Dar por sabido aquilo que ainda se pretende descobrir é atitude que, das duas, uma: revela a postura cômoda de quem não é muito afeito à verificação ou a de alguém que, diante da aparente impossibilidade de poder saber, entroniza a crença como instrumento decodificador da realidade a sua volta. O Tao, conjunto de preceitos filosóficos apontados pelo mestre chinês Lao Tsé e seus seguidores, há muito recomenda prudência aos que tentam – e ainda bem que tentam – compreender o todo que os envolve, dizendo: “Aquele que conhece a própria ignorância revela alta sapiência. Aquele que ignora a própria ignorância vive em profunda ilusão. O sábio conhece o seu não saber. O conhecimento do seu não saber o preserva de toda ilusão”.
A forma mais tragicômica com a qual o ser humano normalmente costuma se iludir é a de pensar que sabe muitas coisas. Pelo fato de ignorar que nada sabe, vive, portanto, a iludir-se, pensando ser doutor em matérias que sequer foram ainda devidamente postas diante do seu entendimento, no curso da sua vida. Respeitando os prudentes e sábios preceitos ofertados pelo Tao, o homem deveria ter consciência de que, dentro do campo de observação que lhe é dado perceber, é lícito que, através da metodologia científica, ele tente mapear o mundo observado a sua volta, formulando com segurança os preceitos acadêmicos que marcam o atual estágio evolutivo das muitas ciências que existem. Ainda assim, sobre o que lhe é dado observar, o ser humano terrestre não sabe tudo e costuma equivocar-se bastante – até que as verdades científicas vão sendo estabelecidas sem maiores margens de dúvida.
Se assim é com o que objetivamente pode ser percebido, o que dizer sobre as realidades que estão situadas além do horizonte da capacidade de percepção humana? Deveria o homem pontificar a respeito daquilo que sequer consegue perceber com um mínimo de objetividade? Como traçar aparentes verdades sobre o que não pode ser objetivamente percebido pelo cérebro humano? O inacreditável é que existe uma quantidade assombrosa de conceitos entronizados como “verdades”, que nortearam e ainda norteiam a jornada desta humanidade, que jamais puderam ser objetivamente verificados, já que são pertinentes a aspectos de uma realidade maior e que se situa muito além do horizonte da percepção humana.
E que aspectos da realidade são esses ou, em outras palavras, quais são essas realidades? Resposta: a realidade espiritual e a cósmica. Em outras palavras, os contextos espiritual e extraterrestre. A questão que agora se impõe é outra: quantas verdades existem estabelecidas sobre esses dois contextos? Seria óbvio que, por questão de prudência intelectual e moral, o homem não tivesse a irresponsabilidade de pretender pontificar sobre o que não lhe é possível sequer saber, na sua atual condição. O interessante é perceber que, devido ao modesto padrão evolutivo de nossa humanidade, se os seres que porventura possam existir noutras realidades não se propuserem a nos contatar, jamais poderíamos, na atualidade, saber sobre suas existências.
Realidade espiritual — Não seria exatamente isso que vem acontecendo ao longo dos milênios? Ou serão somente produto da loucura dos escribas bíblicos as muitas narrações sobre anjos, carros de fogo e rodas voadoras – além da mania milenar que alguns seres humanos têm de contatar e venerar os espíritos de seus ancestrais ou de serem por estes envolvidos? Será que não seria prudente refletir sobre o fato da condição humana não poder avançar muito mais na direção das “realidades espirituais” e, exatamente por isso, os espíritos que nelas vivem começaram a manusear objetos – pranchetas, mesas, cadeiras – numa tentativa desesperada de chamar a atenção dos que estão do “lado de cá” da vida, para a existência dessa tal realidade espiritual? Será que não foi exatamente por estarem impossibilitados de falar às mentes das pessoas que resolveram construir uma estratégia para atuar sobre os objetos materiais chamando assim a atenção dos sentidos humanos para uma causa inteligente que não pertencia ao mundo dos “encarnados”?
