Este estudo tem por objetivo analisar um mito indígena muito comum na costa oeste do Canadá, junto ao Oceano Pacífico, originalmente analisado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss, criador do método estruturalista em ciências sociais. No exame da chamada Gesta de Asdiwal, deparamo-nos com uma série de questões intrigantes, vinculadas a atual problemática das abducções por parte de supostos seres extraterrestres que estariam se utilizando de mulheres terrenas em experiências genéticas visando a obtenção de seres híbridos. Ocorre, no entanto, que este mito dos índios Tsumshian foi recolhido ainda nos primórdios deste século pelo antropólogo Franz Boas, na região localizada imediatamente ao sul do Alasca, que compreende as bacias dos rios Nass e Asdiwal. Vejamos como Boas encontrou a lenda, narrada nos registros Tsumshian, integralmente reproduzida no texto a seguir.
“A fome assola o vale do Skeena, o rio está gelado, é o inverno. Duas mulheres, mãe e filha, cujos maridos morreram de fome, sonham, separadamente, com os tempos felizes em que viviam juntas, quando não faltavam alimentos. Tornadas livres pela viuvez, têm simultaneamente a idéia de reunir-se e se põem a caminho ao mesmo tempo. Como a mãe (a jusante) mora ao norte, dirigi-se para o leste, e a filha (a montante) dirigi-se para o oeste. Tomaram as duas o leito congelado do Skeena, sobre o qual se encontraram, no meio caminho.
Chorando de fome e de tristeza, as duas mulheres acampam na margem do rio, ao pé de uma árvore, perto da qual encontram, como alimento, uma fava apodrecida que dividem melancolicamente. Durante a noite, um desconhecido visita a jovem viúva. Logo se saberá que seu nome é Hadsenas, termo que designa, no dialeto tsimshian, ‘um pássaro de bom agouro’. Graças a ele as duas mulheres começam a encontrar comida regularmente e, tendo se tornado esposa do protetor desconhecido, a jovem viúva dá à luz um filho, de nome Asdiwal (que significa ‘desbravador de montanhas’ ou ‘pássaro trovão’). Sua gestação é acelerada através de meios sobrenaturais por seu pai, que lhe entrega, quando Asdiwal nasce, diversos objetos mágicos. O rapaz recebe do pai arco e flechas infalíveis na caça, aljava, lança, cesta, sapatos para a neve, manto e chapéu, que servirão ao herói para transpor todos os obstáculos, a tornar-se invisível e a produzir alimentos inesgotavelmente. Hadsenas desaparece e a mais velha das duas mulheres morre.
Assim como no folclore brasileiro – onde UFOs são descritos como “boitatá”, “minhocão”, “mula sem cabeça” e até o prosaico “saci-pererê” – os de outros países do mundo também são riquíssimos em lendas e mitos que demonstram a atuação de civilizações alienígenas na Terra há centenas (milhares?) de anos
Asdiwal e sua mãe prosseguem a marcha para o oeste e se instalam na terra natal dela, Gitsalasert, nas gargantas do Skeena. Um dia, uma ursa branca desce do vale e, perseguida por Asdiwal, quase é alcançada por seus objetos mágicos. Começa a subida de uma escada. Asdiwal a segue até o céu, que toma a forma de uma vasta planície, verde e florida. A ursa o atrai à casa de seu pai, o Sol, onde se transforma em graciosa moça, a Estrela da Tarde. Casam-se, não antes que o Sol submeta o noivo a uma série de provas, nas quais todos os pretendentes anteriores sucumbiram (caça a cabra selvagem na montanha dos tremores de terra; apanhar lenha de uma árvore que esmaga os que a abatem; permanência em um forno quentíssimo etc.). Porém, Asdiwal triunfa graças a seus objetos má-gicos e a oportuna intervenção de seu pai. Conquistado pelo talento de seu genro, Sol concorda com o casamento.
Passado algum tempo, Asdiwal sente saudades da mãe. O Sol lhe permite que volte à Terra com sua esposa e, como provisão, lhes dá 4 cestas cheias de comidas inesgotáveis, proporcionando ao casal uma acolhida cheia de gratidão por parte dos índios, vítimas de fome hibernal. Apesar de sua mulher tê-lo advertido, Asdiwal engana-a com uma índia da tribo e Estrela da Tarde parte magoada, seguida de seu arrependido marido. Chegado a meia altura entre o céu e a Terra, Asdiwal é fulminado por sua mulher. Ele morre, mas logo é chorado por sua esposa e ressuscitado por seu sogro celestial. Novamente, depois de um certo tempo, Asdiwal sente nostalgia da Terra, mas sua mulher não concorda em acompanhá-lo de novo e lhe diz adeus definitivamente.
