Na matéria intitulada Um Alien em Fátima [Veja UFO 92], dedicamo-nos a desmontar e transpor o teatro encenado pela Igreja Católica que como qualquer outro poder estabelecido na Terra, sempre tratou de convenientemente manipular a realidade, dogmatizar manifestações extraordinárias de natureza desconhecida, fabricar mentiras, impor “verdades” e obliterar segredos de modo a canalizar em seu proveito fenômenos que escapam à compreensão comum e desafiam a lógica e as ciências convencionais. A sociedade, atônita diante de uma gama assustadora de estímulos e irrupções inexplicáveis, não sabendo como lidar com tais efeitos e implicações, costuma aceitar os esquemas, pressupostos e condicionamentos sócio-culturais e as convenções e certezas temporais decretados pelas autoridades.
Já chegamos ao ponto em que ninguém mais pode contestar o fato de que o próprio surgimento da igreja, sua existência e perpetuação como poder institucional secular, se devem, primordialmente, à apropriação e distorção, dentro de um contexto religioso particular, de uma abundante e diversificada fenomenologia paranormal e, por extensão, ufológica. Não obstante, em meados dos anos 90 ganhou força uma versão de cunho eminentemente político que propugna a total negação de Fátima, qual seja de que ali absolutamente nada de concreto e de real teria acontecido, e que apenas estiveram em jogo as forças do imaginário coletivo. Desencavada por historiadores revisionistas, afinados com a linha da chamada Nova História, e abraçada incondicionalmente por setores seqüitários anti-religiosos e esquerdistas, ciosos por incorporarem-na em seus proselitismos [Conversão a uma nova doutrina], por ela Fátima não teria passado de um culto fomentado como parte vital da estratégia de reorganizar os setores conservadores hostis à República, e que se expandiu numa forma de popularização da peculiar síntese de fascismo e catolicismo implantada e praticada pelo ditador Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970).
Totalitarismo — Em 1917, no ano das aparições, Portugal, governado por Bernardino Luís Machado (1915-1917), estava à mercê das facções políticas e à beira do totalitarismo, que se implantaria definitivamente em 1928 com o golpe perpetrado por Salazar, formado em direito pela Universidade de Coimbra e que ensinou economia política no mesmo estabelecimento. Sob o reinado de dom Carlos I (1889-1908), agravou-se a crise financeira herdada de governos anteriores, e cresceu a agitação política. Numa tentativa de restabelecer a ordem, o soberano confiou poderes ditatoriais ao ministro João Franco (1906). Pouco tempo depois, explodia uma revolta em Lisboa, e dom Carlos era assassinado com seu filho mais velho. Sucedeu-lhe dom Manuel II, destronado em 05 de outubro de 1910 por uma revolução que estabelecera uma forma republicana de governo, toscamente moldada pelo padrão norte-americano, a partir de 1915. A nova Constituição fora promulgada em 1911.
A República havia sido proclamada, portanto, há apenas sete anos num país que vivera sob o reinado desde o século XII, com a instauração da Casa de Borgonha por dom Afonso I (1139-1185). Com a queda da monarquia, veio o declínio da religião, pois, embora o povo português permanecesse fiel à Igreja Católica, o governo provisório, a fim de estabilizar a economia e a estrutura social do país, determinou a expulsão dos jesuítas e a extinção dos conventos, legislou sobre o divórcio e decretou a separação da igreja e do Estado. Abertamente hostil à igreja, acabou rompendo relações com Roma em 1913 e disseminou uma ampla campanha de propaganda anticlerical. As propriedades eclesiásticas foram confiscadas, congregações dissolvidas e o clero era tratado praticamente como uma casta inferior.
Símbolos supersticiosos — A intelligentsia e vários setores formadores de opinião eram anti-religiosas e decididamente anticlericais. Os governantes tornaram-se antagônicos às crenças religiosas tradicionais, qualificando-as freqüentemente como meras superstições veiculadas pelos jornais e revistas demagógicos e sensacionalistas. Até mesmo as áreas rurais, geralmente imunes aos ditames intelectualistas dos centros cosmopolitas, foram afetadas pelo fechamento compulsório das igrejas e pelo estreito controle de qualquer expressão religiosa. A despeito disso tudo, remanesceu profundo o fervor entre os camponeses, de hábitos religiosos arraigados, nas áreas rurais. E foi exatamente ali que se verificou a série de aparições da Virgem.