Pois foi exatamente isso que aconteceu quando do surgimento da revelação espiritual, na França, codificada por Allan Kardec. E se assim fizeram os espíritos, revelando páginas de sabedoria e de consolação tão singulares, não devem ter agido pela simples arte de fazer gracejos com a humanidade encarnada neste planeta. Mas sim, por ser urgente e imperiosa a necessidade de se tentar esclarecer os orgulhosos terrestres sobre outras “fronteiras” da existência cósmica, ampliando os limites da nossa limitada percepção e convidando-nos a evoluir em sabedoria e conhecimento. E o fizeram sem impor coisa alguma, apenas ofertando sementes de luzes elucidativas para quem delas quisesse se servir. Já o mesmo não se pode dizer do movimento religioso que se formou a partir do postulado doutrinário-filosófico legado por Kardec, que, repetindo o equívoco de todas as religiões, pretende impor limites às possibilidades do progresso – caso este não se enquadre no que podem as mentes de alguns poucos, que se elegem autoridades em assuntos religiosos.
Por que não seria também prudente refletir sobre a atual impossibilidade dos que vivem na Terra se dirigirem a outros rincões do Cosmos e, exatamente por isso, seres de outros orbes mais evoluídos estão preparando longamente esta humanidade para a convivência sideral? Com vistas a esse objetivo, eles se deixam perceber em visitas furtivas e discretas, além de outras que nada têm de discretas, como se estivessem preparando o árido terreno do entendimento terrestre para a coexistência futura. Se não for esta a opção que explica os fatos que envolvem a história de nossa humanidade, em relação aos espíritos e extraterrestres, qual seria?
Orgulho Intelectual — Mesmo partindo da premissa de que os alienígenas estão nos contatando, ainda assim não é conclusão admitida por todos que os espíritos existam, assim como os seres cósmicos ou extraterrestres. Isso transforma os espíritas naqueles que crêem e defendem a existência dos espíritos desencarnados e, os ufologistas, nos que admitem, estudam e ao mesmo acreditam em seres que se situam além das fronteiras terrestres. Tal fato é lamentável e nele começam todos os nossos problemas, enquanto seres pensantes, diante de uma realidade cósmica a ser ainda decodificada e sobre a qual absolutamente nada ou muito pouco sabemos. Apesar disso, já existem diversos segmentos no movimento espírita que defendem questões díspares sobre pretensas verdades, a elas se agarrando de forma doentia, esquecidos da prudência e da tolerância preceituada pelo codificador do espiritismo, ao tomar como lema da doutrina o fato de que fora da caridade não há salvação. E torna-se imperioso obs
ervar que, caridade, aqui, não aparece no sentido de esmola, mas sim de tolerância, de postura elegante e fraterna para com as diferenças no campo das idéias, sejam elas quais forem.
Da mesma forma, porém com outras cores emocionais, o movimento ufológico também se perde em descaminhos ao discutir pretensas verdades sem que, contudo, se saiba ao certo coisa alguma – a não ser o óbvio que pode ser verificado pelos fatos e indicativos. E esse óbvio é claro: está em curso, desde tempos imemoriais, um processo produzido por inteligências que não são terrenas, que responde pela fenomenologia ufológica. Todo o resto é motivo de discussão e não pode e nem deve ser tido como verdade pelos que estãoenvolvidos com os estudos ufológicos. O que não implica em que todas as teses e os diversos pontos de vista não possam ser estudados, antes de poderem ser classificados como bobagens ou equívocos.
O orgulho intelectual do ser humano, travestido de defensor da pureza dos ideais ou das idéias que julga defender, o tem levado a cometer uma série de desatinos que não o qualificam para o trato com as coisas espirituais e celestes. Ainda assim, alguns pretendem ser autoridade sobre o que nada sabem. Jamais se pode perder de vista a posição ou função que, por enquanto, nos cabe no processo de lidar com essas realidades: a de simples estudiosos e pesquisadores. Nada mais. É essencial perceber que, tratando de aspectos do contexto espiritual e do celestial, não há doutores ou autoridades entre os que vivem na Terra. E assim, não poderá haver imposição de ponto de vista pessoal sobre os temas em questão, posto que não há outras verdades, a não ser o aspecto fenomenológico e o produto deste, em termos de mensagens reveladoras – que podem estar certas, parcialmente corretas ou simplesmente equivocadas, quanto aos contextos espiritual e extraterrestre.
