Estamos numa era que muitos já chamam de “pré-colonização” de Marte, com as sondas Spirit e Opportunity fazendo investigações no solo do Planeta Vermelho. Enquanto isso, na Terra, as descobertas científicas sobre esse mundo se renovam a cada dia. Entre os responsáveis pelas mais recentes teorias sobre vida em Marte estão o físico Tony Taylor, membro da Australian Nuclear Science & Technology Organization [Organização Australiana de Ciência Nuclear e Tecnologia ou ANSTO], e seu colega John Barry, professor da Universidade de Queensland, também na Austrália. Ambos asseguram poder demonstrar que já existiu vida em Marte, pelo menos bacteriológica. Mas os estudos de Taylor são mais curiosos e vão além dessa simples constatação – não somente pelo conteúdo, mas também pela estranha forma usada por ele para encontrar algumas bactérias terrestres para seu estudo e comparação com as marcianas. Os trabalhos de Taylor e Barry foram recentemente publicados na prestigiada revista Journal of Microscopy e são a confirmação das primeiras teorias da NASA sobre a possibilidade de vida em Marte.
Peritos da agência espacial norte-americana e cientistas de outras instituições garantem que fósseis microscópicos de bactérias primitivas, achadas num meteorito encontrado em 1984, na Antártida, e batizado de Allen Hills 84001 (ou apenas ALH 84001), provariam que houve vida em Marte. Os dois cientistas australianos apostam que não apenas houve vida no planeta vizinho, como também ela chegou à Terra, milhões de anos atrás, através de um processo que é conhecido na biologia como panspermia.
Na Baía de Moreton, em Queensland, é fácil encontrar o doutor Taylor e sua cadela Tamarind passeando pela praia. Mas não é pura recreação, e sim um profundo estudo que o cientista conduz na área. Graças ao faro de Tamarind, o cientista australiano encontrou 57 novas espécies aquáticas com estruturas de magnetita semelhantes às possivelmente existentes em Marte, similares às encontradas pela NASA no ALH 84001. “As estruturas do meteorito foram criadas por uma bactéria que existiu em Marte há quatro milhões de anos, até mesmo antes de haver vida na Terra. Não só havia vida lá, como também é possível que tenha migrado para a Terra”, afirmou o cientista na apresentação de seu trabalho à ANSTO. Ele acaba de conceder entrevista exclusiva aos novos consultores da Revista Ufo na Espanha, Marisol Roldán e José Antonio Roldán, de Barcelona, que contou com o trabalho de tradução de Fernando Fratezi Júnior, da equipe de intérpretes da revista. Vamos à entrevista.
Por que o estudo das características do planeta Marte é tão interessante para a ciência terrestre? O estudo de Marte tem muitos pontos de direto interesse para nossa ciência, principalmente para a geologia, a geofísica e os conceitos ambientais. Marte é um planeta que parece ter inúmeras semelhanças com a Terra – ou pelo menos teve. Ele só é um pouco mais velho do que o nosso planeta e alguns dos estudos já concluídos revelam que nos projeta para uma espécie de “janela” para o futuro geológico do planeta. Conhecendo Marte, hoje, podemos ter uma idéia de como poderá ser a Terra no futuro. Portanto, todos os esforços que se fazem para irmos ao nosso vizinho são muito importantes.
O senhor acredita ser possível e seguro enviar missões tripuladas ao planeta? Tentar enviar pessoas para Marte é um risco, claro, mas que nos dará muitas valiosas lições sobre como administrar nosso próprio planeta de um modo sustentável – e, particularmente, o que fazer com as elevadas emissões diárias de energia e lixo que jogamos na natureza. Essas questões terão um efeito importante em nossa sociedade nos próximos anos. Além disso, há outro aspecto prático. A cada 70 e tantos milhões de anos, a Terra é ameaçada por um processo de destruição global vindo do Cosmos e sobre o qual não temos controle. O último evento catastrófico deste tipo ocorreu há 63 milhões de anos e resultou no desaparecimento dos dinossauros. Pelo menos essa é a teoria corrente para explicar sua extinção. Se nós não colonizarmos de forma relativamente rápida a Lua ou Marte, pode acontecer o mesmo a nós, se um meteorito de grandes proporções se chocar com a Terra novamente. É só uma questão de tempo. A escassa disponibilidade de recursos como energia, água e alimento, tanto no espaço como em outros corpos terrestres, nos forçará a desenvolver tecnologias para suprir essas lacunas.
