É a vingança da estrela abortada: ela pode ter filhos. Essa foi a descoberta feita por astrônomos nos Estados Unidos e no México, que encontraram uma anã marrom que tem apenas 15 vezes a massa de Júpiter, o maior dos planetas do Sistema Solar, e ainda assim possui uma família de planetas em formação ao seu redor. “O interessante é que é a estrela menos maciça já observada que está nessas circunstâncias”, diz Giovanni Fazio, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, em Cambridge, Massachusetts (EUA), um dos autores do estudo, apresentado anteontem numa conferência científica sobre planetas extra-solares realizada em Aspen, no Colorado. “E nós conseguimos ver isso com apenas 20 segundos de observação. Por isso, acreditamos que veremos astros ainda menores nessas mesmas condições no futuro”, afirmou.
Na realidade, o que Fazio e seus colegas enxergaram foi um disco de poeira ao redor de um objeto conhecido como OTS 44, uma anã marrom localizada a aproximadamente 500 anos-luz de distância da Terra, que a cada ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros. É consenso entre os astrônomos, que tais discos de poeira são as estruturas que dão origem aos planetas logo após a formação da estrela em si. As anãs marrons são um tipo diferente de estrela. Muitas vezes definidas como estrelas abortadas — são astros que não conseguiram reunir massa suficiente para “acender”, ou seja, para iniciar o processo de fusão nuclear que alimenta a produção de energia dentro da estrela. Por essa razão, são objetos muito menores e mais frios do que seus parentes mais maciços, como o Sol.
Outros cientistas já haviam observado discos formadores de planetas ao redor de uma anã marrom, mas ela era bem maior que a OTS 44, com cerca de vinte e cinco a 30 vezes a massa de Júpiter. No caso da OTS 44, a temperatura superficial é de cerca de 2 mil °C. Quente para os padrões terrestres, mas fria em comparação com qualquer outro tipo de estrela. “Seu brilho é um milésimo do do Sol”, diz Fazio.
Por tudo isso, as anãs marrons ficam numa misteriosa zona cinzenta que separa as definições de estrela e planeta. Grande demais para ser um planeta, pequeno demais para ser uma estrela ativa e completa, são párias da comunidade cósmica. Agora sabe-se que ao menos seu direito de ter seus próprios planetas não foi cassado.
Minissistema
O disco observado pelos astrônomos teria massa suficiente para dar origem a um planeta gigante gasoso como Júpiter e mais um punhado de corpos telúricos, como a Terra ou Marte. Acredita-se que, em alguns poucos milhões de anos, OTS 44 tenha um sistema planetário até parecido com o nosso, mas em miniatura. As distâncias dos planetas até o corpo central seriam bem menores do que as que vemos por essas redondezas e o número de planetas seria menor que o do Sol. As observações foram feitas com o Telescópio Espacial Spitzer, instalação orbital da NASA especializada em detecção de sinais nas freqüências do infravermelho (luz invisível ao olho humano). Eles pretendem usar o mesmo instrumento para detectar sinais de planetas ao redor de outras anãs marrons ainda menores.
“O fato de que encontramos esse disco indica que pode haver muitos outros sistemas solares em miniatura ao redor de anãs marrons por aí. Eles podem até ser mais comuns que a nossa versão do Sistema Solar. Não sabemos”, afirma Fazio. As anãs marrons são difíceis de observar por conta de seu brilho extremamente fraco, mas os cientistas já perceberam que são objetos bastante comuns.
Vida?
Com essa potencial abundância de mundos associados a anãs marrons, a pergunta que fica no ar é: esses planetas poderiam ser habitáveis? “Essa é a pergunta que todo mundo se faz”, diz Fazio. “Talvez seja possível, se o planeta estiver orbitando bem perto da estrela. Caso contrário, será muito frio para que haja água em estado líquido na superfície, a condição tida como essencial para o surgimento e a manutenção da vida”, comentou. Os resultados da pesquisa de Fazio e seus colegas estão publicados na edição deste mês da revista científica norte-americana Astrophysical Journal.