Em outras palavras, Fátima teria nascido tentando ser algo como a marcha sobre Roma de Mussolini e teria evoluído como o equivalente dos comícios em Nuremberg da Alemanha nazista. De fato, reconhecemos que foi a partir da consolidação do Estado Novo, em 1930, que a mitologia de Fátima foi sendo enriquecida com símbolos nacionalistas como o Anjo de Portugal, transformada de anti-republicana em anticomunista com a introdução a posteriori de profecias condenando a Revolução Bolchevique e alertando quanto ao deflagrar da Segunda Guerra Mundial. Tais conceitos foram largamente usados para legitimar a ditadura com a autorizada declaração da vidente Lúcia, feita em 1945, numa carta dirigida ao cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira a partir do convento onde permaneceu enclausurada desde as pretensas aparições, de que “o Salazar é a pessoa por Ele [Deus] escolhida para continuar a governar a nossa Pátria. A ele é que serão concedidas a luz e graça para conduzir o nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade”. A santa de Fátima foi, e jamais deixará de ser, a Nossa Senhora do fascismo.
Após quase 13 anos de investigações por uma comissão de clérigos, cientistas e físicos, a Igreja Católica qualificou como dignas de crédito as aparições de Fátima, em 13 de outubro de 1930, segundo a seguinte declaração do bispo de Leiria: “Parece-nos bem declarar dignas de crédito as visões dos pastorinhos na Cova da Iria, na paróquia de Fátima desta diocese, no 13o dia dos meses de maio a outubro de 1917. Idem, conceder permissão oficial ao culto de Nossa Senhora de Fátima”. Ora, esse reconhecimento ocorreu não mais durante o período repleto de distúrbios, levantes e freqüentes mudanças de governo, marcada pela repressão religiosa, em que fracassaram todas as tentativas de estabelecer uma orientação governamental satisfatória para os democratas, e sim apenas quatro anos depois da irrupç
;ão do golpe militar que colocou no poder o general Oscar Carmona – eleito presidente em 1928 e responsável pela nomeação de Salazar para o Ministério das Finanças – e apenas dois anos antes do golpe perpetrado por Salazar.
Como primeiro-ministro em 1932, seguindo a tendência totalitária da Itália e da Alemanha, Salazar pôs fim à forma liberal-democrática de governo e no ano seguinte proclamou uma nova Constituição, estabelecendo o sistema de acordo com linhas fascistas a que chamou Estado Novo Corporativo – no Brasil, Getúlio Vargas faria o mesmo implantando em 1937 a ditadura do Estado Novo – e fazendo uso de sua autoridade para realizar reformas sociais e econômicas. Ele reatou os laços com a Igreja Católica Romana e em troca foi fortemente apoiado por ela, tornando-se um dos ditadores que mais tempo permaneceria no poder, de onde só sairia em 1968 para dar lugar a Marcelo Caetano, que continuou sua política autocrática até o golpe militar de 1974. Vale lembrar que foi com esse ditador que se iniciou a tradição dos regimes fascistas negociarem com a Igreja Católica, um compromisso recíproco de não agressão. A Salazar se seguiu Mussolini e depois Hitler.
Mito católico — O governo salazarista, apoiado e sustentado pelos setores mais reacionários, conservadores e tradicionalistas da sociedade lusitana, desempenhou um papel fundamental na consolidação do mito católico em torno de Fátima tendo em vista sua utilização peremptória como instrumento pedagógico – para “instruir” as massas e mantê-las lenientes –, arma de propaganda ideológica – contra o socialismo condenado veementemente pela Virgem – e justificativa moral – o que conferia legitimidade a todas as arbitrariedades, cometidas desautorizando os críticos e opositores. Mas Fátima serviu ao Estado Novo, sobretudo porque fez de Portugal um fenômeno único no mundo.
