Personalidade polifacética, Aladino Félix, que se autointitulava O Messias do Povo Judaico e alegava manter contatos com extraterrestres de Júpiter, valeu-se de múltiplos heterônimos para levar adiante seu projeto de dominação mundial em cumprimento às profecias bíblicas e de Nostradamus, que ele mesmo traduziu. Ocultando-se sob os pseudônimos e heterônimos de Dino Kraspedon, Sábado Dinotos e Dunatos Menorá, escreveu livros como Contato Com os Discos Voadores, clássico da literatura ufológica traduzido para a língua inglesa, A Antiguidade dos Discos Voadores, que se antecipava a Erich von Däniken, Mensagens aos Judeus e O Hebreu, que reforçavam seu papel de salvador — isso tudo além de chefiar, no final da década de 60, um grupo terrorista de extrema direita, o primeiro naquele conturbado período da história no Brasil, mergulhado na ditadura.
Preso por engano pelo DOPS — famigerado órgão da repressão política do Regime Militar — e outros órgãos, foi torturado, conseguiu escapar e acabou recapturado. Depois de cumprir pena, desapareceu no ostracismo, sem que suas megalomaníacas pretensões se tornassem realidade. Essa inacreditável história, porém, não termina aí: em 1994, nove anos depois de sua morte, um bancário aposentado de 90 anos de idade assumiu a identidade de Dino Kraspedon, renegando, porém, qualquer ligação com Dinotos, e passou a apresentar-se em congressos e simpósios de Ufologia como sendo o primeiro brasileiro a manter contatos com os extraterrestres. Acabou sendo desmentido pela Revista UFO [Veja edição 106, agora disponível na íntegra em ufo.com.br].
Conforme este autor tentava decodificar os significados linguísticos dos pseudônimos usados pelo suposto contatado, foi sendo levado, pouco a pouco, a revisitar uma antiga e problemática história, edificada em um entroncamento em que se cruzam uma infinidade de variantes. Em pesquisas realizadas no Arquivo do Estado de São Paulo, recém-liberados documentos do DOPS contêm várias pastas com centenas de páginas de processos e relatórios do órgão e do então Serviço Nacional de Informações (SNI), atual Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), relacionados a Aladino Félix. A pesquisa deste material levou a inúmeras direções, permitindo, mas não sem muita pesquisa, revelar uma das mais fantásticas histórias da história da Ufologia Brasileira.
Ufologia e terrorismo
Aladino Félix teve uma trajetória meteórica no meio ufológico, indo de contatado influenciado por George Adamski a líder de um grupo sectário sui generis, de cunho ultradireitista e messiânico, responsável por cerca da metade de todos os principais atentados políticos ocorridos em São Paulo em 1968. Esta mescla de Ufologia, contatismo e crimes durante a Ditadura não é algo que se vê comumente, mas ocorreu no Brasil por conta de Félix. Os atentados que ele e seu grupo cometeram, errônea e convenientemente atribuídos à esquerda, contribuíram sobremaneira para disseminar o clima de agitação e desordem que abriria o leque de justificativas para a implantação de um regime totalitário no Brasil por meio da decretação do AI-5, em dezembro daquele ano.
Ligado a altos escalões do governo militar, Félix insurgiu-se como o primeiro a alertar que um golpe dentro do golpe estava em vias de ser implantado, e a denunciar, junto com seus asseclas, as sórdidas torturas a que foram submetidos nas dependências do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC). A diferença básica entre os demais grupos e o seu reside no fato de que seus objetivos não eram circunstanciais ou partidários, mas evocavam para si interesses superiores que transcendiam atos parciais e limitados. Aladino Félix, o escritor que propalava em seus livros estar em permanente contato com os tripulantes dos discos voadores e se autoproclamava a derradeira encarnação do messias, anunciava, na contramão do tempo, o fim de uma época e o começo da reconstrução da Jerusalém Celeste.
