A luta pela liberdade de informações ufológicas governamentais pode ser considerada uma verdadeira guerra, composta de várias batalhas que, no front, geralmente são travadas entre ufólogos civis e autoridades militares, onde a Justiça é o campo e as testemunhas e leis são as armas. É uma luta antiga, que praticamente se confunde com o próprio estudo da Ufologia, tendo surgido simultaneamente aos sucessivos processos de acobertamento impostos ao assunto pelo governo dos Estados Unidos, após cada ocorrência marcante registrada naquele país, especialmente o Caso Roswell, em 1947. Para prejuízo da ciência, os resultados dessa guerra quase sempre penderam para um dos lados, o da desinformação. Mas isso vem aos poucos mudando.
O berço do acobertamento tornou-se também o nascedouro de movimentos organizados para abertura dos arquivos sigilosos, que começaram a equilibrar o jogo. A pressão contra esta política obscura resultou, em 04 de julho de 1966, na assinatura da Lei de Liberdade de Informações [Freedom Information Act, FOIA] pelo presidente norte-americano Lyndon B. Johnson. Nascia ali a legislação que permitiria o acesso de cidadãos comuns a informações mantidas em sigilo pelos diversos órgãos do governo dos EUA. A FOIA, embora de início não tenha representado grandes avanços para a Ufologia, logo começou a abrir caminhos para os procedimentos legais, possibilitando aos pesquisadores requererem também dados secretos sobre ocorrências envolvendo discos voadores.
Os requisitos para utilização dos mecanismos da FOIA são específicos: o pleiteante deve saber exatamente que informação deseja, em que formato ela está, quando e por quem foi produzida e, principalmente, onde está guardada. Com tantas exigências, é fácil entender porque, a princípio, essa lei não trouxe tantos resultados para os ufólogos. Entretanto, a FOIA deu início a campanhas individuais e coletivas visando a liberação de informações ufológicas, que agora começam a colher seus resultados, como é o caso do movimento iniciado em 12 de novembro, pela Coalizão para Liberdade de Informação (CFI), que tem a jornalista e ufóloga Leslie Kean, consultora da Revista UFO, como principal mentora [Leia mais nesta edição].
Histórico no Brasil
No Brasil, ainda não existe uma lei que garanta efetivamente amplo acesso a documentos sigilosos que estejam sendo mantidos em órgãos governamentais, civis ou militares. E, o que é pior, antes de ser promulgada a Constituição de 1988, que aborda essa questão no Artigo 5º, o país passou por longos 30 anos de uma terrível ditadura militar, a qual jamais liberara qualquer documento classificado como sigiloso, incluídos os que se referem a UFOs, quase todos produzidos por militares. Por esta razão, movimentos pedindo a abertura de tais documentos, além de praticamente impossíveis de serem formados, jamais atingiriam seus objetivos. Somente em 1997, com a realização do I Fórum Mundial de Ufologia, em Brasília, um grupo de ufólogos da Revista UFO redigiu um documento reivindicando oficialmente que o Governo abrisse seus arquivos. Era a Carta de Brasília, que foi lançada pela Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU). Não houve resultado.
A situação perdurou até o início de 2004, quando, diante da inércia governamental em responder aos apelos dos ufólogos, a CBU, reformulada e com novos integrantes, decidiu-se por retomar a luta, agora utilizando o apelo social, através de uma campanha pública intitulada UFOs: Liberdade de Informação Já. O movimento foi disseminado publicamente pela Revista UFO em março de 2004, resultando numa vitória parcial quando, em janeiro de 2005, os integrantes da CBU foram convidados pelos militares da Força Aérea Brasileira (FAB) para conhecer alguns documentos, cujo acesso eles pleiteavam. A reunião, histórica, se deu em 20 de maio [Veja edição UFO 111].
A retomada de um movimento pedindo a liberação de informações secretas sobre UFOs, em 2004, ressurgiu com estratégias de ação bem diferentes, como se viu, e não poderia ter ocorrido em melhor hora. Naquele ano, alguns fatos foram elementos motivadores para seu estabelecimento, por terem exposto completamente o Governo Brasileiro e a questão dos arquivos sigilosos que possuía. Um exemplo foi a publicação, em jornais de grande circulação, das fotos de Vladimir Herzog, torturado durante o regime militar. Isso ocorreu logo após o lançamento de campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, resultando em pressões populares de grupos defensores de direitos humanos, que pediam a liberação de informações sigilosas referentes à Guerra do Araguaia e a outros episódios daquele obscuro período.
