A partir, fundamentalmente, do místico, visionário e contatado polonês naturalizado norte-americano George Adamski (1890-1965) – que foi quem concebeu, esboçou e consagrou o estereótipo do humanóide de traços nórdicos –, popularizou-se e ganhou força na Ufologia a vertente dos que encaram os “visitantes” como “divindades” modernas, dotadas de características predominantes ou exclusivamente espirituais e benfazejas. Adamski e outros “escolhidos” já antecipavam, na década de 50, a enxurrada de seitas de adoração aos discos voadores e extraterrestres que iriam inundar o mundo.
Fundado em 1956 por “sua iminência” George King, ex-motorista de táxi em Londres, a Aetherius Society [Sociedade Aetherius] ainda continuava cooptando adeptos em meados dos anos 90. King conta que certo dia mergulhara em um estado próximo ao do transe e assim recebera mensagens de extraterrestres, os quais teriam lhe revelado que a estrela de Belém foi na verdade um “disco voador” e que Cristo seria um ser com corpo terrestre e mente de outro planeta, tanto que residiria, junto com diversos santos, em Vênus. Os “eterianos” acreditavam que um “parlamento interplanetário” canalizava a energia irradiada pelo “poder do pensamento e da oração” para a prevenção de catástrofes, motivo porque construíam baterias cósmicas de metal e madeira, carregadas por meio das mãos estendidas dos membros. Como supostamente as baterias funcionavam mais eficazmente em lugares altos, os eterianos levavam seus aparatos para as montanhas, entre elas o Monte Kilimanjaro.
UFOs divinos — A Fundação Uranius, sediada nas cercanias de San Diego, Califórnia, era administrada pela autodenominada visionária cósmica Ruth Norman, também conhecida pelo nome de Uriel, que afirmava ter recebido transmissões de seres supercelestiais e visitado 60 planetas. Norman garantia que por meio de seus ensinamentos as pessoas poderiam atingir um plano espiritual mais elevado, de preferência a tempo de saudar as 33 naves estelares da Confederação Interplanetária que, segundo ela, aterrissariam em San Diego em 2001. Por mais bizarras que essas afirmações possam parecer, principalmente aos que estão acostumados às religiões tradicionais, elas refletem as dimensões sociais da crença em UFOs divinos.
Edenilton Lampião, já falecido, quando atuava como editor da revista Planeta, nos anos 80, escreveu um artigo antológico no qual já alertava para a sofisticação dos métodos e da linguagem das seitas no Brasil, que surgiam em ritmo semanal. Lampião classificou-as em três tipos: as profundamente místicas – de inspiração cristã, em que Jesus surge como comandante de frotas de naves-mãe em trânsito pelas galáxias –, aquelas que falam em nome de uma nova “consciência cósmica” – em que um “líder” serve de mediador com os ETs, aos quais, claro, só ele e mais uns poucos privilegiados têm acesso – e a mais traiçoeira de todas: a corrente de seitas esotérico-científicas que se adaptam ao linguajar moderno dos meios de comunicação.
Visão mítica — Destacava Lampião que em Barra do Garças, à 500 km de Cuiabá, Mato Grosso, entre brigas de posseiros, grileiros, jagunços, latifundiários e as pregações de Dom Pedro Casaldáliga, havia o Monastério do Roncador, liderado por Udo Oscar Luckner, o Grande Hierofante: “Numa área de mais de 100 mil metros quadrados, construiu até discoporto e garante que o vai-e-vem de naves é freqüente. Só em torno da Serra do Roncador, perto de Barra do Garças, existem 21 correntes, entre elas a Sociedade Brasileira de Eubiose, que afirma ser a serra uma entrada e saída de discos voadores, com uma passagem submarina para o Egito dos faraós”.
Em 1974, o peruano Sixto Paz Wells iniciou as atividades que levariam à fundação da Missão Rama, arrastando milhares de fiéis em assembléias de contatação. Entre os adeptos proibia-se o fumo e o álcool e obrigava-se a uma dieta alimentar estrita, já que, segundo seus títeres, esses seriam os fatores fundamentais para uma boa meditação e uma conexão mais pura com os extraterrestres. Ora, é sabido que tal tipo de controle metabólico deixa a mente suscetível a influências externas, como a da hipnose. Em meados da década de 90, o irmão de Sixto, o publicitário Carlos Roberto Paz Wells, que dizia viajar, com freqüência, para outros planetas através de um portal e presidia uma das dissidências da seita no Brasil, mudou o nome da Rama para Amar e assumiu seu lado feminino, submetendo-se a uma operação de mudança de sexo e adotando o nome de Verônica Lane. Dois norte-americanos, Bo, ex-professor de música da Universidade Católica de Saint Thomas, em Houston, Texas, e Peep, ex-enfermeira de uma clínica psiquiátrica, autoproclamando-se “testemunhas do fim dos tempos”, conforme o Apocalipse, começaram a pregar, em 1975, que em breve um disco voador pousaria na Terra para conduzir ao “Jardim Eterno” os que estivessem dispostos e preparados. Duzentas pessoas embarcaram na promessa e deixaram seus empregos, suas casas e suas famílias para segui-los.
