Morreu em 12 de dezembro no Rio de Janeiro aos 97 anos de idade Irene Granchi, uma das grandes pioneiras da Ufologia Brasileira. Embora já praticamente ausente havia alguns anos, devido a um avançado quadro de diabetes e outras complicações de saúde, os ufólogos brasileiros encontram-se em profundo pesar por esta perda.
O mais influente pesquisador brasileiro e editor da Revista UFO, A. J. Gevaerd, publicou um longo obituário em seu website Portal da Ufologia Brasileira intitulado Perdemos nossa Matriarca. O artigo começa com uma citação da própria Irene Granchi que demonstra sua filosofia prática sobre o que é necessário para solucionar o enigma dos UFOs: “Ufologia se faz coletivamente. Ninguém, sozinho, compreenderá o que querem nossos visitantes. Tem que haver a troca, o reparte e a discussão do resultado de nosso trabalho”.
Tive o privilégio de conhecer Irene Granchi muito bem e posso confirmar que ela viveu sob este princípio de partilhar informações. Eu a conheci em dezembro de 1983, em um simpósio internacional sobre UFOs, em Santa Fé, Argentina.
Naquela ocasião, ela me convidou para falar em uma conferência que aconteceria no Rio de Janeiro, em abril de 1984, evento organizado pelo Centro de Investigação sobre a Natureza dos Extraterrestres (CISNE), grupo fundado por ela em 1982. Meu irmão mais velho, casado com uma brasileira, morava no Rio, então pude passar um mês hospedado com ele e tive muitas oportunidades de visitar Irene em seu apartamento no bairro de Botafogo.
Ela foi extremamente generosa e não economizou tempo abrindo seus arquivos e apresentando-me à nata da Ufologia carioca. Entre outros, conheci João Martins, lendário jornalista de O Cruzeiro, que publicou todos os casos clássicos dos anos 1950. Fernando Cleto Nunes, homem de ligações íntimas com o projeto de investigação ufológica da Força Aérea Brasileira liderado pelo General-Brigadeiro João Adil Oliveira, também nos anos 1950. E José Victor Soares, outro pioneiro da Ufologia Brasileira, porém nascido nos Açores, em 1931, e residente em Porto Alegre.
Soares foi palestrante naquele mesmo evento organizado pelo CISNE e, tristemente, faleceu no último dia 10 de dezembro, apenas dois dias antes de Irene Granchi.
Acabo de encontrar meu caderno com as anotações daquela viagem ao Brasil em abril de 1984. Há nele um tesouro de informações sobre casos e pesquisadores brasileiros, mas nada disso teria sido possível sem a generosidade e os contatos de Irene Granchi. Vejamos agora alguns fatos básicos sobre sua vida e seu trabalho.
Irene tinha um interessante histórico internacional e conhecia vários idiomas, o que veio a ser muito útil em suas investigações e contatos com ufólogos estrangeiros. Nascida na Alemanha em 26 de novembro de 1913, embora fosse britânica, viveu em várias partes da Europa e Oriente Médio em sua juventude, inclusive no Cairo e em Milão. Nesta cidade italiana onde estudou, também conheceu seu marido, o musicólogo italiano Marco Granchi.
O casal teria chegado ao Brasil ao final dos anos 1930, já que ela se tornaria cidadã brasileira durante a longa Era Getúlio Vargas, que governou o país de 1930 a 1945, como ditador, e de 1951 a 1954, como presidente eleito.
