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As ?transações? de Trigueirinho

Cláudio Tsuyoshi Suenaga
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O que ele tem para nos contar?
Créditos: Arquivo UFO

José Hipólito Trigueirinho Neto, conhecido simplesmente por “Trigueirinho”, exerceu diversas profissões antes de sua bem sucedida carreira de escritor, líder de seita, mentor espiritual, guru, profeta e “contatado”. Foi gerente de hotel, dono de restaurante, radialista e, o que é mais notório e significativo, cineasta, aliás, de reconhecido talento. Estreou no cinema em 1950, dividindo com Oswaldo Kathalian a função de assistente de direção do que seria o primeiro filme da Companhia Cinematográfica Vera Cruz: Caiçara, produzido por Alberto Cavalcanti e com argumento e direção de Adolfo Celi. Nomes aclamados internacionalmente e técnicos europeus vieram ao Brasil e realizaram um filme denso e altamente profissional, elevando o padrão do cinema brasileiro à época. A filmagem, no entanto, foi conturbada, conforme registra o pesquisador de cinema Antônio Leão da Silva Neto em seu alentado Dicionário de Filmes Brasileiros [2002]. Entre outros problemas, uma das locações, em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, não dispunha de energia elétrica, obrigando que para lá fossem transportados gigantescos geradores.

Enquanto fazia sua aprendizagem teórica no Centro de Estudos Cinematográficos do Museu de Arte de São Paulo (MASP), Trigueirinho colaborava na roteirização de documentários e freqüentava a casa de Cavalcanti em São Bernardo do Campo, onde, aos domingos o grupo composto por Caio Scheiby, Múcio Porfírio Ferreira, José Cañizares e o crítico cinematográfico e realizador paulista B. J. Duarte (1910-1995) promovia animadas discussões sobre os rumos do cinema brasileiro.

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Agraciado com uma das bolsas de estudos oferecidas pelo Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro para o Centro Sperimentale de Cinematografia, em Roma, juntamente com César Mêmolo Júnior – na comissão de seleção, além dos “padrinhos” Cavalcanti e B. J. Duarte, estavam o poeta Vinicius de Moraes e Edoardo Bizarri, diretor do instituto –, Trigueirinho permaneceria na Itália de 1953 a 1958, excedendo os três anos de duração do curso de direção. Conforme o pesquisador da Cinemateca Brasileira José Inácio de Melo Souza, lá participou do documentário Nasce um Mercatto, escreveu argumentos para Mario Soldatti – Roma de Notte – e Giorgio Bassani – Estate Romana – e roteirizou Epoca Bella, de Luigi Magni. Esses últimos três projetos, no entanto, nunca foram concretizados.

Em 1956, ainda por intermédio de Cavalcanti, participou como argumentista e assistente de câmera do episódio Ana – roteirizado por Cavalcanti e dirigido por Alex Viany – da produção germano-brasileira Rosa dos Ventos [Die Windrose], coordenada por Joris Ivens e rodada nos estúdios da Cinematográfica Maristela. O historiador e professor de cinema Máximo Barro escreveu a propósito que “O Plano do Partido Comunista era fazer um filme internacional, filmado em cinco países com a mesma temática, a fome, logicamente menos na União Soviética. A supervisão era de Joris Ivens. Consta que Brecht participava anonimamente, tanto que sua esposa, Helena Weigel, era a introdutora de todas as histórias. No Brasil, a produção tinha como participante técnico a Cinematográfica Maristela. Mário Audrá Jr. recebia do Partido Comunista Brasileiro, em dólares, através de Jorge Amado. A direção da parte brasileira fora confiada a Cavalcanti, que, por motivos pouco explicáveis, repentinamente partiu para a Europa, assumindo em seu lugar Alex Viany. É indiscutivelmente seu melhor trabalho. Cru, direto, sem concessões. A fotografia de Chick Fowle antecede em muitos anos o que veremos em Vidas Secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol. Nunca foi exibido comercialmente no Brasil. Pena, porque é um filme que muito nos honra artisticamente”.

