa área. Porém, uma coisa não estava sendo considerada seriamente, pelo menos da maneira que merecia: aquelas imagens haviam sido obtidas a uma distância ainda muito grande.
De qualquer forma, não havia dúvidas de que a missão havia sido um sucesso em termos de desempenho tecnológico. Afinal, a Mariner 4 havia conseguido uma aproximação histórica do planeta, embora os resultados decepcionantes no que diz respeito às possibilidades de vida mantinham-se sem modificações. Posteriormente, mais duas missões norte-americanas também passaram ao largo do planeta, a Mariner 6 e a Mariner 7, no ano de 1969, obtendo respectivamente 75 e 126 fotografias do vizinho, e ainda assim estavam longe de conseguirem fazer uma descrição da realidade.
A primeira na órbita
Poucos anos mais tarde, a visão deixada pelas missões das Mariner 4, 6 e 7 se transformaria profundamente com a entrada da primeira espaçonave na órbita do planeta Marte, a Mariner 9, que havia sido lançada no dia 30 de maio de 1971. Ela fotografaria a superfície do orbe a uma distância inferior, revelando finalmente um mundo onde a vida, pelo menos no passado, já podia ser considerada uma possibilidade. No dia 14 de novembro de 1971, quando a nave finalmente entrou na órbita marciana, viu-se que os objetivos da missão eram muito mais
extensos e complexos do que os de suas antecessoras. Ao contrário do que havia acontecido na última missão, quando a Mariner 7 passou ao largo de Marte, mergulhando em seguida em uma órbita solar e permitindo poucas horas de visualização, a Mariner 9 poderia observar e fotografar a superfície marciana durante muitos meses.
Dessa vez, com os avanços na área da fotografia espacial, nossos olhos estavam bem mais aperfeiçoados para a missão, isso começou a permitir, finalmente, uma visão real do planeta e de suas condições ambientais. Entre os objetivos da missão estavam, além do levantamento e documentação fotográfica de cerca de pelo menos 70% de sua superfície com uma definição que variava de um quilômetro por pixel — podendo chegar a meros 100 metros por pixel —, estudos atmosféricos envolvendo sua composição, densidade e pressão, busca por vestígios de atividade vulcânica e tentar uma visão realista da possibilidade de vida em Marte. A espaçonave excedeu muito as expectativas do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), localizado em Pasadena, na Califórnia, responsável pelas missões anteriores enviadas ao planeta e também pela Mariner 9.
Depois de algumas semanas de espera devido a uma gigantesca tempestade de areia de âmbito planetário, que insistia em ocultar sua superfície dos olhos do planeta Terra, após a entrada em órbita da nave, e o enfraquecimento desse fenômeno meteorológico, pouco a pouco as descobertas começaram a ser realizadas. Foram obtidas 7.329 imagens cobrindo cerca de 80% da superfície marciana e revelando um planeta bem diferente da visão baseada nas fotografias conseguidas antes a milhares de quilômetros de distância, fornecidas pelas três espaçonaves anteriores. Sua superfície já apresentava características extremamente variadas e semelhantes, inclusive, as presentes em nosso mundo.
Algumas das características observadas nas novas imagens incluíam antigos leitos de rios, crateras gigantescas, enormes vulcões aparentemente extintos, cânions, depósitos de gelo em camadas distintas nos polos — que poderiam conter água congelada ou gelo seco, sedimentos que haviam sido transportados provavelmente por água em estado líquido —, tempestades de areia localizadas e de intensidade inferior àquela registrada pela nave quando chegou ao planeta, nevoeiros matinais, nuvens contendo aparentemente cristais de gelo etc.
Sinais de antigas ruínas
Várias das fotos pareciam revelar a certeza de um mundo rico em água em estado líquido em um passado remoto, que carecia, entretanto, de uma melhor mensuração em termos temporais que pudesse permitir uma conclusão quanto à sua antiguidade, com implicações para a presença de vida na superfície do planeta. Enfim, os dados recebidos pelo JPL somaram 54 bilhões de bits. Para efeito de comparação, esse número é 27 vezes maior que a soma dos dados transmitidos pela Mariner 6 e 7.
As descobertas da espaçonave foram muito mais reveladoras, mas, infelizmente, deram início ao acobertamento de informações sobre Marte, que nascia simultaneamente à exploração espacial, cuja gênese era a própria verdade que começava a surgir não só nas imagens da Mariner 9 como, antes disso, pela constatação da presença alienígena na órbita terrestre e no solo lunar. Várias das imagens obtidas do solo marciano pareciam revelar a existência do que podia ser definido como sinais de antigas ruínas ou estruturas artificiais, várias delas de base geométrica, que mostravam diferentes níveis de erosão, como veremos mais à frente nesse trabalho.
