Apesar de décadas de dedicação, através de nossos radiotelescópios, monitorando o cosmos em busca de algum sussurro de civilizações extraterrestres, não ouvimos absolutamente nada até o momento. Nenhuma mensagem tranqüilizadora de paz universal ou alerta quanto às catástrofes globais, e nem sequer uma receita útil para a construção de uma nave mais rápida do que a luz. Nada! Talvez não haja ninguém lá fora, talvez estejamos apenas nos primórdios da busca por inteligências extraterrestres, ou talvez ainda estejamos sintonizados na freqüência errada. Existe, inclusive, outra possibilidade, conforme Douglas Vakoch, do Instituto de Busca por Inteligência Extraterrestre [Search For Extraterrestrial Intelligence Institute, SETI], em Mountain View, na Califórnia. “Talvez todos estejam escutando, mas ninguém esteja transmitindo nada. Mas pode ser que exista uma civilização audaciosamente jovem, como a nossa, fazendo isso também”, explicou.
Será que devemos mudar nossa forma de pensar e, em vez de mensagens formais, como o SETI tem enviado, deveríamos começar a fazer transmissões mais atraentes, talvez até aleatoriamente? Mesmo assim, como poderemos nos fazer entender por seres sobre os quais nada sabemos? O astrônomo Alexander Zaitsev, do Instituto de Rádio Engenharia e Eletrônica da Academia Russa de Ciências, em Moscou, aceitou o desafio de responder à questão. Ele enviou quatro mensagens aleatórias, desde 1999, direcionando cada uma delas a alguns sistemas estelares próximos. O grupo do astrônomo, um dos poucos a se dedicar a este trabalho, também dispara mensagens de qualquer pessoa às estrelas, mediante pagamento de uma taxa. Não há a formalidade do SETI, que até então não deu resultados. Esta pode ser uma tendência para ficar.
Entediada por não ter obtido nenhuma resposta após tanto investimento e dedicação, a comunidade científica ao redor do SETI está começando a considerar uma nova abordagem nas tentativas de comunicação. Este assunto está na pauta de uma série de debates tendo à frente Vakoch, que defende a mudança. “Tenho mantido a posição de que deveríamos fazer um SETI mais ativo”, disse. É uma abordagem com a qual se preocupa também o ex-astrônomo e autor de ficção científica David Brin, que foi membro da Academia Internacional de Astronáutica até 2006. Ele se demitiu quando a comissão voltou atrás na formulação de um novo protocolo para o estabelecimento do padrão de mensagens, que chamou de “discussão antes de radiodifusão”.
Linguagem interestelar técnica
Desde então, três outros membros do grupo também se demitiram, por motivos semelhantes. Para Vakoch, que tem simpatia com o ponto de vista de Brin, o assunto é muito complexo e importante para ser resolvido de maneira simplista. Se os entusiastas do chamado “SETI ativo” realmente se dedicarem a enviar mensagens informais e aleatórias, a pergunta seguinte é: o que se deverá dizer nelas? Algumas das primeiras tentativas de se comunicar com extraterrestres — incluindo as placas que acompanharam as naves espaciais Pioneer e os registros fonográficos das sondas Voyager, da NASA — foram esforços simbólicos. A resposta mais provável é a pioneira transmissão desenvolvida pelo astrônomo norte-americano Frank Drake, utilizada pelo SETI e enviada em 1974, a partir do Radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico. Era muito leve e continha apenas 210 bytes de informação. “Era uma espécie de cartão de boas-vindas”, afirmou Seth Shostak, astrônomo do SETI. Ele ponderou que “é bom receber um cartão desses, mas será difícil de decifrá-lo se está em um idioma que não se entende”.
Infelizmente, ainda esperaremos muito por uma resposta à mensagem de Drake, já que ela chegará ao aglomerado de estrelas M13, ou Aglomerado de Hércules, daqui a 25 mil anos. Ainda assim, embora a transmissão de Arecibo tenha sido habilmente construída, é difícil até mesmo para um ser humano compreendê-la, pois contém uma série de códigos e símbolos relacionados à nossa composição química e biológica, à história da civilização humana e informações sobre o nosso Sistema Solar. A esperança dos cientistas é de que um extraterrestre bem esperto possa recebê-la e decifrá-la. Mas e se for um ser que não tem a menor idéia de que exista vida no universo? “Esta espécie terá ainda mais dificuldades de compreender a mensagem se nada souber sobre o Homo sapiens”, disse Shostak.