Informações Externas — O autor do presente trabalho é somente “mais um” que pensa estar recebendo informações “de fora”, sem que, no entanto, ele mesmo saiba se está entendendo corretamente o sentido das mensagens que recebe. E caso esteja, não tem certeza se está conseguindo repassá-las de maneira a não desfigurá-las. Por isso, e falando agora diretamente aos leitores, jamais pretendi ou pretendo afirmar verdades. Apenas pratico o direito de transmitir livremente o que julgo serem mensagens discretamente recebidas ao longo dos anos. Assim, sou dos que pensam que devemos agir de maneira prudente, sem nos apegarmos a conceitos que, por questão de crença pessoal, imaginamos representar a verdade. Quando agimos sem a necessária vigilância espiritual ou prudência intelectual, terminamos por transformar o objeto da nossa busca em questão de credo. E o pior é que muitas vezes essa crença é fanatizada por nosso orgulho, que não admite outra hipótese que não aquela a que estamos ferrenhamente abraçados.
Sob esta perspectiva de análise, como se encontra a Ufologia nos dias atuais, enquanto área de estudo que pretende administrar o processo de busca pela decodificação da existência de seres extraterrestres? E como se encontram os ufólogos com suas opiniões particulares diante da Ufologia? Afinal, quantas verdades existem na Ufologia? Sob a mesma ótica de abordagem, como se encontra o espiritismo na atualidade, enquanto movimento de cunho religioso que pretende administrar as notícias que chegam “de fora”, buscando pontificar quanto ao que é verdadeiro ou não no intercâmbio mediúnico, único modo dos que estão para lá das fronteiras da Terra poderem se comunicar com os que aqui vivem? Quais são, enfim, as opiniões dos que estão a frente de alguns segmentos do movimento espírita quanto à questão extraterrestre?
Tanto o estudo dos ETs como o dos espíritos têm implicitamente em comum a total incapacidade do homem em poder comandar ou definir o processo fenomenológico. São outras as inteligências que parecem medir a conveniência dos eventos em curso. Assim sendo, pelo menos por enquanto, está fora do alcance da nossa atual capacidade poder objetivamente provar algo que seja inevitavelmente aceito por todos. Dependemos, portanto, de decisões que não são nossas para que os eventos possam ter continuidade. Enquanto assim for, a conclusão disso ou daquilo dependerá sempre de possíveis vivências e de opiniões pessoais, o que poderá ser ou não verdadeiro. Assim, parece que há um discernimento que se encontra além das fronteiras terrestres que define o processo em curso, e que, pelos indicativos das inúmeras mensagens, o tão esperado dia do encontro ou do reencontro, claro e objetivo aos sentidos humanos, está para breve. Até lá, poderemos, sim, por deduções filosóficas mescladas ao avanço da capacidade de observação dos métodos da transcomunicação, no caso dos espíritos, e da ciência astronômica e outros procedimentos afins, no que se refere aos extraterrestres, vislumbrar a possibilidade de realmente existirem muitas outras realidades e diversas “humanidades celestes” espalhadas pelo Cosmos.
Percepção do Óbvio — A nada mais, por enquanto, poderemos pretender, já que a condição humana dificulta a percepção do óbvio, seja em que nível for, por estar apegada a conceitos equivocados entronizados como verdades (parece que falta algo para complementar a frase). E o que mais limita o ser humano é o conjunto de conceitos que marca a sua visão de realidade. Nesse caso, somente se o óbvio se fizer presente em detalhes objetivos diante do ser terrestre é que este poderá ter a possibilidade concreta de percebê-lo.
Já se disse que quem tem uma sólida linha de raciocínio normalmente costuma permanecer solidamente estacionado em torno do que pensa. E quem poderá evoluir dessa maneira? Como poderá o “novo” surgir diante de alguém que vive preso a valores do passado? O interessante é que, ainda que os tais eventos tão esperados venham a surgir no horizonte das nossas vidas, muitos dos que estão histericamente vinculados a dogmas e conceitos, talvez se esforcem para distorcer os fatos, classificando-os como embustes. E assim tem sido durante a nossa lenta evolução. As páginas da nossa história têm revelado nossa total inabilidade na convivência com os personagens de “outras realidades” que envolvem a vida terrestre. Temos demonstrado um comportamento completamente equivocado no trato com esses seres, transformando-os em anjos, semi-deuses, santos, milagreiros e em oráculos da nossa incapacidade de administrar a vida.
Pare
ce longe, muito longe, o tempo em que Kardec disse que não se devia esperar dos espíritos mais do que podemos esperar de nós mesmos. Fato é que não temos sabido respeitar a existência, nem muito menos o principal ator desse processo, que, no caso da Terra, é o próprio ser humano. Ainda assim, mesmo sem saber ao certo coisa alguma sobre nossas origens, qual a função da vida, se existe Deus, espíritos e mesmo extraterrestres, membros desta humanidade pretendem impor as verdades que pensam saber sobre seus pares – e muitos têm sido sacrificados nesse processo.