A historiadora Rita Almeida Carvalho, no entanto, admitiu que no arquivo do ditador não encontrou praticamente nenhuma referência a Fátima. “Salazar só raramente se deixava fotografar em Fátima”, escreveu Manuel Maria Múrias, citado pela pesquisadora. Por outro lado, várias figuras de proa do regime participavam e intervinham diretamente nas cerimônias evocativas das aparições [Veja o artigo Fátima e Salazar, publicado na revista História, Lisboa, em 2000]. O Diário da Manhã, jornal oficioso do regime, constitui uma boa amostra do aproveitamento político que o Estado Novo procurou fazer de Fátima. Em momentos-chave da vida política, o governo apelava à Fátima. Em maio de 1958, por exemplo, já depois de Humberto Delgado ter pronunciado a frase assassina contra Salazar – “obviamente eu o demito” –, o ministro da Defesa esteve em Fátima acompanhado de Américo Tomás, o candidato do ditador à chefia do Estado.
Em 13 de novembro de 1945, numa hora de muitas preocupações, desgostos e talvez dúvidas para o presidente do Conselho, Salazar, o então cardeal-patriarca de Lisboa, dom Manuel Gonçalves Cerejeira, enviou ao seu amigo e antigo condiscípulo um cartão tranqüilizador em que se referia a uma carta da irmã Lúcia que recebera e a vidente fazia referências ao que entendia ser a missão divina de Salazar. O documento foi lido no primeiro semestre de 1999 pelo investigador José Barreto, do Instituto de Ciências Sociais, no curso de história contemporânea organizado pela Fundação Mário Soares, sobre “Portugal e a transição para a democracia entre os anos de 1974 e 1976”. O seu conteúdo já tinha sido divulgado antes, mas permanecera até então pouco conhecido.
A carta foi enviada a Salazar “a poucos dias das primeiras eleições de deputados à Assembléia Nacional a que a oposição pôde concorrer [Organizada no Movimento de Unidade Democrática], ainda que com enormes limitações práticas”. Essas eleições a que José Barreto se referiu, foram aquelas que Salazar, com uma frase que se tornou célebre, considerou ser “tão livres como na livre Inglaterra”. E se Salazar tinha sido escolhido pelo Criador, era preciso “fazer compreender ao povo que as privações e sofrimentos dos últimos anos [Aludindo aos anos da Segunda Guerra] não foram efeitos de falta alguma de Salazar, mas sim provas que Deus nos enviou pelos nossos pecados”, diz Lúcia na carta citada por Cerejeira.
Aliás, ao prometer a graça da paz à nação, Ele já anunciara vários sofrimentos, pela razão de que nós éramos também culpados. E, bem vistas as coisas, olhando “para as tribulações e angústias dos outros povos”, o mínimo pedira Deus aos portugueses. Ironicamente, Lúcia não terminava os seus recados dessa carta escrita em 07 de novembro de 1945, em Tuy, Espanha, sem uma nota que, a outras pessoas, poderia valer a prisão política: “Depois, é preciso dizer a Salazar que os víveres necessários ao sustento do povo não devem continuar a apodrecer nos celeiros, mas serem-lhe distribuídos”. Tal documento, que se encontra no Arquivo Salazar, na Torre do Tombo, revela, segundo Barreto, a relação entre a produção profética de Fátima e a sacralização do regime. A relação entre Fátima e a predestinação de Salazar já tinha sido estabelecida três anos antes, num documento que o investigador considera fundamental para entender essa dinâmica político-religiosa. Numa carta pastoral coletiva do episcopado português, de 1942, sobre as bodas de prata das aparições de Fátima, os bispos referiam-se às diferenças entre os tempos da Primeira República [Dominados pelo anticlericalismo quase sistemático] e do Estado Novo em termos que não deixavam margem para dúvidas. O martelo demolidor, as ruínas e a desolação são características implicitamente apontadas à Primeira República, contrariamente à ordem nova, ao desenvolvimento tornado ressurreição.