Então, onde poderíamos encontrar alguma afinidade com os ETs para tentarmos estabelecer a “conversa”? Talvez na matemática, uma idéia que remonta há décadas. Vejamos. Em 1960, o matemático holandês Hans Freudenthal propôs uma linguagem interespécies chamada Lincos, que começava com simples demonstrações matemáticas — uma série de sinais sonoros para representar 1 + 1 = 2, por exemplo. Em seguida, ele usou essas relações lógicas para definir e construir conceitos mais complexos de tempo e espaço. Mais recentemente, na década de 90, o matemático Carl DeVito e o lingüista Robert Oehrle, ambos da Universidade do Arizona, fizeram uma tentativa para acelerar a velocidade desse processo, assumindo que os destinatários tenham algum conhecimento de conceitos físicos. No esquema de DeVito, uma vez que alguns símbolos matemáticos e lógicos sejam definidos, oferecemos uma descrição da tabela periódica dos elementos químicos e, logo depois, discutimos energia, de acordo com as temperaturas e características específicas dos elementos, e assim por diante.
Padrões espaciais em duas dimensões
DeVito e Oehrle argumentam que qualquer civilização capaz de receber sinais semelhantes aos nossos deve ter algum conhecimento de física para construir receptores de rádio. Ao mesmo tempo, enquanto a linguagem estelar técnica e as mais recentes tecnologias podem ser ótimas para o envio de informações sobre o próprio Sistema Solar, não é tão fácil sistematizar e remeter idéias mais abstratas, como a natureza humana e a nossa cultura. Como transmitir um sentimento simples como “viemos em paz” para uma espécie alienígena? “Parece que, mais cedo ou mais tarde, será preciso recorrer às imagens”, explicou DeVito. As figuras, fotos e desenhos podem ser a única maneira de repassar a um extraterrestre o que estamos falando e mostrar-lhes como é o nosso mundo. Mas eles precisam pelo menos ter a capacidade de compreender padrões espaciais em duas dimensões, para unir símbolos de significados, como uma criança em um livro ilustrado.
Mas podemos fazer ainda mais do que isso. O filósofo Paolo Musso, da Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma, delineou u
ma forma de combinar a matemática com imagens para descrever um conto moral, usando o processo de analogia. Primeiro, a aritmética é usada para estabelecer sinais que significam correto e incorreto, definidos pelas variáveis certo e errado, que podem ser aplicadas aos desenhos animados, mostrando o que consideramos serem atos bons e maus. Muitas dessas abordagens começam com a contagem, mas o que acontecerá se os extraterrestres desconhecerem nossa noção de aritmética? “Não há nenhuma garantia de que os ETs tenham uma matemática como a nossa”, disse Vakoch. Ele e outros estudiosos sugerem, então, mensagens relacionadas à nossa cultura. “É possível que os ETs desenvolvam um gosto por pinturas de Toulouse-Lautrec ou pelos números monstruosos de Meade Lux Lewis, e então teremos feito a coisa certa”, explicou Vakoch. Em 2008, a NASA enviou uma canção dos Beatles para a estrela Polaris. Já o artista Joe Davis tem procurado outros sons e pistas em duas estrelas próximas.
Temos que fazer uso da matemática em nossas comunicações, mas não há nenhuma garantia de que os ETs entenderão
— doutor Douglas Vakoch, Instituto de Busca por Inteligência Extraterrestre
As mensagens mais longas enviadas pelo russo Zaitsev — Cosmic Call e Teen Age Message —, por exemplo, combinam várias dessas idéias. Cada uma deu origem a um feixe de ondas de rádio enviadas a partir do radiotelescópio Evpatoria, no sul da Ucrânia. Cada bit de informação foi codificado de forma a alternar ligeiramente a freqüência de transmissão, para cima ou para baixo. Um bit pode representar um quadrado preto ou branco, e alguns deles podem ser construídos pixel por pixel, ou ponto por ponto, em uma série de fotos, como a mensagem original de Arecibo. Algumas delas formam um glossário bastante impreciso e com diversos significados — uma dúzia de desenhos pode retratar vários conceitos, como pessoas, famílias, natureza e jogos, com palavras em inglês e russo em anexo. Zaitsev também incluiu um trecho da música Theremin, para acalmar — ou talvez irritar — os ouvintes alienígenas.
Pedra de Roseta interestelar
Entretanto, o conteúdo básico da mensagem mais importante foi uma série de imagens, com 127 por 127 pixels, que formam a chamada “Pedra de Roseta interestelar”, desenvolvida pelos astrônomos Yvan Dutil e Stephane Dumas, da agência canadense de Pesquisa de Defesa e Desenvolvimento, no Quebec. Como Freudenthal e as abordagens de DeVito, as imagens tomam forma a partir da aritmética. Eles também incluem gráficos para ilustrar as leis da física, assim como desenhos do Sistema Solar, da topografia da Terra, do homem e da mulher, inspirados na placa da Pioneer. Além destes sinais complexos, Zaitsev transmitiu algo mais leve, que chamou de Uma Mensagem da Terra, enviada em 2008. As contribuições dos usuários da rede social Bebo foram dirigidas a um único sistema planetário em torno da estrela Gliese 581. Se alguém estiver escutando, pode esperar recebê-las em 2029. Foram ainda enviadas 26 mil mensagens de texto recolhidas pela revista Cosmos e transmitidas no ano passado.