Posteriormente, em dezembro de 2004, foi denunciada pelo programa Fantástico, da Rede Globo, a queima criminosa de documentos secretos na Base Aérea de Salvador, criando um grande alvoroço entre os militares e a imprensa. O fato evidenciou ainda mais a necessidade de se constituir um instrumento legalregulamentador da guarda edo acesso público a documentos governamentais. Assim, o Poder Executivo resolveu agir, tendo em vista que o primeiro episódio resultou em várias baixas, entre elas a queda do então ministro da Defesa José Viegas. Já o segundo episódio desnudou o risco que corriam os arquivos secretos que ainda estivessem em poder de militares da Aeronáutica.
Naturalmente que a CBU usaria estes fatos para aumentar a pressão de sua campanha, e assim foi ampliado o já eficiente trabalho de divulgação do movimento UFOs: Liberdade de Informação Já, que, de maio a outubro de 2005, havia atingido todos gabinetes públicos em Brasília, tanto do Executivo, incluindo os militares,quanto no Legislativo e Judiciário. A campanha teve sua divulgação centralizada principalmente na emissão de mensagens eletrônicas dirigidas (e-mails) e na publicação de matérias em jornais e revistas de várias partes do país, principalmente na capital Federal. Além, é claro, da Revista UFO, mantenedora do pleito. O movimento dos ufólogos brasileiros ganhou as ruas, informando o público e colhendo assinaturas de apoio a seus processos. Os resultados não tardaram a chegar.
Ações governamentais
Certamente, a gigantesca pressão social que se fazia sobre os poderes da República, clamando por mais transparência quanto aos seus arquivos sigilosos e pedi
ndo acesso a eles, acabaria por modificar algo no país. E assim, surgiu a Medida Provisória 228 de 2004, a chamada MP 288/04, visando à normatização dos trâmites legais e a compatibilidade entre o inciso 33º do referido Artigo 5º da Constituição,as leis complementares e os decretos-lei decorrentes deste inciso. Tal medida surgiu com força de lei complementar, dispondo sobre o direito dos cidadãos terem acesso a informações consideradas sigilosas sob guarda do Governo, restringidas apenas aquelas cuja divulgação coloque em risco a segurança nacional ou social. Após aprovação na Câmara dos Deputados, a MP 228 foi enviada ao Senado e aprovada sem modificações. Foi então à sanção presidencial e, ratificada, transformou-se na Lei 11.111 em 05 de maio de 2005.
A necessidade e urgência da MP 228/04 mostrava-se patente no relatório apresentado pelo deputado Sérgio Miranda, relator do processo, proferido no plenário da Câmara dos Deputados: “Afirmam os membros do Executivo que firmaram a medida provisória em análise, na exposição de motivos que a acompanha, que o governo anterior ampliou por decreto (número 4.553/2002) os prazos da Lei 8.159/1991, bem como permitiu que a autoridade competente para classificar pudesse prorrogar indefinidamente os prazos de sigilo, de modo próprio e sem justificativa, pelo que a presente proposta visa, em face da relevância e da urgência que demanda, alterar a sistemática criada por esse Decreto”.
No trecho “em face da relevância e da urgência que demanda”, entenda-se: face às mencionadas ocorrências de 2004, inclusive da campanha deflagrada pela Revista UFO. No entanto, a nova lei não pretende ampliar os prazos de vigência impostos pelo citado decreto, como se chegou a comentar na imprensa e em ambientes ufológicos. Muito pelo contrário, elanormatiza e até delega atribuições para, em comissão específica a ser criada pelo Governo,esses prazos serem diminuídos. Em segundo lugar, com a criação dessa comissão específica para julgar os requerimentos,eladesvia a responsabilidade exclusivadas autoridades competentes, até então responsáveis pela classificação e guarda dos documentos sigilosos,no tocante a qualdestino será dado aos documentos, além de explicitar a necessidade de justificativa para este fim.