Sétimo filho do casal de portugueses Ernesto Félix e Augusta da Silva Félix, ele nasceu em 01 de março de 1920, em Lorena, interior de São Paulo. A família era humilde e por isso começou cedo a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Seu avô, de origem judaica, costumava ensinar-lhe a Bíblia, lendo, para seu encantamento, passagens do livro sagrado. Sua mãe devotava-se ao catolicismo e conservava com veneração uma imagem de Nossa Senhora. Não suportando as frequentes humilhações a que era submetido pelos seus irmãos e irmãs, fugiu de casa, nunca mais voltando. Ainda menor de idade, serviu o Exército em Piquete, uma cidade próxima, e eclodindo a Segunda Guerra Mundial, serviu na Força Aérea Norte-Americana (USAF). Terminado o conflito, fixou-se em Chicago, onde estudou em uma universidade local, tendo colaborado em pesquisas científicas. Para custear o seu sustento, manteve um pequeno escritório comercial naquela cidade, cuja clientela constituía-se principalmente de brasileiros.
Uma vida arredia e sofrida
Voltando ao Brasil, Félix casou-se em Minas Gerais com Marta, uma moça de Campo Belo, com quem gerou cinco filhos. Naquela cidade foi redator do jornal local, o que lhe proporcionou seus primeiros contatos políticos, vindo a conhecer o então governador de São Paulo, Adhemar Pereira de Barros. Transferindo-se para a capital paulista, começou a ganhar a vida como professor em um colégio de bairro — mas seus exíguos proventos não eram suficientes para sustentar a família em crescimento. Ganhava algum dinheiro como “escritor fantasma” [Que escreve obras que outros assinam], mas sua capacidade literária só se revelaria mais tarde, em decorrência dos acontecimentos de que tomaria parte.
Os dados biográficos citados, fornecidos pelo próprio Aladino Félix em seus livros, praticamente são os únicos conhecidos referentes à sua infância e juventude. Ele nunca falava sobre seus pais, parentes ou irmãos, dos quais estava irremediavelmente afastado. Seu filho Raul só veio a conhecer as irmãs de seu pai quando estas os visitaram em Campo Belo, logo após sua prisão. Fora isso, logo após o casamento, Marta encontrou no meio dos objetos pessoais de Félix uma foto em que aparecia ao lado de um homem muito alto, negro, de quase dois metros de altura. Ao fundo, via-se um navio de guerra coberto de neve. “Minha mãe perguntava que lugar era aquele, o que fazia lá e q
uem era o negro ao seu lado. Mas ele desconversava, até que em certa noite teve um pesadelo. Gritava o nome de Charles. Acordou chorando, apavorado. Aí ele acabou confessando à minha mãe que Charles era o homem da foto”, disse Raul Félix.
Durante cinco anos Aladino Félix conservou em segredo o contato que teve com os tripulantes de um disco voador na Estrada de Angatuba, interior de São Paulo. Eram seres altos, de cabeças raspadas e envergando macacões colantes de nylon
Durante cinco anos, desde novembro de 1952, Aladino Félix teria conservado em segredo o contato que manteve com os tripulantes de um disco voador na Estrada de Angatuba, interior de São Paulo. Eram seres altos, de cabeças raspadas e envergando macacões colantes de nylon. Também manteria oculta a visita que recebera do comandante daquela nave — devidamente disfarçado de pastor protestante — um ano depois em sua casa e os animados colóquios que se seguiram no centro da capital paulista. Pelo que lhe fora explicado pelo tal comandante — que disse proceder de dois satélites de Júpiter, Io e Ganimedes —, as naves deviam sua alta velocidade ao vácuo que formam com o bombardeio de raios catódicos, dispostos em toda sua parte externa, formando um túnel de 45 graus. Tendo o vácuo sempre à sua frente, o disco podia movimentar-se sem qualquer atrito, em qualquer velocidade e em todas as direções.