Filmagens em Salvador — Os trabalhos italianos e a conquista em 1958 do Prêmio Fábio Prado de melhor roteiro, por Bahia de Todos os Santos, dividido com o diretor Walter Hugo Khouri (1929-2003) – de A Ilha –, animaram Trigueirinho a retornar ao país para a realização do filme. No segundo semestre, enquanto trabalhava para Desidério Gross na Rex Filme, Trigueirinho candidatou-se ao financiamento do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), enviando à instituição, em 04 de setembro, o roteiro, os planos de filmagem, o orçamento e as fichas técnica e artística. A produção previa cinco dias de preparação, 50 dias de filmagens em Salvador e 12 no interior de São Paulo. No elenco, poucos atores profissionais: Lola Brah, Araçari de Oliveira e Sady Cabral, aos quais se juntariam Eduardo Waddington, Antonio Vitor e Geraldo Del Rey.

A razão disso, como justificou Trigueirinho, era que a “atração” e o “poder” que Bahia de Todos os Santos exerceria sobre o público não estava na popularidade do elenco, e sim “nos elementos narrativos da Bahia, nos verdadeiros tipos colhidos nas ruas, na própria cidade de Salvador e arredores. Esses tipos trarão ao cinema nacional uma nova contribuição. Meninos, negros, soldados, as gentes do porto, todos comporão o afresco descrito no ‘roteiro técnico’ anexo, que tem seu principal ponto de apoio no elemento ‘autenticidade’. Seria um enorme prejuízo para a fita, a inserção de atores habituados com certo tipo de representação, distante do realismo, entre os típicos personagens daquele estado do norte”.

Contrapondo-se à tendência neo-realista ou a qualquer um dos diretores dessa escola, Trigueirinho declarou a Ely Azevedo que “o filme neo-realista reconstitui acontecimentos sociais ou vivências individuais, com um caráter de cotidiano mesmo, como que sob o impulso natural da vida”, ao passo que Bahia de Todos os Santos “foi inteiramente planificado a priori como filme de ficção. Não há um plano que não tenha sido previsto”. Trigueirinho qualificava-o como um “documento social de inestimável valor sociológico, pois capta o homem baiano em suas raízes ontológicas, indicando o problema da miscigenação”.

Uma das cláusulas para a concessão do empréstimo previa a obediência às “normas morais e culturais” – ou seja, censura – impostas por uma tal de Confederação das Famílias Cristãs, a quem Trigueirinho teve de ceder em carta de 09 de junho de 1959: “Desnecessário seria dizer que, sendo a minha intenção realizar um documento cinematográfico limpo, despido de qualquer intuito menos limpo, capaz de vir e representar, em verdade, uma película de cunho altamente social, estou eu disposto a exibir, de acordo com a sugestão da Confederação das Famílias Cristãs, os rushes [Tomadas], na proporção em que a fita for sendo rodada”. As filmagens em Salvador ocorreram entre novembro de 1959 e janeiro de 1960. O drama centrava-se nas desventuras de um grupo de marginais do cais da cidade de Salvador, num passado recente, que a maioria dos críticos identificou como o fim dos anos 30, em plen
a ditadura Vargas, no Estado Novo.

Cineasta promissor — As figuras centrais são Tônio [Jurandir Pimentel], um mulato em constante atrito com a família praticante do candomblé – sua avó é mãe de santo e em uma das primeiras cenas o terreiro é invadido pela polícia – e sua amante inglesa, Miss Collins [Lola Brah]. Tônio pratica pequenos furtos e contrabando com seus companheiros, ao mesmo tempo em que se filia aos portuários. Durante uma greve sufocada pela polícia, subtrai o dinheiro da amante para que um sindicalista perseguido possa fugir de Salvador. Insatisfeita nos planos sentimental e sexual, ela denuncia Tônio, comprometendo-o politicamente. Ele está só e vai para a prisão. Quando retorna ao seio da família, seu drama íntimo permanece. O dilema do grupo está no porvir, o que cada um fará de sua vida. Segundo a leitura do jornalista, crítico de cinema, pesquisador, roteirista e diretor de vídeos João Carlos Rodrigues, a cor da pele de cada um define os destinos: o Branco [Geraldo Del Rey] tentará a vida no Rio de Janeiro como desenhista; um negro será morto na repressão policial à greve; um cabra se casará com uma moça grávida de outro e o mulato Tônio ficará paralisado, sem forças para abandonar a amante ou sair de Salvador.

crédito: David

Para Trigueirinho, a filmagem seria em Salvador pela “atração” e o “poder” que a Bahia de Todos os Santos exerce sobre o público