O que dizem as leis
Do ponto de vista prático, a Lei 8.159/1991 e seu respectivo Decreto 4.553/2002, editados ainda no governo FHC, já regulamentavam de forma mais ou menos clara o acesso aos documentos sigilosos, mas deixavam sombrio quem autorizaria tal acesso. Em seu texto diz que eles “dispõem sobre a política de arquivos públicos e privados” e tratam “da salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal”. Via de regra, as autoridades responsáveis pela liberação do acesso aos materiais secretos eram as próprias a decretarem a restrição e o grau de sigilo de tais informações. E elas eram, também segundo os documentos, “ministros de Estado e equiparados, comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica”, equase nunca o presidente da República ou seu vice.
Na prática, essa determinação era dada exclusivamente por comandantes militares. Em raras ocasiões o ministro da Casa Civil era comunicado a respeito da decretação de sigilo sobre documentos gerados no âmbito da caserna.Durante os governos anteriores,a liberação de acesso aos documentos sigilosos –que nunca ocorreu quando o assuntoera discos voadores –jamais foi aprovada por autoridades do primeiro escalão.Em ordem de prioridade, manda o referido decreto que tanto o presidente da República como seu vice e ministros específicos têm prioridade sobre adecretação de resguardo ou não dos arquivos.Conformeo mesmo decreto, havia uma classificação de graus de sigilo atribuídos aos documentos por essas autoridades, assim como foram estabelecidos prazos máximos para sua liberação,embora passíveis de indefinidas prorrogações.
Desta forma, um documento considerado ultra-secreto poderia ficar distante dos olhos da população por no máximo 50 anos. Já um arquivo apenas secreto, por no máximo 30. O de classificação confidencial poderia ficar oculto por no máximo 20 anos, e o do tipo reservado, 10 anos. Sim, ultra-secreto, secreto, confidencial e reservado, são estas as categorias em que os documentos se encaixavam, segundo a lei anterior, de número 8.159/1991. Isso mudou após a promulgação da nova lei, a de número 11.111/2005, que fez as vigências da manutenção de sigilo caírem para quase a metade do que era antes.
Uma novidade: surge a CAAIS
Pela nova lei, um documento ultra-secreto só poderá ficar oculto da população por no máximo de 30 anos. Um secreto, por no máximo 20 anos. O do tipo confidencial, 10 anos. E o reservado, apenas poderá ser mantido longe dos olhos da população por no máximo cinco anos. Estando em vigor, observa-se que os materiais e documentos relativos a muitos casos ufológicos investigados pelas Forças Armadas já deveriam estar liberados. Por exemplo, a Operação Prato, que ocorreu em 1977, já completou 30 anos e mesmo que seja considerada ultra-secreta, já teria que ter seus resultados abertos ao público.
Além de reduzir os prazos máximos, a Lei 11.111/2005 determina, nos Artigos 4º e 5º, a criação de uma Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas (CAAIS), preliminarmente independente das autoridades classificadoras dos graus de sigilo de informações, mas que tem, segundo o Artigo 6º, a prerrogativa de conceder a “qualquer pessoa que demonstre possuir efetivo interesse, provocar, no momento que lhe convier, a manifestação dessa Comissão, para que reveja a decisão de ressalva a acesso de documento público classificado no mais alto grau de sigilo”.
De certa forma, como se vê, pode-se dizer que sem a sanção presidencial dessa lei, a campanha para liberação de informações ufológicas se tornaria juridicamente inócua, posto que, não havendo a instituição de tal comissão ministerial, no âmbito da Casa Civil do Poder Executivo, o julgamento da liberação ou não das informações continuaria sob tutela daqueles que sempre as negaram quando as mesmas foram pleiteadas pelos ufólogos.No máximo, nossos pleitos acabariam dependendo da boa vontade daqueles que detêm as chaves dos arquivos.
Um exemplo do que acabamos de colocar é o resultado pífio da Carta de Brasília, redigida após o I Fórum Mundial de Ufologia, em 1997, quando vários ufólogos assinaram uma petição direcionada ao Governo Federalpara liberação dos prin
cipais casos da Ufologia Brasileira. A carta foi entregue ao então líder do Governo no Senado,o atual deputadodistrital Roberto Arruda, que, segundo palavras proferidas em seu discurso, a entregaria pessoalmente ao então presidente FHC. Nunca soubemos se isso ocorreu, pois não tivemos mais notícias do destino que o documento tomou, que certamentedeve jazer em “berço esplêndido” num dos arquivos mortos do Executivo.