Os marcianos não estão chegando, como se pensa. Eles já estão aqui a muito tempo. Eles já vieram à Terra sob forma de microorganismos, milhões de anos passado, e nós podemos ser seus descendentes
– Tony Taylor
Há evidências concretas de que existam hoje, ou existiram no passado, bases biológicas no Planeta Vermelho? O meteorito marciano ALH 84001 contém muitas características incomuns, que indicam que algum dia houve de fato vida em Marte. Nele está um item de prova conclusiva da última forma de vida que existiu lá, o que chamamos de magnetofóssil. Trata-se de uma forma da magnetita mineral que só conhecíamos até então como sendo produzida por bactérias aqui da Terra. O magnetofóssil contém pedaços de carbonato que só pode ser produzido pela precipitação de sais presentes em soluções aquosas. Esta é a prova conclusiva de que houve água em Marte, algo já amplamente reconhecido pela ciência.
Mas não parece muito arriscado afirmar que houve vida noutro planeta apenas com base nesse fóssil? Sim, mas não é só isso. A tese de que houve vida bacteriológica em Marte também é apoiada pela presença de canais de rios, lagos e oceanos secos na superfície do planeta. Além disso, a análise espectroscópica que fizemos de sua atmosfera e solo detectou a presença de gelo perto dos pólos. Os pedaços de carbonato a que me referi também contêm combinações orgânicas chamadas de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Elas são estruturas que se assemelham a fósseis bacterianos. Mas os magnetofósseis também não são pouca evidência para se desconsiderar. Aqui na Terra há um grupo de bactérias que fazem cristais muito pequenos de magnetita dentro de si mesmos. Elas têm características que as fazem distintas das formas inorgânicas da magnetita natural. Utilizam uma espécie de imã para se moverem para seu ecossistema. O processo é, enfim, muito complexo e único, indicando que uma evolução específica está se manifestando. Encontrar algo semelhante a isso em Marte é surpreendente. As bactérias terrestres e marcianas teriam que ter propriedades muito assemelhadas para gerarem o mesmo tipo de resultado.
Esses são estudos bastante avançados. Vocês têm colaboração direta da NASA? Da NASA e de várias outras instituições. Há muitas hoje envolvidas na questão de Marte. Por exemplo, quanto às características que descrevi dessas bactérias – que chamamos “assinatura biológica” –, a cientista líder na área é a bióloga Kathy Thomas Keptra, assim como os integrantes da equipe de pesquisadores chefiados pelo professor David J. Barber. Todos têm estudos realizados na NASA. A equipe de Kathy estudou as partículas da magnetita que foram isoladas dos carbonatos e descobriu que poderia comparar somente cinco características comuns a eles.
O que o senhor busca provar com seus estudos? Eles não podem causar um choque na comunidade científica? Acredito que não. As pessoas hoje estão preparadas para novas revelações. E a idéia de que Marte já teve vida é algo que habita a imaginação de cientistas do mundo inteiro. A base de minha tese de doutorado foi o estudo de bactérias magnetoestáticas e seus biominerais. Com a ajuda do professor John Barry, desenvolvi algumas novas técnicas analíticas para detectar, através de microscópio, a transmissão de elétrons entre esses seres. Isto me permitiu estudar até 82 tipos de bactérias magnetoestáticas – só conhecíamos 25 no mundo inteiro, até então. Este estudo foi crucial para trabalharmos com as bactérias do meteorito marciano ALH 84001. Nele nós achamos magnetita biológica com as mesmas irregularidades morfológicas, defeitos estruturais e até mesmo impurezas químicas que ocorrem nas bactérias de mesma natureza que temos na Terra. Ou seja, não podemos subestimar que tais organismos tenham origem biológica semelhante. E quando confirmada, essa tese deverá abrir muitas portas.
Há provas suficientes para alegar que os achados no meteorito marciano são idênticos aos encontrados em organismos semelhantes terrestres? O professor Carl Sagan certa vez disse que a demonstração de algo extraordinário requer provas extraordinárias. Bem, nos exames que fizemos das bactérias marcianas do ALH 84001, e de sua comparação com as similares terrestres, tiramos conclusões muito significativas. Nosso estudo envolveu 11 níveis de análise biológica, o que é algo extraordinário, especialmente quando as partículas de magnetita inorgânicas, a que nos referimos, coincidem em suas naturezas toda vez que as analisamos, em pelo menos três aspectos distintos. Não pode ser mero acaso.