Para Trigueirinho, a filmagem seria em Salvador pela “atração” e o “poder” que a Bahia de Todos os Santos exerce sobre o público

Os problemas dos marginais, adolescentes pobres e desempregados são retratados com impiedade e frieza. A seara não é marxista, mas antes de tudo católica, como se evidencia no processo purgativo, no desfecho purificatório e na estética barroca. Em antítese, Trigueirinho não se declarava católico nem adepto dos cultos afro-brasileiros, mas manifestava interesse pelo budismo. De qualquer forma, o ambiente místico não foi devidamente nem suficientemente explorado, ficando circunscrito à sugestão das cenas. Ao que parece, essa idéia só lhe ocorreu bem mais tarde, quando já havia abandonado o cinema para apostar numa área bem mais promissora e rentável em termos de Brasil: a religião.

Na avaliação de José Inácio de Melo Souza, “Trigueirinho Neto surgiu no cenário cinematográfico como uma revelação promissora para críticos cinematográficos, professores, produtores, que apostaram na sua carreira. Por uma década se criou esperanças num cineasta dentro de um grupo, que grosso modo podemos identificar com a ‘herança de Cavalcanti’. Os estudos no Centro Sperimentale deram-lhe um cabedal cultural, afinado com as mais modernas tendências cinematográficas – o mundo ‘rosselliniano’ –, sem que precisasse para isso desfraldar bandeiras de lutas – o nacional-popular em política ou o neo-realismo em cinema ou as duas juntas”.

Comunidade espiritual — Pelas próprias palavras de Trigueirinho, “esses homens – Cavalcanti e Rossellini – contribuíram para que eu me dedicasse de corpo e alma ao cinema. Mas, se sua linguagem fosse reconhecida em minha fita, isso significaria falta de perfeita assimilação de minha parte. Cultura é exatamente aprender o máximo, manifestando-se em seguida através de recursos próprios. Seria absurdo imitar Rossellini e Cavalcanti, já que, no que se propuseram exprimir, eles foram completos”. “Durante a produção do filme”, prossegue Melo Souza, “abriu-se uma nova perspectiva para alguns críticos, futuros cineastas, em Salvador, para quem a Bahia seria uma fonte de inspiração e de esforço de correção de percurso. Tratava-se agora de expressar por meio de uma mise-em-scène, dentro de uma política cinematográfica que Trigueirinho Neto tinha mostrado como factível. Por fim, aparece um ano depois, com a decepção advinda de uma profissionalização abortada. Trigueirinho Neto promete a filmagem do romance de Mário de Andrade, Amar, Verbo Intransitivo, mas parou num único longa”.

Trigueirinho abandonou definitivamente a carreira de cineasta deixando vários pontos de interrogação. Qual teria sido o seu papel no Ciclo Baiano de Cinema e do Cinema Novo? Que tipo de dúvidas ou inquietações de fundo religioso ou existencial o levaram a um misticismo cada vez mais exacerbado, até o ponto de internar-se em uma comunidade e autoproclamar-se guru? Em sua jornada de busca interior por diversos países, Trigueirinho cruzou pelo caminho com “mestres” espirituais e esotéricos tais como Paul Brunton, Angela La Salla Batá, Dorothy MacLean e Sarah Marriott. Após visitar a Findhorn Foundation, no norte da Escócia, fundada em 1962 e muito popular nos anos 70 por produzir hortaliças gigantes numa área litorânea, Trigueirinho resolveu fundar uma comunidade espiritual no Brasil baseada no mesmo modelo e princípio, o que não demorou a fazer, graças à generosa “doação” de terrenos por parte de alguns de seus seguidores. Assim, no início dos anos 80, surgia a Comunidade de Nazaré, Centro de Nazaré, ou apenas Nazaré no município de Nazaré Paulista, distante apenas 68 km da capital, na porção sudeste do estado de São Paulo, encravada na Serra da Mantiqueira, a uma altitude que ultrapassa 1.150 metros nos pontos mais elevados, e inserido na região denominada Entre Serras e Água.