Como campanha de origem popular, visando a abertura de documentos sigilosos do Governo, apoiada em abaixo-assinado e munida de dossiês discriminatórios de objeto e objetivo, o movimento UFOs, Liberdade de Informação Já encaixa-se perfeitamente no que determina o título dois da nova lei, Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Já em seu primeiro capítulo está escrito que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. A questão aqui está justamente nestas últimas palavras, que não custa repetir: “ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Os primeiros resultados da campanha
Enquanto desenrolavam-se estas questões legais no Congresso Nacional, acompanhadas de perto por este autor, que trabalha na Câmara dos Deputados, continuava o bombardeio do movimento UFOs, Liberdade de Informação Já através da mídia, da internet e diretamente nas ruas, angariando milhares de signatários para o seu abaixo-assinado, além de simpatizantes em todas as áreas da sociedade, que viam no pleito da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) uma causa justa e necessária. Neste clima, logo no início de 2005, surgiu o primeiro resultado prático da campanha, quando a Força Aérea Brasileira (FAB) resolveu abrir negociações com os ufólogos para atender parte de suas reivindicações.
Foi assim que o major Antônio Lorenzo, jornalista do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (Cecomsaer), procurou a Revista UFO para dialogar e mostrar que os militares estavam não apenas cientes, mas sensíveis ao movimento. Desde o primeiro contato dos militares com a CBU, todas as negociações foram registradas, principalmente os e-mails trocados entre A. J. Gevaerd, editor da publicação, e o major Lorenzo, desde fevereiro de 2005 – antes, portanto, da decretação da Lei 11.111/2005. Mas ocorre que ela já estava em vigor, uma vez que a MP 228/2004, que a criou, já estava no Congresso. Quando uma MP é editada, ela já entra com força de Lei, até que o Congresso a aprove ou a rejeite. Ainda assim, a FAB não usou as determinações legais vigentes, como veremos a seguir.
Em 20 de maio de 2005, 15 dias após a sanção da Lei 11.111/2005, os ufólogos da CBU foram recebidos no I Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta I), por uma comissão militar liderada pelo brigadeiro-do-ar Telles Ribeiro, chefe do Cecomsaer. Era algo absolutamente inédito e de suma importância para a Ufologia Brasileira. A ele foi entregue o Manifesto da Ufologia Brasileira, documento reivindicatório assinado pelos membros da CBU, com cópias endereçadas ao comandante da Aeronáutica, ao ministro da Defesa e ao presidente da República. O manifesto pedia o reconhecimento público do Fenômeno UFO, a abertura de certos documentos sigilosos relativos ao tema e o estabelecimento de uma parceria militar-civil para a investigação de futuros casos ufológicos. O documento, mais completo do que a Carta de Brasília, representava a esperança de novos caminhos para a prática da Ufologia no país.
A visita inédita dos militares ao Cindacta, como se sabe, terminou nas dependências do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), onde a Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), acompanhada pelo jornalista Luiz Petry, da Rede Globo, tiveram acesso a três importantes pastas da Ufologia Militar Brasileira: uma com o primeiro caso registrado pela FAB, em 1954. Outra com alguns documentos da chamada Noite Oficial dos UFOs no Brasil, ocorrida em maio de 1986. E a terceira com informações sobre a mais importante intervenção ufológica executada por nossos militares em todos os tempos, a Operação Prato, de 1977. Todas as pastas mostradas estavam carimbadas com a classificação sigilosa específica confidencial, e se é assim, em 2007, ou seja, exatamente agora, seu prazo de resguardo se expira.
Insatisfação geral
A façanha sem precedentes foi amplamente divulgada Brasil afora, comemorada pela Comunidade Ufológica Brasileira e Mundial como a maior vitória conseguida através de uma campanha pública. Uma conquista que devolveu à Ufologia Brasileira seu lugar de destaque no cenário internacional, muniu os ufólogos de provas irrefutáveis da presença dos UFOs no país e do interesse do Ministério da Defesa pelo assunto. Mas o movimento social UFOs: Liberdade de Informação Já ainda não atingiu todos os resultados almejados. Isso porque ainda persiste o acobertamento dentro das Forças Armadas, e porque apenas parte de suas reivindicações foram atendidas.