A Mariner 9 ainda foi fundamental para permitir uma visão mais atualizada da atmosfera marciana, incluindo a descoberta da presença de vapor de água, com destaque para a mensuração de sua densidade e pressão — fatores fundamentais para futuros projetos visando atingir o solo do planeta mediante módulos de pouso, como os das espaçonaves do projeto Viking, que chegaram ao planeta em 1976 com o intuito de procurar vida em sua superfície.
Os últimos sinais de erupções na história geológica de Marte parecem sugerir que o vulcanismo no planeta chegou ao seu fim há poucos milhões de anos. As fontes de lava mais recentes parecem ter entre 10 e 50 milhões de anos
Uma das primeiras descobertas da Mariner 9, em 1972, quando a tempestade de poeira de escala planetária perdeu força e progressivamente desapareceu, dando lugar a uma atmosfera cada vez mais transparente e permitindo o início do processo de documentação fotográfica, foi a presença de grandes vulcões em Marte. Hoje parece claro que houve uma interação direta na formatação das condições climáticas e na própria moldagem da superfície marciana pelo vulcanismo. Esse aspecto da questão, na realidade do passado do planeta, foi certamente positivo para a criação de condições favoráveis para o surgimento ou manutenção de formas de vida, que podem ter sido “semeadas” no orbe.
O maior dos vulcões de nosso Sistema Solar foi o descoberto pela Mariner 9 na região conhecida como Tharsis, de Marte, chamado Olympus Mons. Ele tem nada menos que 25 km de altura e uma área total equivalente ao estado norte-americano do Arizona. A mesma espaçonave também foi responsável pela descoberta de mais três grandes vulcões na mesma área, que foram batizados com os nomes Ascraeus Mons, Pavonis Mons e Arsia Mons. Essa região vulcânica de Marte apresenta ainda mais oito vulcões de porte bem razoável. A segunda área mais importante em termos do vulcanismo passado em Marte é a região conhecida como Elysium Planitia, onde também foram descobertos vários vulcões de grande porte. Não resta dúvida que em um tempo remoto o planeta viveu uma atividade vulcânica e sísmica violenta.
Erupções vulcânicas em Marte
Estudos que tiveram como base o número de crateras e o estado erosivo delas sobre os terrenos formados pela atividade desses vulcões indicam que a fase mais ativa do planeta Marte ocorreu, como no caso da Terra, quando acontecia a solidificação de sua superfície. Essa atividade em maior escala teria durado cerca de um bilhão de anos e progressivamente foi se reduzido, até possivelmente cessar em épocas mais recentes. Estimativas realizadas tendo como ponto de partida os estudos das imagens obtidas pela espaçonave Mars Express, da ESA, que
entrou na órbita marciana em 25 de dezembro de 2003, permitiram estabelecer que uma das últimas grandes erupções vulcânicas aconteceu há cerca de 350 milhões de anos. Foi a do vulcão Hecates Tholus, na região de Elysium Planitia.
Os últimos sinais de erupções na história geológica de Marte parecem sugerir que o vulcanismo marciano chegou ao seu fim há poucos milhões de anos — as fontes de lava mais recentes do planeta parecem ter entre 10 e 50 milhões de anos e foram encontradas ao redor tanto dos grandes vulcões de Tharsis como também em Elysium Planitia. Seja como for, a atividade vulcânica parece ter tido vital importância no aspecto da presença do gás carbônico na atmosfera do planeta, renovando-o. Como Marte tem uma gravidade baixa, devido a sua massa inferior, as moléculas de ar têm a tendência a se perderem no espaço, escapando da gravidade do planeta. A atmosfera marciana, que hoje é formada em 95% pelo referido gás, ao longo dos milhões e milhões de anos foi reabastecida justamente pelo vulcanismo, impedindo que as temperaturas fossem ainda mais baixas.
Essa atividade parece ter interagido diretamente com a água no passado do planeta, não só no aspecto da sua formatação geológica como na criação das condições que fizeram Marte apresentar condições ambientais semelhantes àquelas de nosso próprio mundo, onde a água existiu em escala planetária em níveis bem superiores aos atuais, no estado líquido, sólido e gasoso. Assim, como se vê, do ponto de vista da importância das descobertas da espaçonave Mariner 9, o aspecto das fotografias documentando o que pareciam ser leitos de antigos rios foi, sem dúvidas, o grande detonador inicial rumo a uma visão mais realista das condições ambientais do planeta no passado.