Nova teoria cosmológica
O comandante do UFO também disse a Aladino Félix que o Sol e os planetas se sustentam no espaço de forma contrária a que a ciência terrena apregoa — o astro rei não atrairia os planetas, mas provocaria uma repulsão, enquanto a Terra seria atraída para um hipotético centro magnético do sistema e sofreria a repulsão da luz. Esta, segundo o ET, repeliria o campo magnético terrestre da mesma forma que o raio de luz de uma estrela seria repelido e sofreria desvio ao aproximar-se do centro magnético do sistema. Se até então a ciência terrestre não encontrara solução para o problema dos três corpos, brevemente, alertara o comandante, haveria maior dificuldade com a inclusão de outro sol em nosso sistema. Aliás, essa seria uma das razões que traziam os ETs até aqui, além daquela de prevenir-nos contra os perigos a que estávamos expostos com o advento da era atômica. Todos os planetas teriam suas órbitas modificadas. A Terra, por exemplo, sob a pressão combinada de dois sóis, iria ocupar a zona onde hoje se encontra o cinturão de asteroides, entre Marte e Júpiter. O evento cósmico é associado à chegada de uma nova era e a de um messias, como se vê neste texto de Félix:
“A Terra começará o seu novo milênio com uma nova fonte de luz a iluminar os seus prados. Muitos desaparecerão para sempre do cenário terrestre, mas um pequeno rebanho restará, obediente às leis de Deus, e não haverá mais as lágrimas que aqui existem. Haverá paz e abundância, justiça e misericórdia. As almas injustas terão o castigo merecido, e só os bons terão guarida. Nesse dia o homem compreenderá o triunfo dos justos, e verá porque Deus não puniu imediatamente os maus. O Sol, que há de vir, será chamado o ‘Sol da Justiça’. O seu aparecimento nos céus será o sinal precursor da vinda daquele que brilha ainda mais que o próprio Sol”.
Ora, o que Aladino Félix ouviu do comandante do disco voador não diferia muito do que George Adamski [Veja artigo nesta edição] e os demais “escolhidos” já haviam propalado. Dos pontos de vista científico e religioso, porém, as revelações de Félix sobrelevam-se às dos demais, o que confere ao livro um caráter de maior importância — transparece em cada linha um sentido salvacionista, de cunho milenarista e messiânico. Escrito em apenas quatro dias, segundo o próprio Aladino, Contato Com os Discos Voadores, lançado pela São Paulo Editora, alcançou relativo êxito e oito meses depois, em novembro de 1957, foi lançada uma segunda edição revisada e acrescida de 34 páginas. No prefácio, Félix assinalou que não esperava que tão em seguida muitos fatos viessem a comprovar a veracidade de suas afirmações. O papel mais significativo era cumprido pela própria ciência oficial.
Lei de Newton em cheque
Aladino Félix havia proposto que a gravidade é um conjunto de fenômenos, nos quais influi poderosamente a atmosfera. Pondo em cheque a exatidão da lei de Newton, retificou que, no vácuo, duas massas diferentes possuem a mesma velocidade de queda porque as massas são atraídas pela componente vertical do magnetismo — e eis que o Sputnik soviético veio demonstrar que ele estava correto. Sugerindo um tanto presunçosamente que os russos se valeram de suas informações, Félix estampou a cópia de uma carta timbrada endereçada pela Academia de Ciências Soviéticas a um de seus amigos cientistas, cujo nome não declinou.
O pseudônimo Dino Kraspedon seria usado por Félix pela segunda e derradeira vez em um livro com 101 páginas que praticamente só os que fizeram parte de seu círculo restrito de amigos chegaram a conhecer. Lançado em janeiro de 1959 pela mesma editora, A Órbita da Terra e a Gravitação afigura-se como um apêndice de Contato Com os Discos Voadores. Ao complementar e aprofundar os dados relacionados à composição das forças do universo, Félix procurou restringir-se às questões pertinentes à órbita da Terra e à gravitação. Propôs novos métodos para determinar a distância da Terra ao Sol e de interpretação dos diversos fenômenos e movimentos do nosso planeta na sua órbita.
Em uma noite de 1959 surgiu um fato inesperado que mudaria definitivamente o curso da vida de Aladino Félix. Nas centúrias de Nostradamus, que já vinha traduzindo e interpretando, pensou ter encontrado uma referência à sua pessoa. Certas passagens mencionariam o seu nome e de seus parentes e falariam de particularidades que só ele mesmo conhecia. Impressionado com tudo aquilo, proferiu uma oração e adormeceu. Naquele estado intermediário de sonolência, projetou-se para fora do corpo e, ao descer as escadas de sua residência, ouviu uma voz que dizia: “Eu sou Jeová dos Exércitos. Dou-te toda a força de que necessitas para lutar e vencer. Vieste ao mundo para reunificar meu povo. Ninguém poderá suportar tua força, porque sou e
u que te dou a força, eu sou Jeová dos Exércitos. Onde puseres tua mão prevalecerás”.