Dentro dessa ótica, como o senhor imagina que tenha sido Marte? O planeta certamente teve muitos oceanos e uma rica atmosfera no passado. Hoje não há mais nada disso, como vemos nas imagens que nos estão sendo remetidas pelas sondas norte-americanas Spirit e Opportunity. Mas elas confirmam com exatidão que pelo menos um oceano marciano era imenso, aquele sobre o qual está uma espécie de ilha onde pousou o Opportunity. De qualquer forma, acredito que algumas formas de vida ainda podem continuar existindo ocultas em rios subterrâneos ou próximos a vulcões marcianos, que são regiões mais quentes e propícias, ou ainda na profundidade de sua crosta. Sabemos que existe vida endolítica na Terra, em correntes de água subterrâneas. Do mesmo modo, é muito possível que exista até hoje vida subterrânea em Marte. Mas, para encontrá-la, teremos que perfurar o solo do planeta, o que requererá uma missão específica neste sentido. E ela não será fácil de se implementar.
Como a comunidade científica está aceitando seu trabalho na área de inspeção biológica de restos marcianos? A comunidade tem apresentado uma boa reação às coisas que divulgamos. Muitos cientistas estão otimistas quanto aos resultados de nossas análises, mas ainda há céticos – até mesmo na Austrália – que, embora não tenham experiência na análise de magnetita biológica e fóssil, tentam desacreditar o trabalho que desenvolvo com minha equipe. Como não há sustentação científica para seu ceticismo e explicação para sua atuação de bastidores, tentando derrubar a tese da existência de vida bacteriológica em Marte, cheguei a pensar que eles estivessem recebendo algum tipo de financiamento escuso. É possível que exista interesse político por traz dessas pessoas, para motivá-las a nos combater. Mas sua atividade será inócua, porque o que está provado é inequívoco. Até meus colegas na NASA encontraram o mesmo fenômeno que eu.
Se confirmados definitivamente tais vestígios de bases orgânicas em Marte, do que exatamente estamos falando? De que o planeta teve vida microbiana? Ou de que poderia ter abrigado organismos superiores? Os dados do meteorito ALH 84001, unidos à datação geológica que fizemos, indicam que Marte sem dúvida alguma teve rios, lagos e oceanos com certa quantidade de vida microbiótica. Como pode ter existido oxigênio em sua atmosfera, o que está claro pela abundante presença de óxido ferroso em sua superfície, essa hipótese ganha muita força. Veja, a cor avermelhada e alaranjada da superfície do planeta é gerada por vastas quantidades de óxidos diversos, uma espécie de ferrugem de metais, como temos na Terra. Isso indica que parte do oxigênio que outrora estava na atmosfera está hoje presente na forma desses minérios. No entanto, eu e minha equipe acreditamos que a extinção das reservas de oxigênio e a evaporação da água da superfície marciana se deram antes que formas de vida multicelulares chegassem a evoluir para organismos mais complexos. De qualquer forma, micróbios endolíticos ainda podem ser encontrados na superfície marciana.
Em seus trabalhos é mencionada a possibilidade de que Marte “infectou” de vida nosso planeta. Isto também pode ter ocorrido noutros corpos do Sistema Solar? O registro mais antigo da existência de uma bactéria num fóssil terrestre é de 3,6 trilhões anos, enquanto que em Marte ele é de 4 trilhões. Por isso é que a vida no planeta vizinho ocorreu em fase anterior à da Terra. É importante se dizer que, quando observamos a evolução da vida, a primeira coisa a surgir são as proteínas DNA (em bactérias, animais e plantas). Seu estudo indica que a vida na Terra parece ter dado um salto existencial de um modo instantâneo. A origem da vida com característica extraterrestre pode ser considerada como uma “infecção”, como você falou. Os estudos de simulação de impactos de meteoritos demonstram que eles são regularmente expelidos de corpos planetários, como Marte, mas que passam por um aquecimento mínimo que faz possível a vida unicelular – especialmente a termofílica – sobreviver mesmo aos mais profundos impactos.
Quer dizer que, mesmo ao caírem e gerarem imensa quantidade de calor, alguma forma de vida que estes meteoritos carreguem conseguem sobreviver? Esses meteoritos são expelidos dos planetas por causa de choques que estes têm com corpos maiores. Ao chegarem ao espaço, esfriam radicalmente, permitindo que as amostras biológicas que contenham se conservem por tempo indefinido – muitas vezes, são congeladas. Mas a entrada desses corpos na atmosfera terrestre não aquece os meteoritos e tais amostras o suficiente para matar todos os organismos celulares nelas contidos. Por isso, dizemos que a popularização transplanetária – a chamada panspermia – é viável. E mais: partes do mesmo meteorito podem ser transportadas para outros sistemas estelares, gerando vida em mais de um planeta.
