No final dos anos 60, cientistas da NASA perceberam que, graças a um peculiar alinhamento dos quatro grandes planetas gasosos de nosso Sistema Solar, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, uma mesma nave não tripulada poderia visitar todos eles, aproveitando-se do fenômeno chamado auxílio gravitacional. Quando a sonda se aproximasse de um mundo, sua gravidade a lançaria em maior velocidade rumo ao alvo seguinte. Essa técnica economizaria muitos anos de viagem.
O projeto foi sendo conduzido e como é habitual objetivos mais modestos foram traçados. Um par de sondas, as Voyager 1 e 2, seriam encarregadas do Grand Tour, ou Grande Expedição, com expectativa de visitarem somente Júpiter e Saturno. Entretanto, lançada antes que sua gêmea, a Voyager 2 subiu a bordo de um foguete Titan IIIE/Centaur em 20 de agosto de 1977, seguindo por uma trajetória bem mais lenta, e teve sua missão coroada de absoluto sucesso quando visitou Júpiter em julho de 1979, Saturno em agosto de 1981, Urano em janeiro de 1986 e Netuno em agosto de 1989.
Por sua vez a Voyager 1, lançada em 05 de setembro de 1977, visitou Júpiter em março de 1979, e Saturno em novembro de 1980. Existia a possibilidade de ser então enviada rumo a Plutão, na época ainda não reclassificado como planeta-anão. Contudo, os planejadores da missão consideraram que a Voyager 2 não conseguiria visitar a lua Titã de Saturno, e portanto esse objetivo foi designado para a nave mais veloz. As Voyager revolucionaram nosso entendimento sobre o sistema solar, confirmando que todos os planetas gigantes gasosos possuem anéis, descobrindo inúmeras luas, detectando os primeiros indícios da existência do oceano de água líquida em Europa, e fotografando os primeiros vulcões fora do Sistema Solar, na lua Io, entre outras descobertas.
Como inevitavelmente sairiam do sistema solar, o saudoso divulgador científico Carl Sagan recebeu o convite para compor uma sofisticada mensagem, produzindo com uma equipe o Disco Dourado da Voyager, destinado a qualquer civilização extraterrestre que encontrar as naves, mesmo daqui a milhões de anos. Composto de fórmulas matemáticas, imagens e sons de nossa civilização, a mensagem e as próprias Voyager foram inclusive utilizadas como temas de diversas produções, incluindo um episódio da série Arquivo-X e o primeiro filme de Star Trek, ou Jornada nas Estrelas. E em 14 de fevereiro de 1990 a Voyager 1, também após uma ideia de Carl Sagan, realizou a extraordinária imagem chamada de Family Portrait, ou retrato de família do sistema solar, na qual também foi obtida a famosa imagem da Terra como o Pálido Ponto Azul.
Nesta quinta-feira, 12 de setembro de 2013, a Voyager 1 protagonizou outro momento histórico, um dos feitos mais significativos da espécie humana, tornando-se o primeiro objeto feito pela mão do homem a sair do sistema solar. De acordo com o comunicado oficial da NASA, “A Voyager foi ousadamente onde nenhuma sonda já foi antes, realizando um dos mais significativos feitos tecnológicos na história da ciência, quando entrou no espaço interestelar adicionando um novo capítulo nos sonhos e empreitadas da humanidade”. As naves encerraram sua missão primária em 1989, e desde então a agência espacial norte-americana tem acompanhado as medições de seus instrumentos enquanto passavam pela fronteira da heliosfera, a região de partículas carregadas e campos magnéticos emitidos pelo Sol.
