Priyamvada Natarajan (Coimbatore, Índia, 1969) é professora de Astronomia da Universidade de Yale (EUA). Dedicou sua vida profissional a estudar os objetos cósmicos que são possivelmente os mais fascinantes, os buracos negros. Desfrutou desde a retaguarda da visão da primeira imagem de um deles que seus colegas cosmologistas divulgaram em abril. Logo, pensou, será a minha vez.
Calcula que dentro de cerca de três anos, quando o telescópio espacial James Webb estiver pronto, poderá ver os primeiros buracos negros do universo, sua especialidade e obsessão particular.
Alguns meses atrás, todos nós vimos um buraco negro pela primeira vez. Qual importância tem finalmente termos visto um?
Resposta. São objetos muito loucos, muito contraintuitivos, que representam o limite do nosso conhecimento. Não podemos nos aproximar deles. E não emitem luz, então, além disso, não os vemos. Conseguir isso foi um trabalho quase de detetive. Nos aproximamos o máximo que podíamos, graças a uma combinação de anos de imaginação e ciência.
Vê-lo também foi a validação da nossa teoria. É por isso que essa imagem é tão icônica. Representa a capacidade da mente humana de imaginar as coisas mais complexas do universo.
Por que são chamados de buracos, se não são?
R. É uma ausência de espaço. Você pode pensar neles de maneiras diferentes: como uma concentração de matéria descomunal que cria um buraco no espaço-tempo ou, da maneira que mais me convence, como objetos dos quais você só pode escapar se viajar à velocidade da luz como vimos em centenas de filmes.
Mas o que você espera com vontade é ver os primeiros buracos negros do universo.
R. Quando olhamos para o céu estrelado, estamos olhando para o passado. São objetos distantes e sua luz demora a chegar. E quanto mais longe estiverem, mais se estreita a luz ou o comprimento de onda da luz que emitem por causa da expansão do universo. E essa luz se torna cada vez mais vermelha.
Os objetos que estão mais distantes nós temos de ver com olhos infravermelhos. Quando o telescópio James Webb estiver pronto, será o primeiro com olhos infravermelhos que verão inclusive através da poeira estelar. Nos ajudará a ver o que nunca vimos. E isso é emocionante.
O que veremos será algo diminuto.
R. Sim, mas com energia, e poderemos analisá-lo. Vamos aprender muito.
O que exatamente você espera descobrir?
R. É complexo explicar, mas basicamente o projeto do qual eu participo quer saber como seria o universo se os primeiros buracos negros, que são pequenos, tivessem sido enormes desde o seu nascimento.
Há alguns meses, algo que você previu há 20 anos foi provado.
R. Sim, sempre visualizamos os buracos negros como algo que engole gás, mas eles também têm um impacto sobre seu entorno. Quando comemos, às vezes caem migalhas. Bem, o mesmo acontece com os buracos negros, só que suas migalhas são como aviões que saem em disparada.
Previ que veríamos uma dessas migalhas e, no ano passado, isso pôde ser feito no observatório ALMA, no Chile. Ainda temos muito por saber sobre os buracos negros… É por isso que são tão especiais. Desempenham um papel essencial no universo, na forma das galáxias, em seu destino. E gente como eu tenta entender melhor como funcionam.
Você também estudou filosofia. O que lhe parece que haja quem busque Deus através do estudo do cosmos?
R. Ciência e religião respondem a perguntas diferentes. As dúvidas sobre quem somos e de onde viemos não são algo que possa ser estudado com experimentos ou com dados. São dúvidas emocionais e psicológicas. Têm outro espaço de reflexão. E é possível levar uma vida plena sem acreditar que Deus criou este universo.
Tenho de perguntar, conheceremos a vida extraterrestre?
“E é possível levar uma vida plena sem acreditar que Deus criou este universo”
R. É uma das questões filosóficas que ainda precisam ser respondidas, mas estamos nos aproximando. A resposta é possivelmente sim. Agora, graças à observação da nossa vizinhança, sabemos que existem mais planetas do que estrelas no universo. E em algum desses trilhões de planetas, haverá vida? É quase certo. A pergunta é se ela se parecerá conosco e se a reconheceremos.
A astrofísica é uma ciência madura se não conhecermos 95% do universo?
R. É, mesmo que nosso conhecimento seja provisório. Sabemos o que sabemos até o momento. E, graças à colaboração de cientistas de todo o planeta, continuaremos a aumentar nosso conhecimento.
Você mencionou a colaboração dos cientistas do planeta. O que você pensa dos nacionalismos?
R. São um fenômeno político muito preocupante. O bonito da comunidade científica, inclusive no passado, quando os nacionalistas pensavam mais para dentro do que para fora, é que sempre esteve em contato. E agora mais do que nunca. Felizmente, temos o potencial de ultrapassar as fronteiras entre os países, não importa o que aconteça politicamente.
No momento, temos muitos problemas complexos que são globais e temos de cooperar para resolvê-los. Não sabemos como funciona a criatividade ou a inteligência, mas sabemos que com pessoas com diferentes conhecimentos e visões se obtêm resultados fantásticos e a ciência é um grande exemplo disso. O conceito de um único gênio é certamente obsoleto, mas existe o pensamento coletivo.
O que um cosmologista teme?
R. Não tenho medo de nenhum fenômeno cósmico. Temo a mudança climática e o fato de que, apesar de estarmos entendendo o que estamos fazendo com o planeta, não movemos um dedo para reverter a situação. Estamos paralisados. Sinto muita decepção com os Estados Unidos. Não sei quantas catástrofes são necessárias para agirmos.
Não gostaria que desaparecêssemos como espécie. O bom de ser cosmologista é que, ao ter uma visão do cosmos, as discussões sobre os países ficam ridículas. Não entendemos quanto a Terra é preciosa. Nos falta sentimento de pertencimento, que todo mundo se sinta cidadão do mundo. Alguém propôs fazer um passaporte humano para todos. Isso ajudaria a nos conectar com todas as pessoas e a nos sentir parte da mesma coisa.
Fonte: El Pais
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