De pseudônimo em pseudônimo
Atônito, viu-se de súbito no quintal e entrou em luta corporal com um homem de elevada estatura, fortíssimo, barbudo, que tentou feri-lo na coxa — para ele, era ninguém menos do que o patriarca Jacó, o mesmo que lutara com um anjo do Senhor e fora por isso chamado Israel. De modo a marcar o ingresso na nova fase, Aladino Félix abandonou em definitivo o pseudônimo Dino Kraspedon e passou a adotar dois novos: Sábado Dinotos, igualmente formado com a radical de seu nome, e Dunatos Menorá. O primeiro livro que escreveu como Dinotos foi um romance histórico intitulado O Hebreu, Libertador de Israel, lançado ainda em 1959 pela São Paulo Editora.
Alguns anos depois, logo após a deflagração do golpe que conduziu os militares ao poder, Aladino Félix anunciava haver terminado de traduzir a Bíblia Sagrada diretamente do texto hebraico-massorético, da qual foi publicada o Pentateuco [Os cinco primeiros livros], com a ajuda do amigo Silvano Doll. Por iniciativa própria, Doll mandou encadernar vários exemplares da obra, distribuindo-os gratuitamente aos amigos. Pelo seu método, Aladino Félix destrincha os elementos gramaticais do antigo hebraico, chamados por ele de “o som perdido”, e aponta os absurdos das traduções anteriores, indo aos extremos do tecnicismo, bem antes de Erich von Däniken, admoestando: “Se nós, homens do século XX, já dispomos de máquinas aéreas, e até já saímos da atmosfera em gigantescos foguetes, não teria Deus outros meios mais evoluídos? Como pretendem os pregadores de religiões convencer-nos de que estão falando sério? E quem poderia aceitar um livro que contivesse tais absurdos como verdadeiros?”
Sub-repticiamente, Aladino Félix identifica a figura do comandante do disco voador com quem se encontrou pela primeira vez em 1952 com o Deus dos hebreus — posicionando-se ao lado do sionismo, afiança ser Jeová um extraterreno. Explicitamente, afirma que os anjos e querubins bíblicos eram alienígenas, antes que isso se tornasse moda. Preparando o terreno para os fatos mirabolantes que em breve iriam eclodir, lançou em 1965, pela São Paulo Editora, sob o pseudônimo de Sábado Dinotos, As Centúrias de Nostradamus, que, como o Pentateuco, foi anunciado como uma tradução direta do texto original, nesse caso do provençal [Uma mistura do francês e português]. Curiosamente, o contatado espanhol Alberto Sanmartin, que, aliás, fora colega de Félix, publicou no mesmo ano o livreto Profecias de Nostradamus Sobre o Grande Rei. É quase certo que o verdadeiro autor da obra era mesmo Aladino.
Uma linguagem doutrinária
A história de Aladino Félix com a Ufologia, como se vê, vai bem além de seu contato. Com seu livro seguinte, A Antiguidade dos Discos Voadores, seu trabalho atingia o ponto culminante. A última obra escrita antes da eclosão do movimento messiânico já em curso, lançada pela São Paulo Editora em março de 1967, sob o pseudônimo de Sábado Dinotos, punha termo à longa série de traduções e reconduzia os leitores ao centro da questão, iniciada 10 anos antes em Contato Com os Discos Voadores. A capa ostentava inclusive o mesmo desenho — um disco voador aproximando-se da Terra. O livro antecipava-se a Eram os Deuses Astronautas?, de Däniken, com a diferença de que procurava convencer, por meio de uma linguagem doutrinária, quase panfletária, que uma guerra entre duas facções contrárias de seres interplanetários, disputando a supremacia sobre o nosso planeta e a humanidade, estaria sendo travada desde os tempos bíblicos.
Uma, representando os ensinamentos do Velho Testamento, teria sua base em Júpiter — não por acaso o local de origem do comandante do disco voador que o contatou. Outra, da qual teria derivado o Novo Testamento, procederia de Vênus — que seria o Lúcifer da tradição hebraica e latina, que se rebelou contra as hostes divinas. A guerra interplanetária, segundo Aladino Félix, seria o motivo principal da preocupação por parte dos governos, forçando-os a manterem sigilo sobre tudo que se relaciona aos discos voadores.