Uma significativa parcela da documentação resultante da Operação Prato não nos foi mostrada no dia da visita, como as mais de 16 horas de filmes de discos voadores em movimento sobre a Amazônia e a maioria das mais de 500 fotografias obtidas pela equipe do coronel Uyrangê Hollanda, dados que sabemos existir em segredo nas instalações militares. E mais, descobriu-se que, além das três pastas vistoriadas pelos ufólogos dentro do Comdabra, existem dezenas de outras com centenas de casos ufológicos arquivados pelos oficiais desde 1954, que não foram apresentados aos
membros da CBU. Quase todos esses casos certamente já estão com seus prazos de resguardo vencidos, segundo a recente lei, mas permanecem inacessíveis. Por esta razão, a campanha UFOs: Liberdade de Informação Já não foi finalizada no dia da visita ao Cindacta, e nem será, até que esses documentos sejam definitivamente abertos ao público.
Já se passaram quase quatro anos do início do movimento deflagrado pela Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), através da Revista UFO, e mais de dois da visita dos integrantes da comissão ao Cindacta e Comdabra, quando se constatou o interesse da Aeronáutica em atender, ainda que muito parcialmente, as reivindicações. No entanto, até hoje, nem o Exército, nem a Marinha, alvos do mesmo pleito, se pronunciaram. A própria Aeronáutica, instituição a qual os UFOs devem ser de maior interesse, e detentora das pastas descritas, não voltou a tratar do assunto ou a manifestar interesse em cumprir promessas assumidas com os ufólogos da CBU. Postura idêntica é a da Presidência da República, apesar de insistentes apelos à retomada das conversações, publicados inclusive na Revista UFO.
Com todo esse tempo passado, o não cumprimento do que foi formalmente requerido e a atitude de descaso das autoridades diante das legítimas intenções dos signatários da campanha, só fez aumentar a insatisfação da Comunidade Ufológica Brasileira em geral, e em especial a dos gestores do movimento. Desde então, várias reuniões da direção da CBU foram realizadas, novos membros passaram a integrar o movimento e assim efetivou-se um protocolo de intenções que deveria colocar em prática novas ações. Diante das circunstâncias e do descaso, não resta alternativa senão usar a Lei 11.111/2005 para obtenção de amparo e atendimento à vontade do cidadão. E isto será feito exatamente agora.
Ufólogos amparados pela Lei
Muitos brasileiros – e, ao que parece, boa parte do Governo – não sabem disso, mas o direito de acesso a informações consideradas sigilosas está expressamente previsto na Constituição, e agora também regulamentado com asleis complementares. Tanto que estes textos se referem a elas como “informações públicas” ou “de interesse público”. Segundo Régis de Oliveira, professor de direito da Universidade de São Paulo (USP), “o Estado de direito democrático pressupõe o amplo conhecimento de tudo o que se faz em seu interior, para que possa haver o controle, apanágio das garantias individuais e públicas. Tudo, no interior do Estado, deve ser acompanhado pela sociedade”. Na dúvida e na recusa do poder detentor dos documentos em fornecê-los, tais informações devem ser requeridas através de meios judiciais, como um habeas data, no caso de informações individuais, ou mandado de segurança, no caso de informações de interesse coletivo.
Entretanto, os mesmos procedimentos dizem que, em função do risco à segurança nacional ou social, o sigilo deve ser mantido quanto a alguns atos e fatosregistrados nessasinformações governamentais.Mas até que ponto vai a linha divisória entre o quetraz e o que nãotraz riscos à segurança nacional ou social?Em se tratando de informaçõesrelativas a investigações ufológicas, principalmenteas levantadas e catalogadas por militares,e que tenham recebidouma das classificações de grausde sigiloacima descritas,após a vigência da Lei 11.111/2005, quem passa a julgar e a determinar essa linha divisória, após o vencimento dos prazos legais ou não,é aCAAIS, que, do ponto de vista legal, passou a ser o fulcro das futuras reivindicações dos ufólogos junto ao Governo.É a essa entidade que deverá agora apreciar o apelo da CBU, mantenedora do movimentoUFOs, Liberdade de Informação Já, com seus mais de 30 mil signatários.