Na Fundação Findhorn, Trigueirinho trocou idéias com os líderes Eileen e Peter Caddye e conheceu Sarah Marriott, antiga residente da comunidade. A convite de Trigueirinho, Sarah veio ao Brasil e passou um mês em Nazaré, para onde se mudaria definitivamente em 1983. Em 1987, Trigueirinho resolveu montar uma nova comunidade espiritual, desta vez no interior de Minas Gerais. Alguns integrantes de Nazaré o acompanharam enquanto outros decidiram permanecer fiéis à proposta original de Nazaré, agora sob a orientação de Sarah, que faleceu nos Estados Unidos em 02 de novembro de 2000, aos 95 anos de idade. O Centro de Nazaré continuou existindo sob a direção de um conselho gestor.

Durante sua estada na Argentina, por ocasião das conferências proferidas naquele país, Trigueirinho diz ter estabelecido contato com um ser que mudaria o rumo de sua vida dali por diante. Esse ser, de nome Sarumah, assumia a aparência de Angel Accoglanis, famoso médico de Buenos Aires de origem grega, falecido em 1989 em circunstâncias misteriosas. Internamente, no entanto, Sarumah apresentava-se como um mestre interdimensional de origem extraterrestre, mensageiro da cidade intraterrena de Erks.

Contatos com ETs em Erks — No plano material, essa cidade metafísica se projetaria visivelmente, em determinadas ocasiões, nos arredores de Capilla Del Monte, na província de Córdoba &ndash
; palco freqüente de aparições ufológicas – para onde Sarumah ou Accoglanis costumava levar pessoas e grupos a fim de contatos e cerimônias noturnas com as entidades de Erks. O contato de Trigueirinho com os ETs de Erks teria se dado da seguinte maneira, conforme revelou em entrevista a Eduardo Araia e Fátima Alonso, da revista Planeta [Editora Três, nº 201, junho de 1989]: “Eu permaneci na superfície do vale físico de Erks, assisti à projeção da cidade intraterrena no horizonte; e as espaçonaves que se materializavam ora eram de outras galáxias que estavam fazendo manobras na área, ora eram espaçonaves na área, ora eram espaçonaves da própria cidade de Erks, que afloravam, se materializavam, ou saíam das montanhas”.

Sarumah teria “iniciado” Trigueirinho em uma cerimônia noturna e entregado a ele um extenso dossiê com documentos e fotografias relacionados à grande crise que adviria com a inclinação do eixo planetário e a conseqüente “transição planetária a um novo patamar consciencial e vibratório”. Uma operação de evacuação e salvamento já estaria a postos, inclusive em caso de guerra nuclear. Trigueirinho diluiria as informações do tal dossiê nos diversos livros que escreveu, em especial na trilogia Erks: Mundo Interno, Miz Tli Tlan: Um Mundo que Desperta e Aurora: Essência Cósmica Curadora.

Fraternidade de Miz Tli Tlan — Repisando a senda e insistindo na sina de outros contatados, Trigueirinho passaria a proferir conferências no Brasil e Argentina seguindo uma linha radicalmente diferente das anteriores, abordando temas como civilizações extra e intraterrenas, código genético, abertura do consciente direito, irdin [Língua-mãe universal], polaridade feminina, transmutação e transmigração. A Fraternidade de Shamballa cederia lugar à Fraternidade de Miz Tli Tlan. Entrementes, Trigueirinho lançaria as bases daquele que seria o maior centro espiritual comunitário do Brasil e da América do Sul: Figueira, nome da primeira fazenda que deu início à comunidade, localizada na área rural da cidade de Carmo da Cachoeira, sul de Minas Gerais, no Circuito das Águas, nas proximidades de Varginha. Ao longo de mais de uma década, Figueira transformou-se em um gigantesco complexo, sempre se expandindo por “extensões” ou núcleos em São Paulo e Belo Horizonte. Habitado por um núcleo de dezenas de residentes fixos, e por um número variável de hóspedes que permanecem por períodos mais ou menos determinados nas suas dependências, por ali já passaram milhares de pessoas, prévia e rigorosamente selecionadas mediante questionários e entrevistas feitas por colaboradores espalhados por diversas regiões do Brasil.

Civilização intraterrena — Precavendo-se contra o Apocalipse, a comunidade procurava assegurar uma crescente auto-suficiência em recursos energéticos-financeiros-alimentícios, sem descuidar de uma profunda integração com a natureza circundante. Para tanto, recorria-se à mão-de-obra “voluntária” – um eufemismo politicamente correto para trabalho não-remunerado – dos que freqüentavam suas dependências. Nas construções e áreas comuns da comunidade, cultivava-se uma vida de trabalho, silêncio, oração e estudos místicos sob um ritmo altamente regrado e nutrido por uma dieta vegetariana restrita. As atividades comunais em geral se iniciavam nas primeiras horas da manhã e se estendiam pelo resto do dia, alternando trabalho com intervalos de repouso e com palestras regulares de Trigueirinho e dos demais prosélitos próximos.