Ungido de Deus — Nos estertores da guerra, em 26 de maio de 1945, Cerejeira felicitava de novo Salazar, em carta dirigida ao ditador, por ver coroada a obra de defesa de Portugal: “O fato de ser a nossa paz um favor do céu [Predito pela irmã Lúcia] não te tira nem diminui
o mérito, pelo contrário faz de ti um eleito, quase um ungido de Deus”. E, a seguir, arremata o cardeal: “Foste tu o escolhido para realizar o milagre”. Em 1946, por sugestão de Salazar, os bispos organizaram uma cerimônia na Praça do Império para agradecer, na presença da imagem de Nossa Senhora de Fátima, o fato de Portugal não ter participado na Segunda Guerra. Um gesto muito valorizado pelas mais altas figuras do episcopado: além de Cerejeira, também dom Manuel Trindade Salgueiro, um fervoroso admirador de Salazar, e dom José da Costa Nunes, que viria a ser patriarca das Índias, e que também admirava o ditador. Talvez por causa desses apoios, as próprias alocuções do papa Pio XII sobre a guerra e os diversos documentos de atualização da doutrina social da igreja, produzidos por esse papa, não foram naquela altura publicados em Portugal [A Igreja Católica no Tempo do Estado Novo: Salazar, Escolhido por Deus e pela Irmã Lúcia, Lisboa, 1999].
Em 13 de maio de 2000, ao ensejo da beatificação das duas infelizes crianças [Francisco e Jacinta Marto] que morreram precocemente de gripe espanhola, setores contrários à igreja não perderam a oportunidade de saírem novamente ao ataque achacando-a por continuar reavivando a idolatria da “deusa sádica de Fátima” – como convenientemente a chamam pela falta de escrúpulo demonstrada ao convencerem as crianças a substituírem o estudo pelas rezas, a não comerem e a se autoflagelarem. “Frente a qual se humilham e rastejam os cidadãos e cidadãs católico-masoquistas de um país que se pretende moderno e civilizado, acelerando a degeneração do cristianismo em marianismo, que o papa João Paulo II encoraja pessoalmente”.
Às autoridades políticas presentes e à lamentável cerimônia no santuário de Fátima, esses setores não pouparam pesadas críticas por compactuarem com “o atraso cultural e a falta de amor-próprio que os seus concidadãos proporcionam todos os anos em Fátima”. Foi por ocasião dessa beatificação – ratificada por um milagre idoneamente atestado por dois médicos “totalmente imparciais”, apesar de católicos e funcionários do santuário, transmitida ao vivo pela televisão, a RTP a cabo portuguesa, que o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Ângelo Sodano, procedeu à leitura do famigerado texto revelando parte do conteúdo do terceiro segredo de Fátima, alegadamente escrito pela reclusa Lúcia nos anos 1940. A mensagem lida por Sodano num português que de tão macarrônico era quase incompreensível, não desmerece de toda a manipulação ideológica que sempre rodeou a mitologia fatimida e confere inteira razão aos setores que se opõem tão radicalmente à igreja.
Escolha de um semideus — Destarte, ficamos sabendo que a queda dos regimes comunistas do leste europeu não se deveria a Mikhail Gorbatchov ou sequer à ânsia de democracia e consumismo dos povos da Europa Oriental, e sim às orações dirigidas pelos fiéis à Nossa Senhora. E que o tão aguardado terceiro segredo resumia-se a uma singela profecia anunciada a posteriori de que a Virgem teria intervindo em Roma no dia 13 de maio de 1981, para desviar uma bala que quase matou o papa João Paulo II. Estranhamente, o privilégio da intercessão mariânica não teria sido conferido a Humberto Delgado, Olof Palme, Catarina Eufémia, Aldo Moro, Maximiano de Sousa, John Kennedy, Martin Luther King, Yitzhak Rabin ou a qualquer outra das infelizes vítimas do sangrento século XX.
Dentre as 800 mil pessoas presentes, somente uma minoria percebeu que a última profecia tinha sido revelada, e mesmo assim, muitos só se deram conta disso quando souberam dela pela televisão. A repórter da TV portuguesa recolhia junto ao público opiniões desapontadas quanto a não revelação do mistério e para aquelas pessoas que chegaram a saber naquele momento que algum mistério tinha sido revelado, quase todas se diziam decepcionadas e um pouco constrangidas com a interpretação oficial de que o tão esperado terceiro segredo de Fátima se referia única e exclusivamente à pessoa do papa João Paulo, milagrosamente salvo das balas assassinas daquele atirador solitário, e não a algum evento ou fato significativo para toda a humanidade [Veja Aparição de Fátima, Uma Mistificação Anunciada!, de Carlos Alberto Reis Lima, Lisboa, 2000]. O porta-voz da ortodoxia católica, o cardeal Joseph Ratzinger, chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, antecipando-se às reações contestatórias, insistiu no caráter simbólico da visão.