Isso levaria a uma “semeadura”, por assim dizer, de vida no Cosmos, como querem muitos ufólogos? Sim, deste modo é possível que o universo esteja cheio de vida, que, em alguns casos, pode acabar evoluindo até uma fase inteligente, como ocorreu na Terra. Mas note que a vida pode ter chegado à Terra em momentos diferentes, acarretando semeaduras diferentes. Eu fui um dos cientistas que demonstraram que há uma forma de vida estranha na Terra, as nanobactérias – ou nanobes, como os chamei –, capazes deviver sem água a uma profundidade de até 5 km dentro da superfície terrestre. Existem alguns casos de vida microbiana com grandes peculiaridades físicas e químicas, que não guardam relação com a proteína da vida, o DNA. Por isso, penso que são baseadas no silício, e não no carbono, que indicaria uma segunda teoria para a origem da vida na Terra.
Como assim? Veja, a maioria das formas de vida que aparecem têm que competir com os organismos já estabelecidos, e por isso freqüentemente morrem. A bactéria termofílica na Terra é extremamente diferente de tudo o que há e pode apresentar múltiplas características de vida ancestral, além de ter origem comum com outras formas de vida que com certeza existem no espaço. A questão da vida baseada em carbono também é algo da maior seriedade. Nós sabemos que a vida na Terra é baseada em quatro elementos químicos básicos: carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio. São eles que formam 97% de todos os organismos vivos. E sabemos também que o carbono tem características muito comuns a outro elemento químico, o silício, que, inclusive, apresenta uma forma muito parecida de se relacionar com os demais elementos citados. O que impediria que num outro ambiente planetário surgisse vida baseada no silício, em vez do carbono?
O senhor acredita que bases biológicas fora da Terra, noutros mundos, devem seguir padrões comuns aos encontrados em nosso planeta? Ou seja, podem existir organismos adaptados a atmosferas sufocantes e a locais de ausência de oxigênio? Na Terra há muitos micróbios de um tipo que chamamos de extremófilos. Eles vivem em meios super ácidos e com temperaturas superiores à 100º C. Muitas vezes, encontram-se sob pressões extremas e se “alimentam” de pedras, podendo inclusive viver em toxinas como o fenol. Sendo assim aqui em nosso planeta, com toda segurança seria semelhante noutros corpos planetários. Estes extremófilos parecem ocupar uma espécie de “último lugar” da escala evolutiva e poderiam ser originados em outros planetas, vindo para a Terra por vários meios. Isso explicaria as grandes variações que encontramos em seus códigos de DNA, em relação ao de seus antepassados comuns aqui da Terra.
Para o senhor, então, é inequívoco que há formas de vida noutros planetas, mesmo que primitivas? Sim, todas as evidências demonstram que há vida noutros planetas, e devemos abrir nossas mentes à possibilidade real de que na Terra ela pode ter origem extraterrestre. Há mais de 10 trilhões de estrelas somente em nossa galáxia, e mais de 10 trilhões de galáxias no universo. Na Terra, misteriosamente, a vida parece ter surgido do nada, quase espontaneamente, quando os oceanos ainda não haviam reduzido sua temperatura para menos de 100º C. Foi nessas condições que restos fósseis apareceram. Por isso, pensar que só na Terra há vida é uma opinião muito pouco inteligente.
Que opinião o senhor tem sobre as atuais missões da NASA e da Agência Espacial Européia (ESA) a Marte? Que futuro o senhor vê na exploração marciana? Sou um grande defensor das missões tripuladas a Marte, mas só depois de concluirmos a procura de vida marciana através de missões robóticas. Porque as missões tripuladas contaminarão a superfície marciana. Você pode esterilizar um robô, mas é muito difícil – embora não impossível – fazer isto com pessoas. Agora que a ESA se uniu à NASA na pesquisa de Marte, adoraria ver uma missão conjunta ao planeta, para evitar estudos redundantes e retardar a chegada prematura do homem, que contaminará Marte. Esse trabalho deve ser muito bem planejado e coordenado, pois as missões poderiam custar vidas, o que atrasaria todo o processo. Um projeto internacional nesse sentido faria bem até mesmo à paz mundial.
Que planos o senhor tem para os próximos anos em seus estudos? Atualmente, planejo implementar um novo estudo do meteorito ALH 84001, que me foi entregue pela NASA, em 1997. No momento, estou muito ocupado com uma nova descoberta celular que afetará campos como a medicina e a biotecnologia, e tornará a vida mais sustentável em nosso planeta. Possivelmente, poderemos estendê-la para criar formas de vida artificial noutros corpos planetários. A longo prazo, tais descobertas poderiam ser usadas para se desenvolver bases espaciais na Lua ou Marte. Mas devido a restrições de patente, não posso falar sobre isso por enquanto.