De volta à aldeia, sabe da morte de sua mãe e, nada mais prendendo-o ali, retoma a direção de jusante. Chegando a uma aldeia, seduz a filha do chefe do local e se casa com ela. Levando vantagem na caça devido aos objetos mágicos que possui, briga com os cunhados e é abandonado sozinho. Recolhido por estrangeiros, se integra a eles numa pesca de sucesso e se casa com a irmã de um deles. Asdiwal se torna pai de um menino, briga com os cunhados novamente e, depois de sua caçada milagrosa, como da vez passada, é abandonado sozinho sobre um recife. Com a ajuda de seu pai, o incansável Hadsenas, que aparece novamente para salvá-lo, Asdiwal se transforma em pássaro e consegue se manter à flor das águas, flutuando sobre os objetos mágicos.
Passados 2 dias e 2 noites, Asdiwal adormece, esgotado. Um ratinho o desperta e o conduz ao subterrâneo das morsas (animais que ele feriu em sua caçada milagrosa, mas que se imaginam vítimas de uma epidemia, pois as flechas de Asdiwal são invisíveis). Asdiwal tira as flechas e cura as morsas, às quais pede em troca que assegurem sua volta. O rei das morsas empresta a Asdiwal seu próprio estômago. Chegando a costa, o herói encontra sua mulher e seu filho e, com a ajuda de sua esposa, fabrica objetos aos quais dá vida. Despedaçando as embarcações, provoca a morte de seus cunhados. Porém, mais uma vez Asdiwal sente saudades de sua infância e deixa sua mulher, voltando ao vale do Skeena, fixando-se na aldeia de Ginadaos. Une-se a seu filho, a quem entrega seu arco e as flechas mágicas, recebendo dele um cão. No inverno, Asdiwal vai caçar nas montanhas, mas esquece-se de seus sapatos mágicos. Perdido, incapaz de subir ou descer sem ajuda, transforma-se em pedra juntamente com sua lança e seu cão, podendo ser visto sob esta forma no cume da grande montanha do Lago de Ginadaos”.
Cosmologia — A Geografia Física e Política do território mencionado no mito, assim como a organização social, familiar e a vida econômica que determina as migrações estacionais, correspondem à realidade da tribo citada. A Cosmologia que trata das viagens de Asdiwal ao céu e ao mundo subterrâneo, no entanto, destoa desta realidade, assim como os relatos de contatos de 5° grau – esses contatos, por exemplo, por um lado partem de uma realidade bem conhecida e, por outro, conduzem ao reino do Mágico de Oz, da fábula de Frank Baum (como no caso de Betty Andreasson, pesquisado por Raymond E. Fowler e divulgado através do livro Os Observadores). Do início ao fim, o mito é construído semp
re a partir de um par de oposições que se relacionam dialeticamente, tendendo a uma amenização ou radicalização dessas oposições. Logo de saída, as oposições mãe/filha, velha/jovem, jusante/montante e oeste/leste conduzem a um casamento exogâmico extremado entre uma mulher da Terra e um ser sobrenatural do Céu.
Um dado bastante significativo é o local onde ocorre esse cruzamento inusitado, ou seja: bem no meio do caminho onde se reuniram pela primeira vez desde a morte de seus maridos. Entre os índios Tsimshian a filiação é matrilinear, mas a residência é patrilocal, com a mulher indo mo-rar na aldeia de seu marido. No mito analisado, o sistema patrilocal é quebrado pela fome que libera as duas mulheres, permitindo que se reunam no meio do caminho. O acampamento ao pé de uma árvore é a imagem de um modo matrilocal reduzido a sua expressão mais simples, visto que a nova residência consiste em apenas mãe e filha. Os casamentos subsequentes curiosamente serão matrilocais, com Asdiwal indo morar na aldeia da mulher. O casamento matrilocal também é marcado pela hostilidade da família da mulher para com o marido. No final é que a situação se inverte, com a mulher se recusando a seguir seus irmãos e ainda ajudando Asdiwal a voltar ao seu Skeena natal, onde junta-se a seu filho.
O mito começa pelo relato da união de mãe e filha, livres de seus afins ou parentes paternos, e termina pela união de pai e filho, também livres de suas mães e mulheres. Há ainda no mito outros grupos de oposições: embaixo/ao alto, terra/céu, homem/mulher; endogamia/exogamia etc. Reduzindo o mito as suas duas proporções extremas – inicial e final – chegaremos a um quadro simplificado de oposições: fêmea/macho, leste/oeste, alto/baixo, fome/saciedade e movimento/imobilidade. Não por acaso, em quase todos os relatos de contatos imediatos estas oposições estão implícitas. Lembremo-nos do talvez mais famoso caso de abducção ocorrido no Brasil, o do lavrador Antônio Villas-Boas, já falecido. Na época, com 23 anos de idade, vivia e trabalhava com seus irmãos na fazenda dos pais, em Minas Gerais. Na madrugada de 16 de outubro de 1957, arava a terra com o trator quando foi surpreendido por uma nave em forma de ovo que aterrissou a alguns metros dali.