Será isso mesmo que Lúcia quis dizer em sua charada profética? Definitivamente a igreja subestima a inteligência de seus séqüitos tratando-os como idiotas e crianças ingênuas. Com uma desfaçatez e uma arrogância incrível, a instituição religiosa pretendeu convencer a todos de que o papa escolhido por um colégio de cardeais para presidir à monarquia do Vaticano não seria um ser humano como qualquer outro, mas um semideus protegido pelo sobrenatural, que de tão importante mereceu um capítulo profético inteiramente dedicado a ele, e que precisou esperar 19 anos após o seu cumprimento para ser revelado! E o que é mais incrível, como se não bastasse a perda crescente de fiéis e as dezenas de escândalos envolvendo padres pedófilos nos últimos anos, tenha tido coragem de sustentar mentiras tão pueris em pleno limiar do século e do milênio!
Em suma, para certas alas esquerdistas – tão conservadoras, pragmáticas, dogmáticas e intransigentes quanto as direitistas que combatem e com as quais compartilham a mesma ânsia pelo poder –, as aparições e os milagres de Fátima jamais aconteceram concretamente e não passariam de uma bem urdida conspiração entre a direita fascista e a cúpula da igreja, seguidas pelas velhas oligarquias, para a usurpação e posterior manutenção do poder em Portugal por mais de quatro décadas. Ora, sem sombra de dúvida que vencidas as resistências iniciais e com a percuciência e a dimensão adquiridas, em um primeiro momento Fátima foi apropriada pela igreja que não tardou a perceber a imensa vantagem e os dividendos que lucraria se em vez de combatê-la inutilmente todo aquele fervor fosse devidamente canalizado a seu favor.
Num segundo momento pelas elites políticas oligárquicas, tradicionais aliadas da Igreja Católica, que se valeram da imagem da Virgem, de seus simbolismos e suas representações para conferir uma face “terna” ao totalitarismo de Estado, justificando-o como algo oriundo da vontade divina, mas daí a afirmar que absolutamente nada aconteceu é simplesmente promover a completa inversão dos valores e fazer o mesmo jogo e discurso da direita, só que em sentido contrário.
Interpretação das aparições — Negar simple
smente os fenômenos paranormais e ufológicos aludidos, presenciados não só pela massa de fiéis, mas igualmente por jornalistas, ateus e céticos, é incorrer em reducionismo e promover a alienação e o esquecimento. Por trás dessas atitudes, aparentemente racionais, escondem-se interesses inconfessáveis de grupos eivados pelo mesmo espírito de ódio e intolerância dos que estão no poder, que é o que mais prezam sob a nobre intenção de salvar o povo da opressão [Dos outros]. Com isso pretendem e arvoram-se no direito de apagar da história o que não podem e não tem a capacidade nem a vontade de explicarem, pois não servem a seus propósitos mesquinhos. Abdicamos do conforto de adotar qualquer uma dessas posições a cada qual conveniente, por isso equivocadas, e preferimos seguir com nossas pesquisas em busca da verdade, esteja ela onde estiver ou seja qual for. Ainda fico com os historiadores Fina D’Armada e Joaquim Fernandes, autores de Intervenção Extraterrestre em Fátima: As Aparições e o Fenômeno UFO [Livraria Bertrand, 1986], a melhor, mais rigorosa, mais embasada e até hoje insuperável obra sobre Fátima, resultado de seis anos, entre 1975 e 1981, de pesquisas. Nesse período, Fina D’Armada era bolsista do Instituto Nacional de Investigação Científica e pôde consultar os arquivos secretos do Santuário de Fátima, inacessíveis até para as entidades religiosas. Certos documentos continham os testemunhos recolhidos pelo padre da freguesia, que escutou as declarações dos pastorinhos e em seguida abandonou a aldeia por não estar convencido de que se tratasse uma aparição mariana. Entre os dados mais significativos, consta a descrição original da senhora que apareceu às crianças. Segundo eles, media um metro de altura e vestia uma roupa branca e dourada que não chegava até os pés, com costuras ao longo, como se fosse acolchoada. Estava coberta com uma capa branca e levava uma esfera à altura do peito, que mais tarde foi interpretada como o Sagrado Coração de Maria.