Apesar de leve, há mais informações na mensagem da revista do que na mensagem de Arecibo, o que fornecerá aos lingüistas extraterrestres algo ainda mais complexo para decifrar. Para dar-lhes uma ajuda, muito do que foi enviado é redundante. “Pois a redundância realmente ajuda”, explicou Shostak. Segundo ele, a mensagem permite que um receptor possa dar palpites sobre seus significados e então verificar se está correto, como nas palavras cruzadas. Mas ele suspeita que todos os nossos esforços de ajuda para a compreensão da mensagem possam ser desnecessários. “Muitas pessoas se perguntam o que devemos enviar aos espaço: música, matemática ou imagens? Acho que provavelmente não importa”. Em vez disso, Shostak sugere apenas tagarelice. “Devemos simplesmente enviar-lhes algo como o que está nos servidores do Google, onde há de tudo, uma enorme quantidade de informações, muitas delas redundantes e pictográficas”.
Os receptores terão com o que se ocupar. Segundo os cálculos do astrônomo, o envio de informações se torna muito prático se assumirmos que os ETs são bons em ouvir e possuem tecnologia para interceptarem um sinal curto, mesmo contra o ruído de fundo da galáxia. Se eles têm antenas de rádio verdadeiramente grandes, então podemos enviar enciclopédias e bibliotecas inteiras, mesmo em uma quantidade razoável de tempo. Shostak também aponta que uma mensagem interestelar é, muito provavelmente, uma via de mão única. Ela pode nem mesmo ter chegado ao seu destino até muito depois do fim da nossa civilização.
Então, como esta é provavelmente a única chance de dizer algo sobre a humanidade a um mundo alienígena, devemos fazê-lo. Claro que seria muito melhor se pudéssemos realmente ter uma conversa frente a frente com ETs, já que isso nos permitiria ensinar uns aos outros nossas histórias e culturas. Mas as distâncias interestelares tornam isso impossível — a menos que se possa, algum dia, enviar um representante. O sociólogo William Bainbridge, da Universidade George Mason, na Virgínia, está tentando desenvolver personalidades humanas codificadas em software, os chamados avatares. Se tiver êxito, poderemos enviar um para o espaço profundo, talvez programado em uma sonda interestelar, ou encontrar uma maneira de dizer aos ouvintes alienígenas como funciona o nosso software, que poderia até mesmo enviar-lhes avatares por um feixe de rádio.
Quantidades absurdas de energia
Independentemente do que se decidir, o próximo problema será: para onde encaminhar a nossa mensagem. Uma transmissão potente para todo o céu iria requerer quantidades absurdas de energia, muito além de nossas capacidades atuais. Em vez disso, o “SETI ativo” teria como alvo sistemas estelares promissores. Uma estrela semelhante ao Sol é um começo, pois os planetas que teria em órbita são menores. Telescópios espaciais, como o Kepler, são capazes de detectar planetas que tenham o tamanho da Terra, e telescópios do futuro deverão identificar aqueles com água líquida na superfície e oxigênio em suas atmosferas. No entanto, isso ainda não pôde ser transformado numa lista de endereços bem definida, porque as potenciais civilizações podem estar muito dispersas. “Mesmo que tenhamos uma lista de 10 mil mundos do tipo da Terra, isso ainda pode ser insuficiente”, disse Shostak. “Tivemos nossa evolução biol
ógica ao longo de quatro bilhões de anos e os radiotelescópios evoluíram apenas nos últimos 40, o que significa uma proporção de um em 100 milhões”.
Se a janela tecnológica para os ETs é tão curta como a nossa, então deveremos transmitir para 100 milhões de planetas como a Terra, antes que alguém nos ouça. Por razões práticas, Seth Shostak acredita que devemos esperar e ouvir. “No futuro, os únicos alvos que valerão à pena o esforço serão aqueles que nos contatarem. Deixemos eles fazerem o trabalho pesado”. Porém, nossa mensagem pode ajudar a despertar a atenção dos especialistas sobre o tipo de comunicação usado no SETI, a radioastronomia. Devemos olhar para fora se os esforços da Terra são para captar qualquer coisa próxima. E podemos esperar de tudo, desde uma lição de matemática básica até algumas imagens de extraterrestres nus.