Se nós já dispomos de máquinas aéreas e até saímos da atmosfera em gigantescos foguetes, não teria Deus outros meios mais evoluídos? Como pretendem os pregadores de religiões convencer-nos de que estão falando sério?
A correlação entre Vênus e Lúcifer é conhecida: na tradição cristã representa o opositor de Deus, o anjo decaído, as forças do mal. Aladino Félix, por sua vez, subverteu a simbologia atribuindo tal papel a Jesus, à Igreja e ao cristianismo. Para ele, Buda e Maomé também foram agentes do opositor de Deus, e Cristo teria sido um extraterrestre produzido por inseminação artificial para servir de instrumento aos alienígenas rebeldes. De acordo com ele, o nome Jesus — Jeshua — tem origem no termo hebraico Heshu, significando serpente. Na fuga do Egito, Maria foi levada com ele a bordo de uma nave espacial, a mesma que foi vista nos céus de Roma na época de César Augusto. Manifestando desprezo a outros povos que não o judeu, Aladino identificou-os com os seres nefastos de Vênus. Vejamos seus escritos:
“Outra vez tentaram a conquista, conforme narra o capítulo 6 do Gênesis, mas fracassaram. Nessa época tentaram uma colonização em massa. Vieram amarelos, que povoaram o Oriente, negros que se localizaram na África e se tornaram selvagens, os antigos habitantes das Américas. Vem daí que Heshu, a serpente, era cultuada entre os maias, astecas e incas. Entre os incas, a sua língua se chamava Heshua, que hoje, por causa da corruptela através dos séculos, chamamos quéchua. Ainda é falada na Bolívia e no Peru. Ao escrever o número 666, que designava o chefe do mal, os gregos, com as letras que compõem esse número, escreveram exatamente Heshua”.
Associando a imagem da cruz com o símbolo das forças do mal, chefiadas pelos alienígenas de Vênus, Aladino Félix ressalvou, todavia, que a rebelião não partiu originalmente de Vênus: “Esse planeta apenas aceitou ideias importadas de outros sistemas. A origem do mal foi na constelação do Cruzeiro do Sul, de onde a cruz passou a ser o símbolo de todos
os que aceitaram a sua filosofia”. Por ironia do destino, depois da segunda fuga, Félix foi preso na cidade paulista de Cruzeiro, quando tentava fugir para Minas Gerais.
Conspirações governamentais
Em março de 1968, aos 48 anos de idade, Aladino Félix estava imbuído da crença de ser “O Escolhido” para reunir as 12 tribos de Israel e depois governar os hebreus, único povo que escaparia da destruição preconizada no Apocalipse, enquanto os demais povos pereceriam nas chamas, por serem impuros e se originarem de Vênus, Marte, Saturno e outros planetas de categoria inferior. Ele estava prestes a pôr em execução seu mirabolante plano de dominação mundial. No minúsculo escritório que mantinha no centro da capital paulista, ministrava cursos sobre discos voadores, religião e profecias. Em ocasiões oportunas desviava o assunto e abordava questões políticas. Expedindo conceitos ousados e externando situações reconhecidamente existentes, impressionava qualquer pessoa que se dispunha a ouvi-lo — os que ali compareciam possuíam fortes motivos para nele acreditarem e por isso o defendiam incondicionalmente. De contatado, virou líder carismático.
O cabedal de conhecimentos que desfilava acerca dos mais variados assuntos, principalmente sobre as esferas reservadas de poder, tornava-o um homem ao mesmo tempo temido e respeitado. Com tantas qualificações, passou a ser encarado como um elemento de utilidade em prol da segurança nacional. Realmente conhecia muita gente e conseguia circular em altos escalões das esferas estaduais e federais. Suas palavras eram recebidas com reservas pelas autoridades, porém não eram desprezadas, tanto que, em decorrência delas, foram tomadas providências acauteladoras. De início, atraía seus correligionários com a isca dourada dos assuntos referentes a discos voadores. Cooptados, eram conduzidos e doutrinados politicamente, transformando-se em instrumentos úteis, facilmente manejados pelo Escolhido de Jeová. Em seus contatos com oficiais do Exército, tentava contagiá-los, e graças aos informes que difundia, encontrava certa receptividade. Nele acreditaram, aceitaram suas ideias alarmantes, expostas de forma austera e convincente.