Nas suas primeiras declarações, os pastores descreveram a “mulherzinha” de grande beleza como tendo olhos pretos. Ela falava sem mexer os lábios, também não movia os pés quando se deslocava e descia até o local da aparição por uma rampa luminosa. Embora a versão oficial não faça nenhuma menção, a historiadora resgatou nos antigos documentos uma referência a uma quarta vidente, chamada Carolina Carreira, filha de Maria Carreira, uma pessoa importante na história das aparições e responsável pela construção da capela de Cova de Iria. Carolina teve um encontro com “uma criança que assemelhava ter uns 9 ou 10 anos e que se comunicou com ela sem falar, como se estivesse dentro de mim”.
Os documentos registram ainda numerosos testemunhos do Milagre do Sol de 13 de outubro. Antes de começar a aparição, foram vistos pequenos objetos luminosos que na Segunda Guerra seriam chamados de foo-fighters [Espírito brincalhão] e que mais tarde os ufólogos classificariam de sondas. Um deles, inclusive, golpeou na cabeça de uma irmã de Carolina Carreira. Também foi observado um globo prateado, um objeto em forma de escada e nuvens que andavam em direção contrária ao vento. Quanto ao fenômeno solar, algumas testemunhas asseguraram que foi o próprio Sol o que se mexeu, enquanto que outros sugeriam que um disco metálico ou de vidro se antepôs ao astro. Finalmente, o Sol volveu-se transparente e dentro do disco se observaram três seres, que foram interpretados como a Sagrada Família. Um dos três foi visto com o braço estendido e foi interpretado como uma benção de São José.
As autoridades religiosas ao manipularem os videntes procuraram, portanto, conferir aos relatos uma visão de cunho religioso, mas que na verdade não o tinham originalmente. O aspecto da criatura pouco teria de santo, assemelhando-se muito mais ao que seria descrito, décadas depois, por aqueles que mantivessem contatos com os tripulantes dos discos voadores: cabeça grande e calva, desproporcional ao corpo, sem orelhas visíveis, vestindo uma espécie de capacete e uma indumentária à guisa de roupa de astronauta. Uma nave transportava a criatura até o local e a projetava num cone de luz para junto da azinheira, produzindo os diversos fenômenos que a acompanhavam. Ambos abordaram outro aspecto polêmico e pouco estudado: o das curas milagrosas verificadas em dia 13 de outubro. A maioria correspondia a doenças não muito graves como gripes e alguns casos de tumores ou malária. Curiosamente, os que sararam estavam situados numa zona do recinto de Cova de Iria, onde o Sol fixou o seu vôo rasante, a mesma em que teriam se secado as roupas dos que se molharam com a chuva. Os autores estabeleceram assim um paralelismo inconteste entre esses fatos e os demais registrados em outras aparições marianas e em presença de UFOs.
Testemunha ocular do fato — O jornal de maior circulação em Portugal à época, O Século, que por muito tempo cultivou uma linha editorial abertamente anti-religiosa, enviou seu redator-chefe, o jornalista Avelino de Almeida, ao local no dia 13 de outubro. Ele, que havia se mostrado muito avesso a toda a história de Fátima e à predição do milagre num artigo que escreveu naquela mesma data, com aguda ironia descreve pormenorizadamente a paisagem humana que rodeava a azinheira, não se deixando afetar pela comoção da massa. Em sua matéria de primeira página publicada logo na segunda-feira seguinte, 15 de outubro, retratou os doentes que esperavam por uma cura, os vendedores ambulantes que já naqueles dias vislumbravam o lucro proporcionado pelas aparições, os livre pensadores conversos, os camponeses céticos, o desborde piedoso e idolátrico de milhares de crentes, além da espessa chuva que caía sobre Fátima, tornando o cenário do fenômeno um intransitável lameiro.