Nossa estrela auxiliou os cientistas a determinar precisamente por onde a Voyager 1 está passando graças a uma poderosa erupção solar. A sonda detectou entre 09 de abril e 22 de maio passado uma acentuada vibração nos elétrons a seu redor. Os pesquisadores então determinaram que a densidade de elétrons ao redor da nave era de 0,08 elétrons por centímetro cúbico. Isso é bem mais alto que a densidade observada anteriormente na heliosfera, e compatível com aquela esperada para o meio interestelar, de cerca de 0,10 elétrons por centímetro cúbico. De acordo com Don Gurnett, da Universidade de Iowa e principal autor do estudo, publicado na Science: “Esses dados mostraram que a nave estava em uma região totalmente diferente, comparável ao que esperávamos no meio interestelar, e muito diferente da bolha solar”.
A equipe analisou dados anteriores, descobrindo oscilações de elétrons em outubro e novembro de 2012, exibindo uma densidade de 0,006 elétrons por centímetro cúbico. Os cientistas fizeram cálculos considerando que a Voyager 1 viaja 520 milhões de km por ano, e determinaram que a nave saiu do sistema solar em agosto de 2012. Em suma, a sonda atingiu uma região onde a pressão da radiação das estrelas já supera amplamente aquela exercida pelo Sol. E em 25 de agosto de 2012 foi anunciado que a Voyager havia registrado uma queda na detecção de partículas solares, ao mesmo tempo que raios cósmicos galáticos haviam aumentado em 9 por cento. Gurnett, também principal investigador do instrumento de detecção de ondas de plasma da sonda, disse: “Esses resultados, comparando com medições anteriores da heliosfera, apoiam a afirmação de que a Voyager 1 cruzou a heliopausa, a região da fronteira externa doSistema Solar, para o plasma interestelar ao redor do dia 25 de agosto de 2012”.
Naquele ponto, a Voyager 1 estava a cerca de 18,11 bilhões de km do Sol, viajando hoje a 18,76 bilhões de km de distância. Enquanto isso, sua gêmea Voyager 2 está agora a 15,35 bilhões de km do Sol. A NASA esperava confirmar que as naves saíram do sistema solar observando três fenômenos: queda no número de partículas solares, aumento dos raios cósmicos galáticos e uma mudança de orientação no campo magnético. Somente o terceiro ainda não foi observado, estando maior do que o detectado antes, mas sem alterar a orientação. Devido a isso a agência usou de cautela em cada anúncio a respeito da missão, mas os novos dados finalmente trouxeram a comprovação esperada.
E de maneira surpreendente, após 36 anos de viagem a missão prossegue, conforme afirma Ed Stone, chefe científico da Voyager e físico do Instituto de Tecnologia da California: “Todo dia observamos os dados e sabemos que são informações que ninguém obteve antes, em uma região que jamais havíamos alcançado anteriormente. Acredito que iremos aprender muito nos próximos anos”. As naves são alimentadas por geradores a plutônio e espera-se que os instrumentos científicos da Voyager 1 funcionem até 2025. A seguir, como afirma o comunicado da NASA: “Talvez algum futuro explorador do espaço profundo encontre a Voyager, nosso primeiro
emissário interestelar, e reflita como essa intrépida espaçonave ajudou a criar seu futuro”.
Site da Missão Voyager da NASA
Saiba mais sobre o Disco de Ouro das Voyager
Globonews Ciência e Tecnologia conversa com Ed Stone, o cientista-chefe da missão da sonda Voyager 1
Nave Voyager 1 entra em região desconhecida do sistema solar
Cientistas afirmam que nave Voyager saiu do sistema solar
Saiba mais:
Livro: Dossiê Cometa
DVD: 50 Anos de Exploração Espacial Parte 2
Esta é a segunda parte de uma coleção memorável de documentários que mostram a história da NASA desde sua fundação até seu 50º aniversário, apresentando de forma inédita suas conquistas, as inúmeras dificuldades e tragédias que marcaram sua trajetória e os planos da agência espacial para o futuro da humanidade no cosmos. 50 Anos de Exploração Espacial reúne filmagens raras feitas no espaço desde a primeira missão, ainda nos anos 50 e 60, até as mais recentes, do final da década passada.