
Sumé, também conhecido como Zumé, Pay Sumé ou Tumé, é a denominação de uma antiga entidade da mitologia dos povos tupis do Brasil, cuja descrição variava de tribo para tribo. Tal ser teria estado entre os nativos desde antes da chegada dos portugueses e se acredita que teria lhes transmitido uma série de conhecimentos, como a agricultura, o fogo e a organização social.
Nas suas Cartas do Brasil, datadas de 1549, o padre Manuel da Nóbrega descreveu algumas lendas dos silvícolas brasileiros sobre Sumé. Já vista como uma divindade, o personagem teria aparecido de forma misteriosa e era um homem branco que andava ou flutuava no ar e possuía longos cabelos e barbas brancas. A entidade concebera dois únicos filhos, Tamandaré e Ariconte, que eram de diferente complexão e natureza, e por isso um odiava mortalmente o outro.
Sumé teria começado a ensinar ao povo da selva a arte da agricultura e depois habilidades como a de transformar mandioca em farinha e alguns espinhos em anzol, além de regras de conduta moral. Diz-se que curava feridas e diversos males sem cobrar nada em troca. Tanta gentileza e poder logo despertou sobre si o ódio dos caciques das tribos, culminando com a recepção de Sumé a flechadas em uma certa manhã — armas que misteriosamente retornavam e feriram de morte os arqueiros atiradores.
Os índios também ficavam espantados com a facilidade com que tal forasteiro extraía as flechas e como de seu corpo não escorria sangue algum. Sumé ainda teria andado de costas para o mar até atingir as águas. Acredita-se que desapareceu em um voo sobre as ondas para nunca mais voltar. Quando foi embora, teria deixado uma série de rastros gravados em uma pedra em algum lugar do interior do Brasil, provavelmente a Bahia.
Sincretismo religioso
Logo a seguir os colonizadores católicos criaram o mito de que Sumé era, de fato, o apóstolo cristão São Tomé, que, segundo a lenda, teria viajado para a Índia para pregar o Cristianismo. Entretanto, também se encontram características relativamente parecidas a São Tomé na divindade Viracocha, cultuada por povos incas exatamente onde termina o Caminho de Peabiru. Tal mito existe em parte da América do Sul, especialmente no Brasil, Peru e Paraguai, e foi difundido principalmente por missionários.
Segundo a história posteriormente contada por jesuítas, Sumé teria sido expulso de Tupinambaene, a tribo dos tupinambás, ao ter proibido a poligamia e o canibalismo. A lenda conta ainda que, quando foi para o Paraguai e depois para o Peru, teria aberto a tal trilha chamada de Caminho Peabiru, que se traduz por “Caminho das Montanhas do Sol”, embora haja controvérsia quanto a esta explicação. Tal rota, que ia do litoral paulista até Assunção, no Paraguai, cruzando o atual estado do Paraná, teria futuramente servido aos colonizadores europeus em expedição organizada em 1769 pelo capitão Afonso Botelho de Sampaio e Sousa.
Também na Bahia
Por sua vez, os índios da Bahia contavam a história de um deus branco que também denominavam de Sumé e que teria igualmente andado pelo mar, tendo as águas se afastado para dar passagem a ele. Os nativos baianos também fazem referências às flechadas e relatam que Sumé teria deixado rastros de sua existência — na verdade, pegadas firmes nas rochas das praias de São Tomé de Paripe e também de Itapuã.
A versão baiana é uma lenda fascinante que o padre Manuel Nóbrega ouviu dos índios tupinambás e repassou para seus superiores em carta escrita ao rei de Portugal. Nela, Sumé é descrito como os índios se referiam ao deus branco, cuja suposta andança pelas Américas teria originado lendas no Peru, Colômbia, Cuba, Costa Rica, México etc. No México, por sinal, para os maias Sumé era Kukulkan, ou Quetzalcoatl para os astecas.
Manuel da Nóbrega conferiu pessoalmente a rocha em Itapuã que os índios descreveram trazer gravadas como em um molde as pegadas do “santo”, e que originou um culto religioso que sobreviveu até meados da década de 50, praticado no lugar onde foram erigidas uma palhoça e uma cruz em homenagem a Sumé.
Impressões de um pé humano
Os tupinambás também mostraram as pegadas do “santo” em uma rocha mais ao sul da Bahia, que recebeu o nome de São Tomé justamente em função da lenda indígena e do culto que dela se originou, com romarias ao local que ocorreram até quando uma rodovia foi construída por cima do local, nos anos 20. Foi outro jesuíta, Simão de Vasconcelos, quem testemunhou e relatou as impressões de um pé humano atribuídos a Sumé na tal rocha.
Enfim, são inúmeros os testemunhos sobre o assunto, que foi inclusive objeto de reportagens e fotos publicadas nos jornais brasileiros em 1916. O que mais fascina nessa história é a imagem do deus branco andando sobre as águas e elas se abrindo para sua passagem, como relatado no episódio bíblico de Moisés na busca de terra prometida.
São notáveis também o sincretismo evidente entre as lendas indígenas e os mitos ou episódios que originaram os relatos do Antigo Testamento. Mas, infelizmente, as diversas versões da lenda de Sumé, ou de São Tomé, não deixaram um legado firme. Tampouco os vestígios de sua passagem pelo Brasil foram conservados para as futuras gerações. Essa, lamentavelmente, é a realidade dos registros arqueológicos no país.