Em Aurora: Essência Cósmica Curadora, são estampados um total de nove fotos, distribuídas pela capa, contracapa e orelha. Na capa vê-se uma foto realizada por Trigueirinho em Aurora, “uma civilização intraterrena que auxilia o homem em sua integração com o mundo em que vive e com a dimensão extraterrestre, levando-o a ultrapassar os limites da raça que habita a superfície do planeta”, conforme o próprio, ensaiando para o que seria um extravagante argumento de filme de ficção científica.

Os demais mostram três marcas deixadas no solo de La Aurora, pelo tripé de pouso de uma espaçonave; uma marca deixada no solo de La Aurora por uma espaçonave intergaláctica onde se deitam enfermos, com os braços abertos, para terem seus corpos reequilibrados; um rombo feito por explosão subterrânea em um ombu [Árvore gigantesca, típica do Uruguai], durante uma noite de 1976; um campo de energia sobre a área que cobre uma civilização intraterrena; as águas mudando de lugar, ou seja, transmigrando; um bosque de eucaliptos na granja La Aurora, dos quais as naves retiram clorofila, que é transferida para outra dimensão, transformando-a assim em um precioso alimento para os corpos; vastidão de La Aurora, estância que se encontra sobre a civilização intraterrena Aurora, a qual se mantém ainda secreta; vista de La Aurora, diante da gruta de pedra erigida a pedido de um ser que era conhecido na Terra como Padre Pio, e que hoje se tornou curador intraterreno de Aurora, onde brotarão, futuramente, no plano físico, nascentes de água radioativa destinada à cura; pequena casa construída pelo guardião de La Aurora a fim de, em clima de tranqüilidade, encontrar-se com os seres intraterrenos que para ele ali se materializa quando é necessário.

Os intraterrenos seriam “seres de avançado estágio evolutivo que conseguiram penetrar no reino das energias e trabalham pelo progresso dos mundos”. Tais seriam os casos “dos habitantes de Aurora, Erks e Miz Tli Tlan, que colaboram com a evolução da civilização da superfície da Terra, agindo a partir dos níveis subjetivos da vida e, também, diretamente nos planos materiais”. “Um ano depois da explosão do ‘ombu’ ”, afirmou Triguerinho, “espaçonaves começaram a deixar marcas de sua presença no solo da estância La Aurora. As pessoas que se aproximavam dessas marcas sentiam melhorias físicas ou o retorno da saúde”. As espaçonaves “que trabalhavam ou que trabalharão na recuperação do planeta”, teriam “200 metros de diâmetro, no caso das que pousam no solo”.

Novos Sinais de Contato estampa na capa uma foto de Juan Mural mostrando, na visão imaginativa de Trigueirinho, “Espaçonaves intergalácticas em missão na região de Salto, no Uruguai, sobre a civilização intraterrena de Aurora. Acima da linha do horizonte vê-se o traço avermelhado que corresponde ao movimento de 24 naves menores, que são veículos observadores; à esquerda, na linha do horizonte, pequenas naves em operação; à direita, levitando, uma nave que é uma manifestação do coordenador geral da área, o intraterreno que desenvolve a cura cósmica no planeta Terra”. Na contracapa, uma foto do próprio Trigueirinho de uma “nave de Shikhuma”.

crédito: Arquivo UFO

Trigueirinho diz que seres intraterrestres estariam se manifestando em regiões rurais do Uruguai e chegou a afirmar ter tido contatos com eles

Trigueirinho diz que seres intraterrestres estariam se manifestando em regiões rurais do Uruguai e chegou a afirmar ter tido contatos com eles

