Tradicionalmente, a sociologia e os meios de comunicação recorrem à dicotomia “seita” e “igreja” para definir a condição e o status de certos movimentos e manifestações de cunho religioso. Enquanto que geralmente a maioria não opõe grandes resistências quando enquadrada nesta última categoria, poucos são os que aceitam a denominação de seita, questionando a validade e a virtude do próprio termo, ainda mais se entendido em contraposição a “igreja”. O sociólogo inglês Bryan Ronald Wilson, autor de Sociologia das Seitas Religiosas [Ediciones Guadarrama, 1970], lembra que as religiões geralmente começam como seitas, sendo que o próprio Cristianismo foi uma, antes de ser igreja. Mas, uma vez estabelecida, a Igreja Católica anatematizou toda nova seita.
Na definição de Wilson, as seitas são “movimentos de protesto religioso seus membros se separam dos demais homens no que se refere a crenças, práticas e instituições religiosas, e às vezes em muitos outros aspectos da vida. Rechaçam a autoridade dos líderes religiosos ortodoxos e, às vezes, inclusive, do governo secular”. À primeira vista, as seitas podem parecer fenômenos marginais e incidentais da história, como estranhos grupos de pessoas alienadas com umas idéias extravagantes. “Não obstante, as seitas têm obtido, às vezes, uma grande significação no curso da história. Às vezes atuam como catalisadores dela, cristalizando de forma crítica os descontentamentos e as aspirações sociais, e outras precedendo, ou inclusive fomentando, a reintegração social”. Uma das características essenciais das seitas é exigir de seus fiéis uma submissão absoluta. As seitas, da mesma forma que as tribos, mantêm uma forte concepção de “nós” em contraposição com todos os demais.
O sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) Lísias Nogueira Negrão, autor de O Messianismo no Brasil Contemporâneo [Centro de Estudos da Religião, 1984], define assim a diferença entre religião e seita: “Igrejas são grupos estabelecidos, vinculados à sociedade. Já as seitas são movimentos emergentes que apresentam restrição ou desconforto em relação à regra teológica e apresentam contestações dos valores sociais estabelecidos. A partir do momento em que se acomodam, deixam de ser uma seita para se tornar uma nova igreja”. A palavra seita, aliás, vem de sectarismo, que significa romper, separar. Seita denota, portanto, cisão de um grupo minoritário que se contrapõe à ortodoxia majoritária do tipo “igreja”, desenvolvendo uma política de negação e abandono da sociedade, do estado ou do grupo dominante, ao mesmo tempo em que reforçam as convicções, os compromissos e as relações pessoais entre eles. Apresentamos a seguir alguns dos traços típicos das seitas:
Exclusivismo e dogmatismo, que os colocam na posição de “donos da verdade”.
Estabelecimento de uma liderança e autoridade suprema, carismática e inquestionável .
Adesão por meio da reconversão e da reformulação ou abandono dos antigos conjuntos de regras e discursos.
Engajamento publicitário, por meio do proselitismo, para a expansão contínua do movimento e conquista de “mercados”.
Atitude que vai da indiferença ou hostilidade à defesa intransigente da ordem político-ideológica-institucional-econômica vigente.
Ênfase no apoio emocional e espiritual às pessoas desorientadas ou carentes de valorização.
Oferecimento de “certezas”, que emanam rígidas regras de comportamento e pensamento de modo a dissipar ou eliminar as inseguranças advindas do relativismo próprio da modernidade, pós-modernidade e globalização.
Adoção de práticas e terapias holísticas.
Recorrência a panacéias ou fórmulas mágicas para resolver todos os tipos de problemas, inclusive aqueles de origens sócio-culturais.