Com a derrubada da floresta, principalmente por causa da pecuária, a partir dos anos 70, ao redor de uma área de 250 km quadrados entre os rios Acre e Iquiri, imensas estruturas geométricas começaram saltar aos olhos dos pesquisadores. Isso no Acre, em plena Amazônia. Nestes últimos cinco anos, com ajuda de ferramentas modernas via satélite, como o próprio Google Earth, a multiplicação dos chamados geoglifos foi tão grande, que mais um grupo de pesquisadores resolveu se debruçar sobre o tema.
Ao menos uma centena dessas fendas geométricas existentes em solo acreano já foi identificada nas regiões do Rio Branco e Xapuri, perto da fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia. O primeiro sítio foi identificado em 1977. Há 15 anos, algumas escavações também descobriram vestígios de objetos cerâmicos no local, como urnas funerárias. “A floresta, como é conhecida hoje, pode ser mais recente do que se pensava”, diz a arqueóloga Denise Schaan, que coordena as escavações dos geoglifos no Acre. Para ela, as estruturas, que podem ter sido aldeias fortificadas, indicam que sociedades complexas se desenvolveram na região e possuíam unidades política e cultural. “As formas geométricas podiam ter valor simbólico”.
Durante as atuais escavações, todos os dias, o grupo formado por cientistas da Universidade Federal do Acre, do Pará, do Museu Emilio Goeldi (PA) e da Universidade de Helsinque (Finlândia) se dirige até a casa do agricultor Severino Calazans, que vive na beira da rodovia BR-317, em Rio Branco, capital do Acre, com a mulher e os filhos. Até pouco tempo, ele imaginava que as valas, localizadas no pasto onde plantou bananeiras e cria sua galinhas, eram trincheiras construídas durante a revolução acreana, que levou o Estado a ser declarado independente da Bolívia em 1903. Não imaginava viver sobre um sítio arqueológico. Para os cientistas, uma das hipóteses de trabalho é que as valas podem ter sido feitas por sociedades pré-colombianas, que habitaram o local entre 800 e 2.500 anos atrás. “As informações que tínhamos sobre sociedades amazônicas eram que elas viviam em várzeas, da pesca e da agricultura. Os geoglifos observados hoje mostram que esse modelo já não se aplica”, afirma Schaan, do Goeldi.
De acordo com o paleontólogo Alceu Ranzi, da Universidade Federal do Acre, um dos pioneiros na identificação dos sítios arqueológicos, as estruturas podem oferecer pistas para a compreensão das mudanças climáticas sofridas na Amazônia e de como as civilizações antigas viveram e transformaram o ambiente. “As pessoas que chegaram ao Acre achavam que estavam em uma região virgem. Agora se sabe que, bem antes, o lugar já havia sido desbravado”, diz. Porém, esse mesmo processo de ocupação da floresta, que continua hoje, está causando outro tipo de reocupação: a preservação dos sítios arqueológicos. Por desconhecimento, muito deles estão sendo destruídos. As fotos das áreas da região mostram, com freqüência, as grandes estruturas geométricas sendo cortadas por estradas, postes de transmissão de energia, currais, sedes de fazenda e até mesmo açudes. Esse processo, inclusive, chamou a atenção do governo, que pretende ajudar na conscientização dos fazendeiros da região.
O estudo dos geoglifos acreanos já permite a identificação de dois padrões de construção. Ao sul da região delimitada pelos pesquisadores, o que se vê com mais freqüência são desenhos circulares, com 300 m de raio. No norte, predominam formas retangulares, com 200 m de lado e três metros de profundidade. Distantes de rios permanentes, as estruturas, geralmente localizadas no planalto, ficam alagadas quando chove. Segundo pesquisadores, isso pode ser indício de que tenham servido como açudes em uma época em que a floresta tropical úmida era uma imensa savana-vegetação rala, semelhante ao cerrado. No deserto de Nazca, na região sul do Peru, enigmáticas figuras gigantes também ganharam fama internacional após a publicação, em 1968, do livro Eram os Deuses Astronautas?, do escritor suíço Erich von Däniken.