A CBU precisa agora se dirigir aos membros da CAAIS, provocando sua manifestaçãopara que, nos termos da Lei, “reveja a decisão de ressalva a acesso” aos documentos pretendidos. Salvo interpretação jurídica experiente concluindo em contrário, isso representa o maior avanço contido na ação governamental que visou regulamentar o acesso aos seus arquivos sigilosos, sobretudo aos de classificação “no mais alto grau de sigilo”, também conhecidos como ultra-secretos. E não é nada mais, nada menos do que isso o que a campanha deflagrada pelaRevista UFO almeja. Pleiteamos que as informações referentes a todos os casos da Ufologia Brasileira, muitos dos quais já foram exaustivamente divulgadosem documentosdisponibilizadospor esta publicação, em livrose palestras, sejam esmiuçados e esclarecidos definitivamente.
Com a visita da CBU ao Comdabra, provamos e divulgamos a ponta do iceberg, e pensamos que,em conformidade coma Lei, a sociedade brasileira tem o direito de saber da parte submersa desse iceberg.Ao seremesclarecidas ocorrências como a Operação Prato,a Noite Oficial dos UFOs no Brasil e o Caso Varginha – pilares do movimento e itens específicos constantes do Manifesto da Ufologia Brasileira –, se verá que elas não trarão qualquer risco à segurança do Estado ou da sociedade, e ainda propiciarão a revelação de centenas de outros casos que podem esclarecer definitivamente donde provêm os UFOs.
Outras interpretações jurídicas
Mas nem tudo são flores. De acordo com algumas opiniões de juristas e jornalistas, a criação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas (CAAIS) representa um retrocesso na parte final do mencionado Artigo 5º da Constituição, especificamente de seu 33º inciso. Segundo essa vertente,a referida comissão,composta exclusivamentede membros do Poder Executivo, possui uma concentração excessiva de poder, o que representa uma perversão do texto constitucional. Desta forma, o destino dos documentos sigilosos ficaria na mão de uns poucos “escolhidos”, que decidirão pelo Estado e pela sociedade o que lhes interessa, tirandodo cidadão o seu direito à informação.
Os ufólogos devem agora ter os pés no chão e não se enganar, achando que com a decretação da Lei 11.111/2005 todos os caminhos estarão abertos para suas reivindicações. De forma alguma! No novo quadro que se desenha, as decisões vão passar quase que integralmente para o plano político, deixando de lado o cunho ditatorial que as guiou durante o Regime Militar, assim como a falta decomplemento de baselegal queas acompanhou desde a promulgação da Constituição de 1988.Passa tambéma ter peso, e em grau considerável, o aspecto técnico e convincente dos pleitos, aliado a sualegitimidade, força ea abrangência, como no caso do movimento representado por UFOs, Liberdade de Informação Já.
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atilde;o obstante o malogro de algumas interpretações jurídicas, é razoável concluir que se tem agora um quadro muito mais favorável do que antes dessa lei ser aprovada. A priori, tínhamos os fatos ufológicos bem estudados, ainda que a maioria deles pudesse ser enquadrada em suposições. Contudo, tivemos em mãos as provas de que eles são reais, apresentadas justamente pelo Governo, através da Força Aérea Brasileira (FAB), em 20 de maio de 2005. Agora, temos as leis que podem amparar nossas reivindicações e, portanto, não falta mais nada.
Pensando nessa realidade e cansados de esperar por respostas do Governo, em 2006, a Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) decidiu-se definitivamente pela ação direta no Poder Executivo, fazendo-o cumprir a lei que ele mesmo mandara ao Congresso. Após a última reunião da comissão, em outubro de 2006, quando todos os membros concluíram que não haveria outra saída, teve início uma longa pesquisa de levantamento de fatos ufológicos ocorridos no mundo, principalmente no Brasil, que servissem de embasamento para um requerimento a ser enviado e protocolado diretamente na Presidência da República. Tal solicitação, que agora está sendo amplamente divulgada, é composta de três partes principais, além de outras duas complementares, e mais ou menos formatada como se fosse um processo judicial, apesar de ainda não ser. Apresenta os fatos, mostra as leis e faz pedidos embasados numa série de conclusões muito bem amarradas.