Em tom de realismo fantástico, os jornais começavam a publicar uma série de reportagens bombásticas em 05 de março de 1968, apontando Aladino Félix como aquele que evitara um golpe de Estado em 27 de janeiro — dia em que o presidente Arthur da Costa e Silva mobilizara as Forças Armadas depois de ter recebido um bilhete de um amigo, no qual se denunciava uma conspiração contra o regime. “Eu entreguei o bilhete”, assegurou Félix. O golpe se devia ao fato de o Brasil estar profundamente envolvido na disputa política internacional. Tanto que o presidente Costa e Silva seria assassinado quando viesse a São Paulo, em 25 de janeiro, após o qual sobreviria o tumulto. Precavido por Aladino Félix, o que comprova sua importância, Costa e Silva cancelou sua viagem sem explicar os motivos. E como não veio, o golpe foi transferido para o dia 27 e acabou novamente adiado porque as Forças Armadas ficaram em prontidão.
Sucessão de ataques e explosões
A história viria a comprovar que Aladino Félix não podia ser simplesmente taxado de louco ou irresponsável. Agindo às expensas — ou à revelia — do governo militar, contribuía na gestação do monstro que nasceria nove meses depois e que arrasaria a vida democrática da nação por uma década: o golpe dentro do golpe. Não por acaso, logo a seguir as denúncias alardeadas por Félix, Costa e Silva esteve a ponto de decretar um novo Ato Institucional, o de nº 5. Na segunda-feira, 01 de abril, quarto aniversário do golpe militar, rumores de que o governo iria editar um novo ato ou decretar o estado de sítio invadiram o Congresso.
O país viu uma sucessão de ataques e explosões com a instalação do Regime Militar. Mas, entre um atentado e outro das forças resistentes a ele, a população parecia mais propensa a ver coisas estranhas no céu — a imprensa noticiou que discos voadores rondavam São Paulo e faziam manobras na Vila Mariana. Mesmo assim, os roubos, saques e atentados continuavam, correspondendo a quase metade de todas as principais ações terroristas registradas no período. Antes mesmo de qualquer investigação mais apurada, os agentes da repressão atribuíram a autoria das ações a grupos armados de esquerda. Tal pressuposto, justificável pela confusão em que a opinião pública se lançava com o início da luta armada, norteou os trabalhos até o fim das diligências. Assim, quando descobriram que eram de autoria do grupo liderado pelo messiânico Aladino Félix, custaram a reconhecer a verdade.
A captura de Félix e de parte de seus seguidores, igualmente apaixonados pela questão ufológica, em decorrência do único assalto a banco que praticaram, levou muitos a se precipitarem, atribuindo-lhes os demais atentados. Em 23 de agosto daquele ano, Félix e seus seguidores foram interrogados e torturados no DEIC, e ele confessou sua participação nos atentados terroristas, discorrendo com detalhes sobre as bombas que mandara explodir. Com prisão preventiva decretada, em 28 de novembro, Aladino Félix e seu grupo eram transferidos do DOPS para a Casa de Detenção do Carandiru. Mas o delegado de polícia adjunto do órgão, Benedito Sidney de Alcântara, mal terminara de finalizar um extenso relatório sobre o grupo, em 18 de dezembro, quando recebeu a notícia de que Aladino escapara.
Prisões e fugas espetaculares
À recaptura de Aladino Félix deu-se prioridade total. Duas equipes de investigadores diligenciaram buscas em vários pontos da cidade — seu paradeiro não demorou a ser localizado. Novamente preso, de modo surpreendente, em meados de setembro de 1969, Félix lograva o feito de escapar de novo da prisão para continuar suas atividades tanto políticas quanto ufológicas. As circunstâncias que revestem a fuga permanecem um tanto quanto nebulosas, pois nenhuma das fontes consultadas forneceu detalhes a respeito. Em 23 de setembro, no entanto, um capitão da Aeronáutica prendera Félix na cidade de Cruzeiro, a cerca de 230 km da capital paulista, e em 06 de outubro ele prestava declarações à Operação Bandeirantes (Oban). O procurador militar da 2ª Auditoria de Guerra foi quem ofereceu a denúncia, em novembro de 1969, enquadrando-os nos artigos 21
, 23 e 25 da Lei de Segurança Nacional. Estava encerrada sua carreira de contatado?