Foi exatamente no início da Era Moderna dos UFOs, em 1947, que Irene Granchi teve seu primeiro avistamento, o catalisador do que viria a ser uma dedicação em tempo integral. Ela descreve este contato em uma longa entrevista concedida anos atrás aos pesquisadores Cláudio Tsuyoshi Suenaga e Pablo Villarrubia Mauso. Os pesquisadores perguntam qual seria a origem de seu interesse pelos UFOs, o que Irene Granchi responde da seguinte forma:
“Foi quando vi um disco voador pela primeira vez, em julho de 1947. Naquele tempo, eu e a minha família morávamos em um sítio, em Vassouras, interior do Rio de Janeiro. Eram mais ou menos 15h30 quando fui à horta colher alface para o jantar e vi um objeto aparecer no horizonte, se aproximando até a altura dos eucaliptos. Tinha um brilho impressionante, era metálico e possuía uns círculos desenhados, como uma tampa de panela. Eu era dona-de-casa na época, por isso a comparação. Como naquele tempo não se falava em discos voadores e eu era bastante racional, até mesmo cartesiana, comecei a indagar o que seria aquele estranho objeto que se movia lentamente em movimento oscilatório acima e ao longo da estrada de ferro local. De repente, apareceram algumas idéias esquisitas na minha cabeça, que naquele tempo eu não sabia o que eram, mas hoje sei que eram mensagens telepáticas. A primeira delas foi: “Esse é um objeto manufaturado”. A segunda: “Mas não foi manufaturado aqui na Terra”. E a terceira: “Você não vai ter paz enquanto não se dedicar de corpo e alma ao estudo destes objetos”. Vários pensamentos vieram à minha cabeça no momento, mas o que mais permaneceu foi o de que jamais poderia descansar enquanto não soubesse o máximo sobre o que acabava de ver. E aqui estou, mais de cinco décadas depois, ainda nesta procura”.
Uma investigadora incansável
Irene Granchi teve a sorte de ter entre os seus mentores o saudoso Dr. Olavo Fontes (1924-1968), conhecido médico gastroenterologista carioca e considerado o pai da Ufologia Brasileira. Fontes foi o representante estrangeiro da Aerial Phenomena Research Organization (APRO), grupo ufológico pioneiro dirigido por Coral e Jim Lorenzen, em Tucson, Arizona, EUA.
Ele investigou todos os casos clássicos ocorridos no Brasil durante as décadas de 1950 e 1960. Entre estes o ataque ao Forte Itaipu e a abdução sexual de Antônio Villas Boas, em 1957, além do famoso Caso Trindade, em que foram feitas fotografias a bordo de um navio da marinha brasileira, em 1958.
O exímio conhecimento da língua inglesa de Irene foi muito útil para a tradução de todos os relatórios de Olavo Fontes para a APRO. Ela também traduziria vários outros materiais ufológicos do inglês para o português. Com a morte de Olavo Fontes em 1968, ela passaria a ser a representante da APRO no Brasil. Mais tarde, viria a representar também o Center for UFO Studies (CUFOS) do Dr. J. Allen Hynek.
Irene Granchi manteve correspondência e intercâmbio casuísticos com pesquisadores do mundo todo. Quando fui ao Rio de Janeiro uma segunda vez,
em 1986, para falar em um evento do CISNE, lembro-me de ter encontrado pela primeira vez, no apartamento dela, em Botafogo, a famosa ufóloga do Zimbábue Cynthia Hind.
Um outro correspondente habitual de Irene foi meu saudoso mentor de Nova Iorque, o coronel húngaro-estadunidense Colman von Keviczky, do ICUFON, que falou no IV Congresso Internacional de Ufologia, no Rio de Janeiro, em setembro de 1986.
Em 17 de Agosto de 1968, por volta das 21h15, Irene Granchi, acompanhada de toda a família, teria um segundo avistamento ufológico enquanto aguardava um ônibus no bairro do Leblon. Em 1978 ela já havia reunido material e contatos suficientes para lançar uma revista profissional, a OVNI Documento, publicada pela Hunos Editorial, no Rio.
A revista contava com a colaboração de todos os principais ufólogos brasileiros, entre eles o general Moacyr Uchoa, Nunes Pereira, Flávio Pereira etc, além de importantes consultores internacionais como o Dr. Hynek, o australiano Bill Chalker e o saudoso repórter estadunidense Bob Pratt, que visitava o Brasil com freqüência. A OVNI Documento teve apenas dois anos de vida, mas foi a antecessora direta da atual Revista UFO.