Como testemunha ocular, o jornalista limitou-se a fazer uma descrição fiel do que vira, e nessa mesma postura continua quando Lúcia pede à multidão que fechem os seus guarda-chuvas para orar. É nesse momento que começa acontecer o Milagre do Sol: “E assiste-se então a um espetáculo único e inacreditável para quem não foi testemunha deste acontecimento. Do alto da estrada, onde se aglomeram os carros e se conservam muitas centenas de pessoas, a quem ignorou entrar pelas terras barrentas, vê-se toda a imensa multidão voltar-se para o Sol, que s
e mostra liberto de nuvens, no zênite”. Segundo Almeida, o astro lembrava uma placa de prata fosca e era possível “fitar-lhe o disco sem o mínimo esforço. Não queima, não cega. Diria estar-se realizando um eclipse. Mas naquele momento um grande grito elevou-se de todo lado: ‘Milagre! Milagre!’ Diante dos olhos atônitos da multidão, cujo aspecto era bíblico, ao se apresentarem com a cabeça descoberta, perscrutando agudamente o céu, o Sol vibrou e realizou movimentos súbitos totalmente fora das leis cósmicas – o Sol ‘bailou’, segundo a típica expressão dos camponeses”, declarou. Então o astro começa a dançar e o jornalista descreve tudo com as seguintes palavras: “Nunca foi visto o Sol com movimentos tão bruscos, fora de todas as leis cósmicas”.
Sem mudar o tom impassível do seu relato, ele prossegue descrevendo as pessoas e suas emoções. Finalmente, conclama os cientistas a explicarem a natureza do fenômeno observado [Informação retirada do artigo Coisas Espantosas! Como o Sol bailou ao meio-dia em Fátima, publicado no jornal O Século, Lisboa, 1917]. Apesar do seu breve comentário e das suas desapaixonadas descrições, Almeida foi duramente criticado pelos ateus e setores intelectualizados que sugeriram que o jornalista fazia apologia em prol do principal beneficiário das aparições: a igreja. Uma das principais publicações anticlericais, O Dia, um grande jornal lisboeta, reportou o seguinte na edição de 17 de outubro daquele ano: “Às 13h00, a chuva cessou. O céu, de um cinza-pérola, iluminou a vasta área campestre com uma luz estranha. O Sol estava velado como que por um filtro transparente, de modo que se podiam facilmente fixar os olhos nele”.
E continua: “O cinza madrepérola tornou-se prateado, à medida que as nuvens se separavam revelando um Sol de prata que, envolto na mesma luz, girava no círculo de nuvens. Um grito elevou-se de todas as bocas, e o povo caiu de joelhos sobre o solo lamacento. A luz tornou-se de um lindo azul, como que vinda através dos vitrais duma bela catedral, e derramou-se sobre o povo ajoelhado, de mãos estendidas. Lentamente, o azul apagou-se e a luz parecia vir através de um vitral amarelo. Manchas amarelas pintaram os lenços brancos, contra os vestidos escuros das senhoras. Elas estavam sobre as árvores, pedras e montanhas. O povo chorava e orava, as cabeças descobertas diante do milagre pelo qual ansiavam”.