Para complicar mais ainda esta situação, coube às religiões, até o momento, o papel de responder pelo que nos é absolutamente desconhecido, dando por sabidos conceitos e a existência de ilustres personalidades celestiais que, ao certo, sequer sabemos se existem. Alguém, por vivência ou percepção pessoal, pode até pensar que sabe ou mesmo saber alguma coisa a respeito dessas questões como produto de experiência pessoal – que o diga o autor deste artigo. Mas não é dado a esses que assim se enquadram impor o julgo de suas experiências pessoais às demais pessoas, sob pena do assunto virar religião.
Revelação Espiritual — O espiritismo, acertadamente, estudou os efeitos materiais promovidos por causas inteligentes situadas além do horizonte de observação comum aos que aqui vivem. E ofereceu ao mundo, com o caráter de revelação, para apreciação e análise dos que estão encarnados, preceitos filosóficos, orientações e esclarecimentos diversos que dignificam a existência. Isso se deu através de muitas mensagens de caráter mediúnico, que ainda não são aceitas pelo academicismo como algo cientificamente possível e comprovado. Mas mesmo assim o espiritismo fez sua parte. E fizeram mais os espíritos codificadores, pois, nas páginas produzidas por Kardec, encontram-se referências claras e objetivas a respeito das tais outras humanidades celestes.
Necessitamos, contudo, ainda segundo Kardec, entender que “os espíritos não ensinam senão apenas o que é necessário para guiar no caminho da verdade. Eles se abstêm de revelar o que o homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão. Deixando mesmo, muitas vezes, que adquira experiência à sua custa. Os espíritos fornecem ao homem o princípio e os materiais, mas a ele cabe aproveitá-los e pô-los a funcionar”.
No que concerne à abordagem da vida extraterrestre, alguns poucos segmentos do movimento espírita simplesmente não aceitam sequer que o tema possa ser discutido. Afirmam que esse procedimento fere o que chamam de pureza doutrinária, dando, assim, continuidade ao extravagante processo de impedir que o que é óbvio demore uns bons séculos para poder ser percebido. No caso em questão, pela própria avaliação dos cientistas, descobrir vida fora da Terra é uma simples questão de tempo, que não deve durar mais do que o intervalo de algumas décadas. Nos próximos anos, novas tecnologias de varredura estarão acopladas aos satélites, o que transformará a busca pela existência de vida fora de nosso planeta em algo tão plausível como o conhecimento que temos sobre a diversidade da natureza terrestre.
Assim, é cada dia mais inarredável que a vida extraterrestre é um tema absolutamente possível e certo para os cientistas. Aliás, no meio científico não se discute mais se existe vida ou não lá fora. O que muitos cientistas têm dificuldade em aceitar é o fato de que os ETs já possam estar visitando a Terra. Para a maioria deles, é opinião corrente de que existe vida abundante por todo o Cosmos. E para alguns poucos, o que hoje se discute é como deverá ser feita a revelação disso para nossa população, quando chegar o momento em que o aviso se tornar inevitável – isto se a descoberta de vida extraterrestre se der através do método científico. Porém, se um contato oficial por parte de nossos visitantes acontecer antes, como produto de sua estratégia de aproximação, outras deverão ser as providências.
Heresia e Equívoco — Para o movimento espírita, caso continue valendo o epíteto de heresia doutrinária para o tema extraterrestre, somente restará assumir o equívoco de considerar como herético, em pleno século 21, o que já era filosoficamente óbvio para o codificador Kardec dois séculos antes. Assim tem sido e, infelizmente, continua a ser, ao longo da evolução do pensamento religioso, já que o que se tem por verdade passa a ser fator impeditivo para que novas realidades ou aspectos inéditos delas possam surgir. Ora, se as poucas pessoas que desvirtuam o movimento espírita não prestarem atenção ao que Kardec escreveu, quem haverá de fazê-lo?