Em 1972 já parecia provável que, se tivesse existido água líquida em escala planetária em Marte, sua atmosfera teria que ser mais densa, propiciando temperaturas bem mais quentes. Algumas das imagens obtidas pela Mariner 9 realmente eram surpreendentes e mostravam padrões só vistos em bacias fluviais de nosso planeta — as fotografias revelavam, entre outras, regiões onde podiam ser vistos antigos leitos de rios e seus afluentes. Marte podia e parecia realmente ser um mundo extremamente árido na atualidade, mas seu passado certamente havia sido bem diferente.
Em 1976 as espaçonaves do projeto Viking, que haviam sido lançadas no ano anterior pela NASA, entraram em órbita marciana e começaram a fazer um levantamento fotográfico sem precedentes do planeta, que totalizaria cerca de 50 mil imagens. Ficou claro que não havia dúvida quanto à interpretação dos sinais da presença de água em estado líquido no orbe, e isso em quantidades expressivas. Além dos próprios leitos de seus antigos rios, outras imagens começaram progressivamente a revelar no solo do planeta áreas que indicavam a presença de leitos de lagos e até mares, ou seja, um mundo em que até mesmo os mais pessimistas não poderiam descartar a possibilidade de vida.
O Projeto Viking
O Projeto Viking, o mais ambicioso plano de exploração de outro mundo já concebido, desenvolvido na década de 70 pela NASA, foi composto de duas espaçonaves gêmeas, a Viking 1 e a Viking 2, ambas divididas em dois módulos. O primeiro deles, o módulo orbital, tinha como missão fazer um levantamento fotográfico envolvendo a totalidade da superfície do planeta com um equipamento fotográfico que representava, naquela época, o máximo da tecnologia espacial. Já o segundo era um lander, um módulo de descida, concebido para estudos atmosféricos e a busca de sinais de vida no solo, a qual seria desenvolvida por uma série de experimentos microbiológicos relacionados a amostras de material que seriam retiradas com o braço mecânico do chão de Marte.
O módulo de descida da Viking 1 pousou na região conhecida como Chryse, cerca de um mês depois da chegada da espaçonave à órbita de Marte, em 20 de julho de 1976. Pela primeira vez os norte-americanos tinham conseguido um pouso suave e controlado em outro mundo. Já para a descida do módulo da Viking 2 foi selecionada a região de Utopia. A espaçonave efetivou o procedimento de pouso e tocou o solo da área escolhida pouco menos de um mês depois de sua chegada à órbita marciana, no dia 03 de setembro do mesmo ano. Realizando vários testes, as Vikings confirmaram uma atmosfera quase totalmente composta por gás carbônico em Marte. Entretanto, já era evidente que havia existido uma atmosfera rica em oxigênio, pois seu solo apresenta-se extremamente oxidado — fato que determina a sua coloração avermelhada. Concluindo, podemos dizer que as duas espaçonaves do projeto reafirmaram todas as possibilidades de existência de condições favoráveis à existência de vida no passado do planeta, que já haviam sido insinuadas pela missão Mariner 9.
As Vikings confirmaram também a presença de argônio no planeta, um gás pesado que não poderia existir lá, a não ser no caso de Marte ter realmente possuído uma atmosfera que se comparasse a da Terra. Indicaram também que a calota polar norte do vizinho é constituída de água congelada. Sendo assim, existia, segundo as mensurações da missão, água em Marte em quantidade muitas vezes superior à que os mais otimistas imaginavam — o próprio solo do planeta apresenta água congelada e existiam sinais de sua presença também no subsolo e na atmosfera, onde a água aparece na forma de vapor. Porém, esses indicativos não foram tidos na época como definitivos, pois amostras do líquido não haviam sido confirmadas por análises químicas.
Equipamentos sofisticados
Mesmo na atualidade, as evidências da existência de água, inclusive em es
tado líquido, continuaram a ser obtidas. Por exemplo, quando a espaçonave Mars Global Surveyor, depois de uma jornada pelo espaço interplanetário ao longo de 10 meses,entrou na órbita marciana, em 12 de setembro de 1997, muito se descobriu. No site do Malin Space Science Systems [Endereço: www.msss.com], como no Photojournal [Endereço: http://photojournal.jpl.nasa.gov], ambos relacionados ao Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), encontramos inúmeras fotos documentando essa realidade. Mais especificamente, no primeiro site existem não só imagens claras revelando a presença de água em estado líquido em Marte, como também uma série de documentos que aprofundam a discussão dessa realidade — alguns dos textos foram divulgados entre junho de 2000 e dezembro de 2006 e apresentam imagens de canais e outros efeitos erosivos produzidos pela passagem de água na atualidade.