Criação de uma nova raça — A Quinta Raça traz na capa a foto de duas espaçonaves sobrevoando uma região que estava “sendo preparada para os tempos futuros”. O livro fala da nova raça, “a quinta”, que “viverá na superfície da Terra após os fatos globais que a transformarão”. Relata-se o “final de uma civilização e o início de outra, tendo como protagonistas os Conselhos Interplanetários, naves-laboratório e os seres que se encarregam da evacuação dos que vão ser transladados para outros mundos”. A quinta raça já tinha se iniciado e era “formada daqueles que despertaram para o novo acontecer, mudando seus conceitos e condutas, e integrando-se às tarefas repartidas pelas hierarquias”. Hitler também planejava a maior “ação de limpeza” que o mundo já vira. Seu propósito era produzir uma nova raça de pessoas superiores, um povo que seria livre da miscigenação e da impureza racial, que, na sua opinião, enfraquecia a Alemanha. Ele queria criar uma mutação na raça ariana para desenvolver poderes superhumanos de concentração e de visão clarividente.

Mais detalhes da assustadora “eugenia” de Trigueirinho encontram-se em seu livro Os Jardineiros do Espaço, cuja capa traz a foto de um “grande círculo luminoso, manifestação de seres evoluídos nesta época de contatos mais próximos com o homem da superfície da Terra”. Os casos de infertilidade, conforme explicou Trigueirinho, “eram fruto de uma seleção natural sábia e necessária para que haja mais ordem nos nascimentos físicos e maior adesão da essência cósmica encarnante ao plano evolutivo em geral. A vontade pessoal do homem desconhece os propósitos dessa obra de seleção e interfere nela desastrosamente, até mesmo criando seres em laboratórios terrestres”. No futuro, garante Trigueirinho, para alegria de Joseph Mengele, “os Conselhos Suprafísicos determinarão os nascimentos no plano material, levando em conta os ciclos das transmigrações interplanetárias ou intersistêmicas; a humanidade da superfície despertará para essas operações supremamente ordenadas, e só procriará em cooperação com elas e com os planos evolutivos universais”.

E a velha humanidade, para onde iria? “Aquela parte da humanidade que não está aberta para as novas leis planetárias, poderá ser encaminhada para diferentes regiões do universo, onde se sentirão mais à vontade”. Que quis dizer Trigueirinho com a cínica expressão “se sentirão mais à vontade”? Que o lugar da sub-raça – os não seguidores de sua seita –, é o exílio da própria Terra, em regiões inóspitas, versões new age do Gulag? A Hora do Resgate anuncia, para alívio e regozijo dos seguidores, que “a hora já soa e nossas naves estão a postos para o resgate final. Os oceanos lavarão grande parte das terras e cobrirão o que estiver contaminado. Nosso Comando está presente e dirige a atual operação-resgate em seus mínimos detalhes”. E quem “promove a liberação do homem e sua união com a luz da Mônada, bem como a absorção da própria Mônada na Luz do Supremo”, é ninguém menos do que “Ashtar Asghran” – corruptela de Ashtar Sheran?

Fraudes apontadas pelos ufólogos — Certamente, o cinema lhe proporcionou os conhecimentos técnicos para que viesse a fraudar as fotos de supostos discos voadores e seres extraterrestres que ilustram seus livros, já que, como asseveram ufólogos e especialistas em análises fotográficas, nenhuma delas é autêntica. O engenheiro eletrônico e ufólogo Claudeir Covo, co-editor da Revista UFO e fundador e presidente do Instituto Nacional de Pesquisas de Fenômenos Aeroespaciais (INFA), depois de proceder as devidas análises, concluiu que “nos vários livros do senhor Trigueirinho, absolutamente todas as fotos que mostram luzes ao longe foram obtidas através de processos elementares de trucagem, ora com tempo de exposição longo, ora com movimentação proposital da câmera fotográfica, ora as duas coisas juntas. Essas luzes, muitas vezes, não passam de simples luminárias de ruas ou de simples fontes de luz conhecidas, ou seja, ridículas fraudes fotográficas”. Daí se depreende, na acepção de Covo, que o conteúdo dos livros também é uma farsa, não passando de “repetição de centenas de coisas absurdas e fraudes que já escreveram ou fizeram a respeito da Ufologia, ou o que representa um desejo incontido de alguém, de como gostaria que nosso planeta fosse” [Veja UFO 16, agosto e setembro de 1991].