Os espíritos ensinam apenas o que é necessário para guiar no caminho da verdade. Eles se abstêm de revelar o que o homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão
— Allan Kardec
Vejamos mais uma vez o que o codificador deixou registrado no livro A Gênese: “Há coisas a cujo sacrifício é preciso que nos resignemos de boa ou de má vontade, quando não é possível proceder de outro modo. Quando o mundo marcha, a vontade de alguns se revela impotente para o deter. O mais sábio é segui-lo, conformando-se com o novo estado de coisas, ao invés de se agarrar ao passado que se desintegra, com o risco de cair com ele”. Kardec sempre questionou se, por respeito a textos considerados sagrados, seria necessário impor silêncio à ciência? Para ele, essa era uma atitude tão impossível quanto impedir a Terra de girar. “As religiões, quaisquer que tenham sido, jamais ganharam nada por sustentar erros manifestos. A missão da ciência é a de descobrir as leis da natureza. Se a religião se recusar a caminhar com a ciência, a ciência prosseguirá sozinha”.
Religião Versus Ufologia — E continua: “Somente as religiões estacionárias podem temer as descobertas da ciência. Elas não são funestas senão aos que se distanciam das idéias progressivas, imobilizando-se no absolutismo de suas crenças. Uma religião que não estivesse em contradição com as leis da Natureza nada teria que temer do progresso, e seria invulnerável”. Tais afirmações requerem uma reflexão por parte dos espíritas – em especial dos médiuns e dos dirigentes que consideram como embuste a questão extraterrestre – pois s
erá inconcebível se, daqui a alguns poucos anos, for percebido que os mesmos agiram tal qual os escribas e fariseus no tempo de Jesus: não avançavam e nem deixavam avançar.
Na segunda metade do século 19, afrontado pelo desinteresse e resistência à mudança que a ortodoxia vigente sempre oferece às novidades que intentam surgir, Kardec preferiu desenvolver, com toda a profundidade de análise que lhe fosse possível, a temática espiritual, deixando, por questão de estratégia pessoal frente às forças conservadoras da época, o conceito de “ser celeste” – cósmico ou extraterrestre – para o futuro. Foi compondo paulatinamente os painéis da compreensão desse outro contexto, mas, ao perceber que mal conseguiria levar adiante a questão espírita, pela falta de apoio e pelo acúmulo de obstáculos, foi distribuindo através de artigos publicados na Revista Espírita, lançada em 1858, e mesmo pelas entrelinhas dos livros que estava produzindo, um pouco dessas reflexões. E o que era o conceito de ser celeste que Kardec depreendera dos seus estudos? Em busca de uma forma ideal de explicar o mundo espiritual, e por força de sua experiência como professor, ele dividiu sua então já consagrada obra o Livro dos Espíritos de forma didática e em quatro partes: As Causas Primeiras, Mundo dos Espíritos, As Leis Morais e Esperanças e Consolações.
O livro em questão se apresenta na forma de centenas de perguntas formuladas aos chamados espíritos codificadores, cujas respostas, montadas de forma sistematizada, constituem boa parte da estrutura da doutrina. Muitas vezes, ao analisar as respostas obtidas, Kardec se defrontou com as limitações psíquicas da própria época em que viveu. Contudo, algumas questões deixavam tão óbvias as conclusões que, por mais distantes do senso comum que pudessem se encontrar, eram para ele motivo de muito estudo reflexivo sobre os temas envolvidos.
Múltiplas Existências — No capítulo Pluralidade das Existências, da segunda parte da obra, a pergunta de número 172, feita aos espíritos, era se nossas diferentes existências corporais se passariam todas na Terra. A esse questionamento, responderam: “Não todas. Nós as vivemos em diferentes mundos. A que passamos na Terra não é a primeira nem a última, e é uma das mais materiais e distanciadas da perfeição”. Uma resposta aparentemente banal, mas com seríssimas implicações para a humanidade e para a Ufologia. A análise que Kardec fez das centenas de respostas oferecidas pelos espíritos codificadores é iluminadora. Uma das que mais lhe marcou foi exatamente essa, a de que a existência corporal que estamos tendo na Terra não será nem nossa primeira, nem a última. Disso se depreende que todos ou alguns dos que estão hoje nesse planeta já viveram ou tiveram existências corporais noutros mundos – e ainda viverão noutros orbes no futuro.