O contatado Aladino Félix viveu seus últimos anos praticamente recluso e no anonimato, tentando compreender o fracasso do projeto messiânico. Recebia velhos amigos, trocava ideias, arriscava-se a escrever e traduzir algumas passagens.
Em 31 de março de 1970 Aladino Félix foi condenado a cinco anos de reclusão, mas algum tempo depois o Superior Tribunal Militar (STM) reduziu a pena para oito meses. Assim, em 14 de janeiro de 1972, Félix foi finalmente posto em liberdade, sendo acolhido por seu filho Raul e o restante da família. As agruras da prisão não o abalaram a ponto de desencorajá-lo a retomar sua carreira literária e ufológica. Decorrido pouco mais de um mês, em 24 de fevereiro, já havia finalizado O Impacto do Novo Século, editado no ano seguinte pela Editora Bloch. Uma parte da obra talvez tenha sido redigida no cárcere, mas o mais provável é que um amigo o auxiliara na compilação e organização dos originais dessa que pode ser considerada uma espécie de coletânea autobiográfica. O amigo era o gaúcho Adelpho Lupi Pittigliani, quem, aliás, assina o livro, conferindo-lhe um tom apócrifo.
Um tanto receoso, Aladino Félix não tornou a abraçar com o mesmo ímpeto os assuntos que lhe renderam tamanhas desgraças, enterrando todas as ambições messiânicas que porventura ainda tivesse — seu grupo fora completamente desmantelado. Ele esperava que os fatos obedecessem a um roteiro prévio, cinematográfico, com cada personagem desempenhando um papel predefinido.
Viagem às profundezas do inferno
O processo histórico mostrou-se muito mais complexo, com um repertório inesgotável de possibilidades. Inegavelmente dotado de notável inteligência, de apreciável cultura geral e manifesta agilidade mental que lhe permitia responder perguntas rapidamente, com argumentação convincente, Aladino Félix seria uma mescla de visionário, místico, paranoico, mitomaníaco e profeta. Assim, deve-se reconhecer que com seu forte poder de persuasão e eloquência, conseguia arregimentar homens de todas as camadas sociais, doutrinando-os inicialmente com assuntos referentes a discos voadores e questões religiosas, para depois dominá-los mentalmente, deixando-os à sua mercê e convertendo-os em adeptos e seguidores incondicionais.
Após a derrocada do movimento que preconizou e protagonizou, Aladino Félix nunca mais se refez dessa viagem às profundezas do inferno e seu passado tornou-se um exorcismo doloroso. Poderíamos compará-lo a um gênio ou a um louco, porém, se nos restringíssemos a adjetivações, estaríamos compactuando com os que pretenderam obliterar a dimensão e extensão de seus atos, muitos dos quais executados não a contento, e sim sob a orientação e conivência de setores extremistas, instalados nas sombras, que o convenceram a cumprir um plano metódico de subversão interna. Não seria exagero sustentar que os atentados deflagrados pelo grupo de Félix na maior cidade do país anunciavam o processo de radicalização da violência política que se generalizaria nos anos vindouros.
O contatado Aladino Félix viveu seus últimos anos praticamente recluso e no anonimato, tentando compreender o fracasso do projeto messiânico. Recebia velhos amigos, trocava ideias, arriscava-se a escrever e traduzir algumas passagens. Dentre os poucos a continuar mantendo contatos estavam Silvio Canuto de Abreu e Edgar Alves Bastos. Em novembro de 1985, ano em que o país se redemocratizava, ele se preparava para submeter-se a uma cirurgia de hérnia. Segundo Bastos, um medicamento que tomou levou a complicações. Não resistindo, faleceu em 11 de novembro e foi cremado dois dias depois. Morria o homem que mais agitou a Ufologia Brasileira em todos os tempos.