Desta forma, sabemos que o governo agora não tem mais como protelar a ação dos ufólogos, muito menos rogar-se de desinformado. Tudo foi minimamente traçado, e se não houver respostas, o requerimento toma o rumo da Justiça. Talvez as respostas demorem, mas elas virão, porque a CAAIS tem que se manifestar, uma vez que foi criada e acionada exatamente para isso.
Os efeitos práticos da nova campanha
Assim, é necessário uma análise mais acurada dos componentes e de suas atribuições na referida comissão alvo das nossas intenções, posto que são eles que decidirão quais arquivos devem ser abertos, considerando-se o caso de documentos e informações cujos prazos de resguardo não tenham ainda expirados. Pelo menos um caso se enquadra nessa questão, Varginha, ocorrido em 20 de janeiro de 1996, há pouco menos de 12 anos e, assim, fora de nosso alcance. As demais pastas existentes na sede do Comdabra, já mencionadas, desde 1954 até 1977, deverão ter seus conteúdos abertos. O mesmo deverá ocorrer com arquivos secretos da Marinha, do Exército e de qualquer outro órgão governamental que tenha registros relacionados a UFOs.
Não cabe aqui fazer qualquer tipo de julgamento quanto ao comportamento político, a postura ou o conhecimento técnico de cada uma das autoridades da CAAIS, em relação a qualquer assunto, inclusive Ufologia. Mas é certo que, junto a essesmembros, torna-se necessário um trabalho de esclarecimento, bem como uma prolongada exposição de motivos que justifiquem os pedidos de liberação dos arquivos, não excluindo também, no que for possível, uma pressão lobística.
Há na CAAIS uma ministra encarregada de organizar a estrutura política do Governo, um militar de alta patente do Exército, um professor de direito e ex-prefeito de Porto Alegre (RS), um encarregado das relações externas do país,dois advogados de áreas distintas – um deles foi, inclusive, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, temos vários juristas envolvidos na questão, o que, com certeza, contará favoravelmente para quem está usando as leis afim de conseguir o que quer. Por ser esta composição um tanto heterogênea, supõe-se que, em tese, ao ser acionada para análise de um determinado requerimento, o objeto de tal receberá, da mesma forma,um tratamentodiferenciado de cadamembro da CAAIS,levando em conta várias facetas doassunto em questão, abordado de diferentes pontos de vista.
Não se sabe ainda, ao certo, em quais moldes funcionará a CAAIS, tampouco sua sistemática de tomada de decisões. Esta estrutura de funcionamento deverá ser regulamentada através de portaria interna da Presidência da República. Mas uma coisa é certa: coerentemente, as decisões sobre a quebra ou não de restrição de determinado documento, dada por cada uma das autoridades instituídas, deverão ser proferidas após a leitura de um relatório explicativo, provavelmente elaborado com base em dados sólidos, factuais,assessorados por um corpo técnico específico em cada uma das áreas afins, para que a justificativa exigida pela lei não soe como uma desculpa esfarrapada, sem fundamento lógico, e muito menos menospreze ou subjugue os pleiteantes, como já vimos em ocasiões anteriores, tal como no Caso Varginha.
Ainda é cedo para vermos quais serão os resultados práticos que toda essa configuração legal, política e social nos trará, mas acreditamos que com o advento do movimento social visando acesso aos arquivos sigilosos do Governo na área ufológica, e com a reação deste, ao nosso verpositiva, se desenhará um novo horizonteno trato das informações de interesse comum, que por tanto tempo se mantiveram restritas. A partir de então, como conhecimento dosdocumentos ufológicos que se pleiteia, esempre que houver o registro de uma nova ocorrência, se espera que sua investigação se faça de maneira participativa, desenvolvendo-se uma profícua parceria entre o Governo e a Comunidade Ufológica Brasileira. De posse dos dados edas conclusões originárias de tais investigações, poderá entãotraçar um plano de divulgação do que for possível, pautado dentro dos desígnios legais.