Se houvesse dúvida quanto a isso, a resposta dada pelos espíritos a outra pergunta do mesmo capítulo – “Já vivestes em outros mundos e na Terra?” – ajudaria a dissipá-las. Também de forma inequívoca, servindo para encerrar de vez qualquer questionamento sobre o fato dos espíritos estarem afirmando claramente que existia vida corpórea, encarnada, em mundos extraterrestres, na pergunta 181 Kardec quis saber se os seres que habitam diferentes orbes tinham corpos semelhantes aos nossos. A isso os espíritos responderam: “Sem dúvidas eles têm corpos, porque o espírito precisa estar revestido de matéria para atuar sobre a matéria. Esse envoltório, porém, é mais ou menos material, conforme o grau de pureza a que chegaram os espíritos. É isso que assinala a diferença entre os mundos que temos que percorrer, porquanto muitas moradas há na casa de nosso Pai”.
Observemos que Kardec não perguntou se os espíritos tinham corpos, mas sim se os seres extraterrestres os possuíam, pois para ele já havia a distinção entre os conceitos de espírito (desencarnado ou encarnado no contexto terrestre) e de extraterrestre (espíritos encarnados em outras realidades planetárias). No entanto, ultrapassada qualquer hesitação sobre a existência desse novo contexto “celeste”, ele tocou, ainda que levemente, na questão do possível intercâmbio no campo da troca de conhecimentos entre as diferentes humanidades. A pergunta 182 aos espíritos é contundente: “Podemos conhecer com exatidão o estado físico e moral dos diferentes mundos?”. E a resposta, mais ainda: “Nós, os espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de avanço em que vos achais. Isso quer dizer que não devemos revelar estas coisas a todos, porque nem todos estarão em condições de compreendê-las, e isso os perturbaria”. Ficava assim claro que, de acordo com os conhecimentos terrestres da época, não poderia ser dito muito mais.
Apesar de tudo, prudente, Kardec achou melhor publicar o Livro dos Espíritos sem se aprofundar de forma mais explícita na questão extraterrestre. A seu juízo, a simples menção da novidade sobre um contexto espiritual ainda por ser entendido pela humanidade já seria dificilmente aceito pelos valores religiosos e filosóficos vigentes, quanto mais se a este fossem também agregadas as noções de um outro contexto, ainda mais amplo. Assim, equivocam-se alguns integrantes do movimento espírita que afirmam que essa questão fere a pureza doutrinária do espiritismo, por envolver o fator extraterrestre. Enganam-se também aqueles que imaginam que esse tema jamais foi abordado pelo codificador do espiritismo. Não devem ter lido Kardec. E se o fizeram, não entenderam o essencial da sua mensagem.
Para os que acham que a questão extraterrestre fere a tão alardeada pureza doutrinária, afirmando que em centro espírita kardecista a comunicação com supostos ETs não tem vez, seria aconselhável recordar o que um personagem disse em seu discurso de despedida, ao lado do túmulo do amigo recém desencarnado, com quem se acostumara a conversar. “Que importa que joguem sobre este gênero de estudos o sarcasmo ou o anátema aqueles cuja vista é turvada pelo orgulho ou por preconceitos, que os impedem de compreender os ansiosos desejos do nosso pensamento ávido de conhecer”. E quem é esse personagem? Ninguém menos que o notável astrônomo Camille Flammarion. Esta é uma pequena parte do discurso pronunciado por ele no túmulo do seu amigo e mestre, Kardec.
Pluralidade de Mundos — E continuaria Flammarion: “Tu foste o primeiro, mestre e amigo, que desde meus primeiros passos na carreira astronômica testemunhou a mais viva simpatia por minhas deduções relativas à existência das humanidades celestes. Pois que, de meu livro A Pluralidade dos Mundos Habitados, fizeste a pedra angular do edifício doutrinário que tinhas arquitetado em tua mente. Muitas vezes conversamos sobre essa vida celeste. Agora, alma, já sabes por uma visão direta em que consiste ela – a vida espiritual, para a qual voltaremos, embora dela nos esqueçamos enquanto aqui estamos”.
Pois Flammarion dizia claramente que muitas vezes conversara com Kardec sobre o que ambos chamavam de “vida celeste”, um conceito que hoje temos como extraterrestre, mas que não existia na época em que viveram. Vida extraterrestre, aliás, é justamente a idéia central de A Pluralidade dos Mundos Habitados, onde o amigo Flammarion ressalta ter Kardec utilizado este assunto como sendo a “pedra angular do edifício doutrinário” por ele formulado. O que quis Flammarion dizer com isto se não o aspecto óbvio do teor das intermináveis conversas sobre vida fora da Terra com o seu amigo espírita? E observemos também que em seu discurso o astrônomo fez uma distinção entre vida celeste e vida espiritual.