Uma versão resumida dos eventos ocorridos em Fátima foi publicada em vários jornais mundo afora, a despeito de astrônomos haverem testificado que nada incomum ocorrera no céu naquele dia – atitude comum até hoje quando o assunto é aparição de objetos voadores não identificados ou UFOs. Tendo presenciado os acontecimentos na juventude, o doutor José Almeida Garret, professor de ciências naturais da Faculdade de Ciências de Coimbra, forneceu uma descrição sucinta e isenta. Decidido a observar detidamente os fenômenos, posicionou-se munido de binóculos na parte alta do terreno. Garrett não escutou a ordem de Lúcia de observar o Sol, mas voltou à vista ante a atitude da multidão que exclamavam enquanto observavam o céu. “Não era algo esférico como a Lua, nem tinha a mesma cor, nem os mesmos os tons claros e escuros. Semelhava ser de matéria polida…”
Segundo ele, não havia bruma nem nuvens e o tempo se manteve assim durante 10 minutos, salvo em duas ocasiões em que uns raios fulgurantes obrigaram as testemunhas a proteger a vista. Enquanto observavam o Sol, a cor da luz que iluminava a explanada tornou-se violeta. Mais tarde a cor mudaria para o amarelo. Pouco depois, o Sol começou a girar sobre si mesmo e num momento, diante do espanto dos presentes, o astro desprendeu-se da abóbada celeste e se balançou sobre os atônitos espectadores como consta retratado no livro de Scott Rogo, Milagres: Uma Exploração Científica dos Fenômenos Paranormais [Instituto Brasileiro de Difusão Cultural (IBRASA), 1994]. Numerosos moradores de distritos vizinhos e aldeias distantes, como o poeta Afonso Lopes Vieira, que estava em São Pedro de Moel, a 40 km em direção oeste, também puderam presenciar o fenômeno. Muitos gritavam: “Ó, meu Deus, tem piedade de mim. Não me deixes morrer nos meus pecados! Virgem Maria, protegei-me, é o fim do mundo!”
Milagres e curas — Muitos milagres de curas verificaram-se nessa ocasião. O padre Inácio Lourenço Pereira, com 9 anos na época, estudava numa escola que se erguia numa colina a 13 km de distância. Em 1931, declarou que eram 14h00 quando ouviram gritos e exclamações vindos do lado de fora: “O professor saiu correndo e as crianças o seguiram. Na praça, as pessoas choravam e gritavam, apontando para o Sol e sem dar a menor atenção às perguntas do mestre… Tratava-se de um grande prodígio solar com seus maravilhosos fenômenos e que podia ser contemplado, distintamente, até mesmo da colina onde se espraiava a nossa aldeia. Nem sei como descrever o milagre, tal como no momento o presenciei. Olhei fixamente para o Sol, que parecia pálido e desmaiado. Lembrava uma bola de neve a girar… De súbito, como que se desprendeu do céu, balançou para a direita e para a esquerda, qual se fosse cair sobre a terra”.
Continua: “Aterrado, absolutamente aterrado, corri para a multidão. Todos choravam, esperando que o mundo acabasse a qualquer momento. Pelos longos minutos que durou o fenômeno solar, os objetos que nos cercavam refletiam todas as cores do arco-íris. Olhando uns para os outros, este parecia azul, aquele amarelo, um terceiro vermelho, e por aí além. Essas estranhas manifestações só faziam aumentar o terror do povo. Depois de uns 10 minutos o Sol subiu de novo como descera, ainda pálido, ainda desmaiado. Quando o povo se deu conta de que o perigo passara, houve uma explosão de alegria”.
Logicamente, não fora o Sol que dançou naquele 13 de outubro de 1917. O diretor do Observatório Astronômico de Lisboa declarou aos jornalistas de O Século que “se tivesse sido um fenômeno cósmico, os observatórios astronômicos certamente o detectariam. Mas é precisamente isso o que falta, o registro inevitável de alguma perturbação no sistema, por pequena que esta fosse”. O bispo de Leiria também não parece muito convencido de que o astro celeste se mexera no dia do milagre: “Este fenômeno” – escreveu Correia da Silva na sua carta pastoral de 13 de outubro de 1930 – “que não foi registrado por nenhum observatório astronômico e que conseqüentemente não pode ter sido um fenômeno natural, foi observado
por pessoas de todas as condições…”
Para o parapsicólogo Scott Rogo (1950-1990), há algo mais. “Considerando-se o grande número de testemunhas, o formidável milagre de 13 de outubro não pode ser explicado como alucinação em massa ou produto de histeria. Foi uma ocorrência genuinamente paranormal”, disse. No universo das manifestações marianas, as de Fátima, sem dúvida, suplantam todas as demais em alcance e importância. Se porventura adquiriu um caráter eminentemente religioso, isso se deveu eminentemente à igreja, que as enquadrou de acordo com seus interesses, canalizando o poder coletivo arrebatador de fenômenos como os ufológicos e parapsicológicos para a manutenção de sua dominância. Nunca é demais lembrar que quem controla o passado, domina o presente e determina o futuro.