Quatro anos depois, a desilusão já tinha se abatido sobre a maior parte do grupo. Os 50 remanescentes prosseguiram com as práticas “místicas” em um acampamento situado num ponto qualquer das Montanhas Rochosas no Estado de Wyoming. Com a chegada do inverno, transladavam-se para o norte do Texas. Um dos dissidentes, Paul Groll, ex-marceneiro e caddy [Rapaz que leva os tacos e outros objetos num campo de golfe], relatou em detalhes o que lá acontecia. De minuto a minuto, 24 horas por dia, uma nota musical era emitida da tenda principal. A cada 12 notas, os discípulos se dirigiam à tenda para saber quais tarefas lhes seriam outorgadas: a guarda do acampamento, o controle da conduta do grupo, relatórios sobre as infrações cometidas etc. Durante três meses foram obrigados a vestir estranhos uniformes, em tempo integral: capuzes com pequenas aberturas para os olhos, macacões, jaquetas e luvas. Conversas não eram permitidas e as falas deviam limitar-se a sim, não ou não sei. Qualquer outra comunicação devia ser feita por escrito.
Distorcendo valores — Estudavam a Bíblia, não admitiam práticas sexuais entre si e a ingestão de drogas ou bebidas alcoólicas. Bo dizia ser a reencarnação de Moisés, Elias e Jesus. Todos esperavam pela espaçonave que o
s levariam ao “Jardim Eterno” onde receberiam influxos energéticos do “Rei do reis” ou “Chefe dos chefes”, a própria divindade que teria criado a Terra. Quem eram, afinal, Bo e Peep? O mundo só os ficaria conhecendo e a seus verdadeiros nomes às vésperas do feriado da Páscoa de 1997. Em 27 de março, Marshall Herff Applewhite e Bonnie Lu Trousdale Nettles cometeram suicídio coletivo dentro de uma mansão luxuosa e asséptica no subúrbio de San Diego, costa oeste dos Estados Unidos, junto com mais 20 mulheres e 17 homens da seita que comandavam, a Heaven’s Gate, crentes de que pegariam uma carona no cometa Hale-Bopp, para eles uma nave espacial camuflada. O ufólogo francês Pierre Delval, um dos conferencistas do 1o Congresso Internacional de Ufologia de Brasília, realizado entre 26 e 30 de outubro de 1979, “previu” naquela ocasião a dimensão social que a crença nos UFOs alcançaria: “Hoje eu me pergunto se não foi o próprio fenômeno, ele mesmo, quem preparou esse caminho, essa visão mística que muitos estão tendo. Veja: o surgimento do fenômeno e seu crescimento, nos últimos 30 anos, paralelo à degradação dos valores da sociedade, há uma total coincidência entre os dois fatos. Todas as crenças estão se diluindo, e parece estar surgindo uma nova. Acredito que vamos ter uma verdadeira explosão de uma neo-espiritualidade, que será idêntica ou paralela ao fenômeno ufológico. Essa neo-espiritualidade vai fazer nascer um novo movimento, que não conhecemos e não entendemos ainda, mas cujos sinais já podemos ver”.
Os últimos anos do século XX foram marcados pela maior irrupção de seitas apocalípticas, milenaristas, messiânicas e fanáticas da história. As mais perigosas eram aquelas cujos líderes adotavam comportamentos criminosos aberrantes em nome de supostas tradições das quais se julgavam herdeiros. Distorcendo valores e subvertendo códigos, sacrificavam crianças em rituais macabros invocando preceitos éticos privados, revestidos de uma pretensa legitimidade. A insurgência desses delitos irracionais atestava sobretudo o desvirtuamento de concepções morais e a prevalência de sistemas de pensamento fundamentados além da realidade. Despertavam a atenção dos meios de comunicação e das autoridades constituídas pela forma escabrosa com que eram cometidos.
Arte da mistificação — Nos meios ufológicos, sintomaticamente, era crescente a infiltração desses vivaldinos decididos a arregimentar desavisados propensos a acreditar em discursos que ofereciam a redenção e a transcendência, atraindo-os com a promessa do “encontro com a verdade”. O engodo viabilizava-se tanto mais facilmente quanto maior era a fragilidade das pessoas que, dominadas pela superstição, pela ignorância e pelo medo, transformavam-se em verdadeiras marionetes nas mãos dos antonomásticos praticantes da arte da mistificação que, de modo vulpino, mudavam apenas as denominações. Enfim, deixavam suas vítimas totalmente à sua mercê e dependentes de seus sortilégios.