Novamente questionamos: como podem os atuais espíritas afirmar que a questão extraterrestre fere a doutrina se o próprio Allan Kardec costumava conversar sobre este assunto com seus amigos? E se, conforme o testemunho histórico de um deles, o codificador teria utilizado este tema como ponto-chave do da estrutura doutrinária por ele arquitetada, ou seja, a Doutrina Espírita? Como explicar que uma de suas preocupações centrais transformou-se, cerca de 150 anos depois, numa questão considerada herética e detestável pelos padrões do princípio que ele criou?
Revelação Cósmica — Afinal, por que recorrer à revelação espiritual ocorrida na segunda metade do século 19 para pretender afirmar a existência de seres extraterrestres? Por que buscar nas informações dadas pelos espíritos as notícias das muitas humanidades celestes? Por que, perguntarão os que acham que é misturar o que não deve ser misturado, recorrer ao espiritismo para afirmar a Ufologia? A Ufologia precisa disso? É óbvio que não! Mesmo sem esses esclarecimentos, os fatos que anunciam o futuro planetário – em possível comunhão com outras civilizações alienígenas – já estão postos e continuam em curso. Sob esta ótica, a fenomenologia ufológica nada mais seria do que os primeiros momentos de um novo tempo para o nosso berço planetário, e que está ocorrendo e ocorrerá independente de tudo mais – inclusive da opinião das autoridades religiosas. Porém, qual é o problema se já existirem algumas elucidações disponíveis, dadas por inteligências espirituais que, de onde se encontram, parecem ter informações privilegiadas sobre a questão?
Independente de percebermos o processo em curso, o que parece estar em jogo é o fato de as ditas revelações ocorrerem na medida em que os encarnados possam aprender seu conteúdo, valendo-se desses esclarecimentos para evoluírem. E nessa mesma medida se afastam da ignorância, que é o maior entrave à liberdade e ao progresso de seres cósmicos, esteja ele evoluindo onde estiver. Contudo, diferente da revelação espiritual que tiveram os espíritos comunicantes e o codificador Kardec, outra manifestação semelhante não se dará por obra de nenhum terrestre. Falamos da revelação cósmica, que, apesar de todos poderem dela participar, será um processo gradativo e deverá ocupar o trabalho de gerações. E ela se dará, é claro, através da convivência clara e objetiva com nossos irmãos cósmicos, que já se preparam para os primeiros momentos dessa nova etapa evolutiva.
Enquanto isso não acontece, somente nos resta a percepção do que nos pode ser dado pela precisa e correta interpretação dos fatos, e não pelas crenças ou opiniões pessoais, como é o caso do presente artigo, que pretende apenas semear reflexão em torno do tema. Caminhamos até aqui para afirmar que a única verdade da Ufologia é que algo muito sério está ocorrendo e, seja lá o que for, não é produto desta humanidade. Além dessa assertiva há a verdade presumível, partindo-se da premissa de que se pode perceber filosoficamente o sentido do que é óbvio, em termos de realidade, apesar de ainda não provada pelos sentidos perceptivos do cérebro humano. E pelo que se pode depreender do nosso contexto histórico, o Fenômeno UFO parece ser tão antigo quanto a história de nossa civilização, e é promovido por inteligências não terrestres. Quanto às desagregações entre os diversos segmentos da Ufologia, que sejam tidas como aspectos de nossa própria incapacidade de agir de maneira diferente, o que não impede o progresso da busca, das idéias e dos ideais. Afinal, cada pessoa tem suas próprias conclusões.
A respeito disso, o genial filósofo francês René Descartes já havia registrado em um de seus livros, Discurso do Método, que “…o bom senso é, das coisas do mundo, a mais bem dividida, pois cada qual julga estar tão bem dotado dele que mesmo os mais difíceis de se contentar em outras coisas não costumam desejar tê-lo mais do que já têm. E não é verossímil que todos se enganem a esse respeito. Pelo contrário, isso evidencia que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, isto é, o que se denomina o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens. A diversidade das nossas opiniões não provém do fato de uns serem mais racionais do que os outros, mas tão somente em razão de conduzirmos o nosso pensamento por diferentes caminhos e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não basta ter o espírito bom, o essencial é aplicá-lo bem”.