Ao ver uma foto que se encontra no livro Erks: Mundo Interno, mostrando a suposta silhueta de um tripulante à direita e duas figuras femininas à esquerda, uma das quais “saudando e a outra sentada”, materializadas “através da manifestação do campo energético do plano físico”, Covo disse que ficou “na dúvida se ria ou se chorava”. “As outras oito fotos de naves venusianas e jupiterianas, publicadas no mesmo livro, mostram apenas luzes com movimentação da câmera fotográfica. Há vários meses estou tentando falar com Trigueirinho e fazer as análises dos originais e negativos dessas fotos, mas seus asseclas não têm permitido”, completou [Planeta Especial: UFOs, Editora Três, 1987]. Segundo Covo, o fato de alguém como Trigueirinho conseguir vender edições e mais edições de seus paupérrimos livros e arrebanhar cada vez maior número de adeptos indicava que a Ufologia ia muito mal e estava negligenciando suas funções de orientar as massas quanto ao assunto.

O ufólogo Marco Petit, presidente da Associação Fluminense de Estudos Ufológicos (AFEU) e também co-editor de UFO, aferiu que “todas essas fotos não passam de imagens geradas mediante movimentação da máquina fotográfica em relação às fontes luminosas convencionais ou destas em relação à câmera utilizada, durante exposições prolongadas. Um truque até bem simples e infantil”. Para Petit, as informações “recebidas” por Trigueirinho dos alegados habitantes de Erks, “não ficam muito atrás das falsas fotografias. Completamente leviana e desprovida de qualquer fundamento, sua história pouco se sustenta senão no seio de multidões ignorante
s da verdadeira situação ufológica e incautos carentes de espírito que buscam respostas às suas indagações interiores em qualquer seita ou movimento dirigido por alguém que lhes pareça preencher o vazio ou ser um pouco confiável”. Era estupefaciente, arrematou Petit, que uma pessoa que se dizia em contato com membros de civilizações superiores, extremamente avançadas, só conseguisse “repassar à humanidade algumas noções do que alega ter aprendido em seu suposto contato, noções essas que encontramos fartamente distribuídas em inúmeros livros sobre teosofia, esoterismo, religiões etc, mas distorcidas pelo próprio e impregnadas de uma dose de um pieguismo barato” [Veja UFO 16, agosto e setembro de 1991].

crédito: Imagens de arquivo

Três dos livros mais conhecidos de Trigueirinho, que tratam da questão extra e intraterrestre pelo ex-cineasta e escritor

Três dos livros mais conhecidos de Trigueirinho, que tratam da questão extra e intraterrestre pelo ex-cineasta e escritor [Foto]

Desmascarar e denunciar fraudes — A obstinação e a devoção com que as pessoas aderiam ao movimento e a maneira como o defendiam eram outros aspectos preocupantes e lamentáveis para o editor da Revista UFO, A. J. Gevaerd, que dedicou edição 16 da publicação para desmascarar e denunciar as fraudes de Trigueirinho. Gevaerd reportou que, em conferências realizadas nas mais diversas cidades, deparava-se com grupos ligados ao guru “defendendo-o e às suas declarações com seu próprio sangue, se fosse preciso, sendo notável como usavam argumentos em seu favor, para, num esquema de alienação total da realidade, defenderem uma causa absolutamente suspeita e insustentável logo no início”, lamentou Gevaerd. “Tudo na vida é discutível, menos os tais ‘ensinamentos’ do senhor Trigueirinho, já gurulizado a tal ponto que alguns de seus mais calorosos fãs, apelidados de ‘trigueiretes’, o chamam até de santo ou o reconhecem às vezes como uma reencarnação, às vezes como um discípulo de Jesus”.

Trigueirinho continuava arrebanhando milhares de fiéis que, por meio de seus livros, chegavam a formar grupos que se dedicavam a propalar seus ensinamentos ou pregações. Nada mais do que uma mistura barata de literatura mística e esotérica devidamente distorcida para atender seus propósitos, ou seja, continuar arrebanhando milhares de fiéis para que comprassem mais livros, formassem novos grupos e propalassem seus ensinamentos, que, por sua vez, continuariam atraindo mais incautos, exatamente como no esquema perpetrado pela Cultura Racional e outras seitas. O ex-cineasta manipulava os fiéis com a mesma habilidade com que manipulava os negativos das suas fotos. De qualquer forma, a adesão de tantos desavisados a alguém que se auto-intitulava guia de uma humanidade à beira do Apocalipse, não surpreendia no contexto em que o mundo se encontrava.

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