“Batalhadora incansável, Irene realizou investigações inumeráveis (entre elas, a abdução do caminhoneiro Elias Seixas) e participou como conferencista em dezenas de eventos, simpósios e congressos”, diz o obituário publicado por Ademar Gevaerd. Ela ia a fazendas distantes carregando os enormes gravadores da época, máquinas fotográficas e outros equipamentos necessários para documentar os avistamentos, contatos imediatos e abduções.
Em pouco tempo, viria a se tornar a maior conhecedora sobre abduções alienígenas no Brasil. Seu livro sobre o tema, UFOs e Abduções no Brasil, foi publicado em 1992 e posteriormente lançado em língua inglesa no ano de 1995 sob o título de UFOs and Abductions in Brazil (Horus House Press).
Nesta obra, Irene Granchi finalmente deposita todos os seus arquivos sobre abduções, entre eles o caso do caminhoneiro Elias Seixas, ocorrido em 1980 (também o conheci no apartamento de Irene Granchi em uma das minhas viagens ao Rio). Há ainda outros casos como o lapso temporal do pianista e amigo pessoal da pesquisadora Luli Oswald (1979), a teleportação de Onislon Pattero (1973), o caso de um general e médico identificado apenas como Dr. H. B. (1972) e muitos outros.
Naquele caderno em que fiz minhas anotações durante a viagem ao Rio em abril de 1984, quando passei muitas horas ao lado de Irene Granchi em seu apartamento e também visitando outros pesquisadores, registrei inúmeras histórias interessantes.
Fizemos até uma viagem de campo ao interior do Rio acompanhados por Wanderlay Penna, capitão do Exército Brasileiro, advogado e ufólogo. Visitamos Casimiro de Abreu, localidade conhecida como o Woodstock ufológico brasileiro, onde cerca de 60 mil pessoas se reuniram em 1979 esperando pelo pouso oficial de um UFO conforme anunciara um contatado.
Nem preciso dizer que nada aconteceu e o contatado teve que ser levado de lá pela polícia para o seu próprio bem. Chegamos até a passar uma noite em uma fazenda em Macaé, cujo proprietário, Don Silvio, construíra um discoporto que tinha até sinalização luminosa. Cerca de 30 pessoas se juntaram para mediar o chamado aos alienígenas – algo como uma versão brasileira do C-SETI do Dr. Greer, porém com um toque das crenças locais como as velas acesas para os orixás. Nenhum UFO pousou, mas foi uma experiência fascinante.
Muitas outras histórias estão naquele meu caderno de 1984, mas quero terminar com um relato particularmente interessante relacionado à visita do Dr. Hynek ao Brasil em 1975. Irene Granchi sabia de todos os detalhes daquela visita, já que ela foi a intérprete de Hynek durante toda a viagem.
Anotei, em espanhol, no meu caderno o seguinte: “Por influência do general Uchoa, Hynek falou em sessão do Congresso, em Brasília (Irene Granchi foi a intérprete) e também encontrou-se com Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI)”. O general João Figueiredo viria a ser o último presidente militar do Brasil, entre 1979 e 1985, antes de o país voltar a ser uma plena democracia civil.
Segundo minhas anotações sobre minha entrevista com Irene Granchi, “Hynek queria realizar um grande marco oficial com o governo brasileiro” e obter todos os arquivos ufológicos oficiais – os mesmos que agora estão sendo liberados oficialmente pela Força Aérea. “Entretanto, um jornalista acusou-o de tentar levar todos os registros oficiais ao CUFOS e, aquilo, o Brasil, como nação soberana, não poderia aceitar. Hynek teve que retornar aos EUA bastante frustrado”.
Eu poderia continuar falando das histórias interessantes e outros casos fascinantes envolvendo Irene Granchi, cuja energia e generosidade desconheciam limites. Sua partida será muito sentida por todos aqueles que a conheceram. Teremos muitas saudades. Descanse em paz, minha velha amiga.