Inocente Presunção — Assim, por não termos ainda a necessária habilidade de aplicar nossos espí
ritos na arte do bem, e também por não conseguirmos perceber o óbvio, costumamos esquecer de observar que, por meio de comunicações mediúnicas ou canalizadas, a condição humana não nos permitirá maiores certezas de identificação de coisa alguma nesse sentido, pois que temos como fator inevitável a imperfeição do ser terrestre. Deveríamos ter, portanto, a humildade necessária para sabermos lidar com processos que se encontram fora do alcance do que podemos perceber. E mais ainda: é óbvio que o processo de canalização é somente uma etapa, algo arriscado, do processo evolutivo, enquanto ainda não estivermos habilitados a lidar diretamente com espíritos desencarnados e seres de outros mundos.
Recentemente, tem sido veiculado pela imprensa que o finado Chico Xavier teria afirmado em vida que suas possíveis mensagens, após seu desencarne, estariam envolvidas numa espécie de código identificador conhecido somente por três pessoas de sua intimidade. Desculpem, mas isso é uma afronta à memória de Chico, por cuja grandeza espiritual jamais abriria mão do mais simples dos preceitos observados pelos espíritos codificadores e expressamente ressaltado por Kardec – o de que as mensagens vindas do outro lado não deveriam ter marcas de possível autenticidade grafadas pelo nome do autor, mas sim pelo conteúdo. Os espíritos agiram dessa maneira por um motivo óbvio. Na condição humana é simplesmente impossível se determinar se a autoria intelectual é de tal ou qual individualidade. Este é o princípio mais precioso da prudência no campo das comunicações interdimensionais. E seria exatamente Chico que iria feri-lo, depois da obra magnífica que realizou? Certamente que não.
Independente de outras questões, devemos procurar beber de todas as fontes cristalinas que matam a sede do saber que nos move o íntimo. A Doutrina Espírita é uma dessas fontes, a mais moderna e talvez a mais rica já fecundada neste mundo. Por que não estudá-la, mesmo que certos segmentos do espiritismo pretendam patrulhar esse acesso, na pretensão de transformar o leitor da mesma em espírita, o que é um profundo e lamentável equívoco? O acervo de informações das doutrinas budista, espírita-cristã, taoísta e de todas mais pertencem à humanidade, e não aos seguidores desse ou daquele movimento.
Concluindo, obrigamo-nos a repetir que é sempre temeroso dar-se por sabido o que ainda precisa ser descoberto pelos padrões do que pode ser considerado como “verdade” na condição humana. E no que se refere a espíritos e ETs, esta humanidade ainda precisa galgar muitos degraus de uma longa escada evolutiva, na qual cada patamar que se alcança permite que se possa vislumbrar um horizonte ainda mais amplo de observação. Talvez falte modéstia intelectual onde sobra sinceridade de propósitos em todos nós que buscamos o progresso espiritual.
Os contextos espiritual e extraterrestre respondem pelas duas componentes que servem de pilares para a vida na Terra, e que nos fornecem respostas para as inquietantes indagações de nossa filosofia existencial: quem somos, de onde viemos, o que estamos fazendo neste mundo, qual o sentido da vida e qual a função do ser humano diante da existência? Precisamos estudar e compreender essas duas conjunturas que envolvem a vida em nosso planeta para que nos seja então possível entender nossa situação. Tudo o que precisamos é que os espíritas e os ufólogos tenham o bom senso para não disputarem a propriedade de um tema que a ninguém pertence ou, sob outra perspectiva, pertence a todos nós. Esse é o verdadeiro exercício da “cidadania cósmica”, que qualquer individualidade expressa pelo simples fato de existir em algum recanto deste majestoso universo, um provável conjunto de muitos universos e dimensões.
Humanidades Celestes — E que possamos, no caso da Terra, ter a liberdade de nos expressar livremente na busca da verdade, sem maiores preocupações com rótulos transitórios. Afinal, na condição humana, o que podemos saber ao certo, a não ser a importância do “amai-vos uns aos outros”? Independente de existirem espíritos e alienígenas, se nos amarmos verdadeiramente, a Terra poderá vir a ser o próprio paraíso. Ao contrário, mesmo existindo outras humanidades celestes e espirituais, enquanto não aprendermos a amar uns aos outros, a vida na Terra será sempre o caos já conhecido – mesmo que sejamos doutores em Ufologia, espiritismo e noutras matérias. E não será nenhum espírito ou ET que virá fazer pelos terrestres o que estes precisam de fato aprender a realizar: desenvolver em si mesmos a habilidade para co-existir e honrar a vida, seja ela em que nível for e em qualquer morada cósmica.