Subitamente, 4 pequenos seres vestindo uniformes inteiriços e máscaras, agarraram-no e o fizeram subir por uma escada rudimentar para bordo da nave. Depois de ter sido despido, passaram um líquido em seu corpo e extraíram um pouco de sangue de seu queixo. Deixado sozinho numa sala que exalava uma leve fumaça de cheiro desagradável e sufocante, sentiu fortes náuseas. Esperou um certo tempo até que surgiu uma bela mulher. Acabaram tendo relações sexuais e, no fim, ela apontou para o próprio ventre e em seguida para o alto. Cumprida a missão, os seres se desinteressaram completamente por Villas-Boas, deixando-o no mesmo local do rapto. Analisando cada uma dessas etapas, assim como o simbolismo que lhe é peculiar, entrevemos uma estrutura lógica subjacente, comum tanto à Gesta de Asdiwal quanto à maioria dos casos de abducção.
Mental coletivo — O ufólogo francês Bertrand Meheust, em seu trabalho sobre as implicações do folclore popular no mental coletivo, já nos forneceu uma visão das etapas que envolvem uma experiência de abducção. Meheust afirma que o folclore popular é capaz de recriar, a partir de valores culturais, uma espécie de versão ocidental contemporânea do rapto de pessoas por seres sobrenaturais, sob uma égide tecnológica. Em síntese, a seqüência oferecida pelo estudioso francês é a seguinte:
(1) Separação do meio quotidiano, geralmente de modo violento.
(2) Período de margem, durante a qual ocorrem testes, experiências, exames, extrações e mutilações. Nesse período também ocorre o ensinamento de um novo código e a progressiva supressão de barreiras.
(3) Reintegração da vida ordinária do indivíduo transformado ou, em jargão antropológico, manifestação de ritos de agregação ao meio sagrado. A este esquema correspondem ritos de passagem de todos os gêneros (como os do Xamanismo, do batismo, do casamento, da iniciação à vida adulta etc), presentes em praticamente todas as culturas do mundo.
Deve-se notar as analogias destes ritos com as abducções ufológicas. Os ritos são destinados a preparar e a introduzir o indivíduo em um período de vida radicalmente diferenciada da anterior, em que terá de desempenhar um papel no seio de um determinado grupo. Nos ritos de iniciação dos índios Navaho, da América do Norte, um dos últimos atos inclui a inalação de uma fumaça sagrada. Assim, é muito revelador que Villas-Boas tenha passado mal com a fumaça que impregnava a sala onde foi deixado sozinho. Igualmente, o isolamento é um requisito indispensável ao ritual de iniciação. Além disso, entre tantos elementos que se destacam, cabe assinalar o líquido aplicado em seu corpo. Acaso não nos faz lembrar um ritual de batismo com aspersão em água sagrada?
Um último dado importante inerente às ligações céu/fêmea e terra/macho refere-se a correlação do campo estar sendo semeado com o trator bem no momento em que a nave em forma de ovo aterrissa. Temos aí a alegoria de um óvulo feminino que se une a um campo fértil masculino, promovendo uma fecundação. Posteriormente, no interior da nave ocorre uma nova fecundação, consubstanciada na união entre uma mulher do céu e um homem da Terra. Como se vê, seria preciso uma análise muito mais extensa para abordarmos todos os aspectos deste riquíssimo caso. Mas ficam aqui pelo menos duas observações intrigantes: Villas-Boas foi retirado de uma residência patrilocal, tal qual Asdiwal no episódio em que perseguiu uma ursa (na verdade uma bela jovem). E da mesma forma que Asdiwal, Villas-Boas também teve de subir uma escada – símbolo universal da ascensão a regiões cósmicas e existências mais elevadas. Aquilo que dominava a mentalidade e a sensibilidade de Villas-Boas, determinando o essencial de suas atitudes, provinha em grande parte do contato com a terra, e provavelmente por essa razão o caso revestiu-se de tantos elementos simbólicos relacionados ao trabalho no campo – sem dúvida o centro de sua vida econômica, social e cultural até então.