Esse nível de evidência, que foi documentado em vários pontos na superfície do Planeta Vermelho, não parou mais de crescer, não só nos anos seguintes ao da missão da Mars Global Surveyor, como nas outras vezes em que espaçonaves entraram progressivamente na órbita marciana. A primeira espaçonave a chegar a Marte com equipamentos mais sofisticados foi a Mars Odyssey, que havia sido lançada de Cabo Kennedy pela NASA em 07 de abril de 2001. Ela entrou em órbita no planeta no dia 24 de outubro do mesmo ano e continua em operação. Tem como principais instrumentos um sistema de imagens que trabalha com base nas emissões térmicas da superfície e subsolo do planeta, chamado Thermal Emission Imaging System (Themis).
O instrumental a bordo da Mars Odyssey teve fundamental importância para ampliar ainda mais as certezas da presença de água na atualidade no planeta, fato que havia sido constatado por meio da missão da Mars Global Surveyor. A espaçonave conseguiu fortes indicações da presença de água também no subsolo do planeta, inclusive em estado sólido, ou gelo. Outra espaçonave que acrescentou muito à pesquisa da presença de água no planeta foi a Mars Express. No site da missão, produzido pela ESA, existem inúmeras fotografias de alta resolução documentando um mundo bem diferente daquele que as primeiras fotografias da superfície marciana obtidas pela Mariner 4 revelaram.
O conjunto de informações e evidências fotográficas relativas à presença de água, obtidas pelos últimos orbitadores que chegaram ao planeta, incluindo aquelas conseguidas pela espaçonave Mars Reconnaissance Orbiter, também lançada pela NASA e que entrou em órbita marciana no dia 10 de março de 2006, foi finalmente endossado de maneira definitiva pelos resultados das análises químicas realizadas pelo primeiro lander a pousar nas imediações de uma das calotas polares do planeta.
Mais água do que se pode imaginar
No dia 04 de agosto de 2007, a NASA lançou de Cabo Kennedy a espaçonave Phoenix, tendo entre seus objetivos não só a busca da prova definitiva de água em Marte, como também a verificação das possibilidades de vida na região ártica do planeta. Depois de uma viagem de vários meses, a espaçonave pousou com sucesso próximo da calota polar norte do orbe, em 25 de maio de 2008. O pouso não podia ser realizado diretamente sobre a área congelada do polo por questões de segurança, mas em terreno árido, sem cobertura. Após escavar o solo com seu braço mecânico e revelar uma material branco congelado, que estava poucos centímetros abaixo da superfície, foram recolhidas amostras para serem analisadas, as quais permitiram demonstrar, segundo a agência espacial, que estávamos realmente diante de água congelada.
Havia a suspeita de que a calota polar norte do planeta fosse constituída de neve carbônica (gelo seco), mesmo com os resultados do espectrômetro de raios gama da Mars Odyssey revelando um grande manancial de água congelada na região polar, que se estendia além da área da calota polar, pouco abaixo da superfície já árida em regiões mais afastadas do polo. Hoje é oficialmente admitido, tanto pela NASA como pela ESA, que o Planeta Vermelho apresenta mais água do que os mais otimistas poderiam pensar.
As sondas Vikings confirmaram a existência de uma atmosfera quase totalmente composta por gás carbônico em Marte, como já se esperava. Entretanto, também era evidente que havia existido uma atmosfera rica em oxigênio no passado
Além dos mananciais congelados descobertos na superfície dos polos e de uma quantidade imensa do líquido em seu subsolo, que periodicamente surge em “nascentes” em vários pontos do planeta provocando erosões — conforme já registrado inúmeras vezes nas imagens das espaçonaves Mars Global Surveyor, Mars Odyssey e Mars Reconnaissance Orbiter —, a presença de água foi detectada também em escala e quantidades menores em outras situações, como no interior de crateras, preenchendo fendas geológicas na forma de gelo.
A própria Phoenix documentou em suas sequências fotográficas, no amanhecer marciano, uma fina cobertura do solo constituída de água congelada que, com o aumento da temperatura ao passar do dia, derretia passando para o estado líquido. Uma das mais importantes descobertas dessa espaçonave foi justamente a de que o solo da região do pouso apresentava muito mais água do que o esperado. A Phoenix, com seus estudos e análises, permitiu outra declaração oficial a caminho da verdade sobre o planeta: foi possível confirmar que o solo é totalmente compatível com o desenvolvimento de vida vegetal semelhante à que temos em nosso mundo. A missão revelou e confirmou também que Marte foi um mundo habitável no passado. Este tipo de constatação, oficial e finalmente reconhecida, abriu de maneira definitiva a questão da existência de formas de vida não só no passado, mas também no presente do nosso vizinho.