Os ritos são destinados a preparar e a introduzir o indivíduo em um período de vida radicalmente diferenciada da anterior, em que terá um papel para desempenhar no seio de um determinado grupo. Nos ritos de iniciação dos índios Navaho, da América do Norte,um dos últimos atos conclui a inalação de uma fumaça sagrada
O que marcava a vida dos índios Tsimshian, por sua vez, não era a agricultura, e sim a
pesca fluvial com seu ritmo complexo, fazendo com que se deslocassem conforme as estações do ano entre as duas aldeias de inverno na região litorânea, sobre os rios Nass e Skeena. Findando o inverno, acabavam também as provisões e, dessa forma, os índios enfrentavam duros períodos de fome, cujo eco se encontra no mito. A única esperança era então a chegada do peixe-azeite que subia o rio Nass para desovar. Todos voltavam depois pelo mesmo caminho ao Skeena, para a chegada do salmão.
No verão, as mulheres colhiam frutos e favas, os homens caçavam ursos, cabras, focas e morsas, além de pescarem em alto mar. Todos estes elementos estão presentes no mito. Observamos que Asdiwal é, de certa forma, “pescado” pela ursa que o atrai ao céu. Pescado como um peixe em que a “terra” se confunde com o elemento líquido, do alto de um “céu” descrito como paisagem terrestre (uma planície verde e florida). Não são raros, na casuística ufológica, incidentes que se referem a verdadeiras “pescarias” transfiguradas. Em alguns casos essa sugestão se torna mais explícita, a exemplo do que aconteceu com o vigilante noturno Jesus Antunes Moreira, no dia 6 de dezembro de 1978, na Hidrelétrica de Marimbondo, fronteira com Minas Gerais. Moreira viu um ser extraterrestre tentar apanhar uma pedra com um gancho, enquanto os demais seres que acompanhavam o ET tentavam atraí-lo para a nave. O rapaz só não foi levado pelos ETs porque recusou-se a aceitar tão estranha proposta.
Visitas sobrenaturais — Da mesma forma, as 3 visitas sobrenaturais do mito tsimshian estabeleceram relações entre termos inferiores e superiores: a visita de Hadsenas associada ao céu atmosférico, engravidando a jovem viúva; a visita de Asdiwal ao céu divino, casando-se com Estrela da Tarde e, por fim, a visita de Asdiwal ao reino subterrâneo das morsas, guiado por um ratinho. É evidente que a primeira visita corresponde aos atuais relatos de mulheres que alegam estarem sendo abduzidas e fecundadas artificialmente por ETs do tipo alfa – comumente conhecidos como cinzas ou grays. Estes seres lhes retiram os fetos depois de uns três meses e os apresentam posteriormente como crianças já crescidas, criadas em ambiente desconhecido. O mito se aproxima mais desses relatos ao fazer menção ao fato de Asdiwal ter seu nascimento acelerado por “meios sobrenaturais”. A segunda visita nos faz pensar em casos como o de Villas-Boas.
E o que dizer sobre a última viagem de Asdiwal, empreendida ao subterrâneo? Podemos citar, dentre tantos relatos colhidos a respeito, o caso da pianista Luli Oswald, que não se trata propriamente de uma viagem ao subterrâneo mas merece ser citado pelas semelhanças intrínsecas a esse tipo de representação mitológica. Aconteceu na noite de 15 de outubro de 1979, quando Luli e um amigo de seus filhos passavam de carro pela praia de Jaconé, com destino a Saquarema, no litoral do Rio de Janeiro. Ambos avistaram um grupo de discos voadores que os perseguiam. Uma das naves que sobrevoava o mar arrebatou-os por meio de um feixe de luz e ambos foram submetidos a exames numa espécie de sala de operações. Luli pôde então se comunicar com os tripulantes. Segundo sua descrição, tinham a altura de uma criança de 13 anos, pele cinza, pés de pato, nariz longo e orelhas semelhantes as de um rato. Disseram a Luli que vinham de um mundo localizado no interior da Terra e que se comunicam com a superfície através de um túnel sob o Mar da Patagônia.
Percebemos ao longo desse estudo a persistência de fenômenos similares, reveladores de uma tensão social que se manifesta por meio dos mitos. Não devemos, entretanto, incorrer no erro de generalizar tão ampla temática. As questões historico-antropológicas levantadas não negam a validade de interpretações anteriores, mas acrescentam uma nova visão e apontar os caminhos. Como disse Norbert Elias, “a Sociologia deveria nos ajudar a entender melhor e a explicar o que é incompreensível em nossa vida social”. Essa tarefa se torna mais complexa quando o assunto é o Fenômeno UFO, que ultrapassa todas as categorias inconscientes e sociais conhecidas. O mito proclama uma nova situação cósmica ou de um acontecimento primordial. É sempre a narração de uma criação, onde se conta como é que qualquer coisa foi efetuada, gerada e começou a ser existente. É por isso que o mito é solidário da Ontologia: só fala das realidades, do que aconteceu realmente, do que se manifestou plenamente.