108 minutos há exatos 50 anos marcaram um novo horizonte para a humanidade e, da noite para o dia, o feito transformou um ex-trabalhador de campo e piloto militar chamado Yuri Alekseyevich Gagarin num dos heróis da história. Contudo, meio século depois de sua aventura ter incentivado a corrida espacial entre a então União Soviética e os Estados Unidos, a Rússia libera agora documentos secretos contrários aos rumores de que o cosmonauta foi assassinado por ordem do governo soviético.
As mais de 700 páginas de documentos confidenciais mostram, inicialmente, a breve conversa que entrou para os anais da história, com o pai do programa espacial soviético, Sergei Korolev, que tentava acalmar os nervos do cosmonauta.“O importante é que temos salsichão para acompanhar aguardente”, brincou Gagarin pouco antes da nave Vostok ser lançada ao espaço em 12 de abril de 1961. “Aí você têm café da manhã, almoço e jantar. Embutidos, balas e chá. Ao todo, 63 peças. Vai voltar a engordar”, falou à época Korolev, obsessivo para que o cosmonauta tivesse alimentos suficientes antes de retornar à Terra.
A integridade de Gagarin foi tal que até teve tempo de rir dos nervosos técnicos que o acompanharam até o interior da Vostok quando, devido a uma falha hermética, tiveram de retirar e colocar cada um dos 32 parafusos que selavam a escotilha. Logo em seguida, ele pronunciou o famoso “Poyekhali!”, ou “Vamos lá!”, após o qual deu início a volta no planeta em 108 minutos. “Os primeiros sempre são pessoas de sorte. É preciso reconhecer que o bem-sucedido vôo de Gagarin foi em grande parte uma questão de sorte”, garantiu Anatoli Davydov, subchefe da agência espacial russa, Roscosmos.
Ao comentar os documentos soviéticos recém desclassificados sobre a odisséia, Davydov garantiu que “podem ter ocorrido inúmeras situações desagradáveis, mas não ocorreram”, matizou o funcionário, quem garantiu que a idéia inicial era que Gagarin desse uma só volta ao redor da Terra, mas Korolev decidiu fornecer mais alimentos para o caso de complicações.
A missão
Todos os 19 candidatos selecionados para o vôo da Vostok-1 eram pilotos de teste, sem medo de velocidade e magros o suficiente para caber na pequena cápsula de dois metros de largura. O charme da origem humilde da Gagarin pode ter ajudado a favorecer sua escolha e a de seu substituto, Gherman Titov. Nascido na vila de Klushino, a 150 km de Moscou, seu pai era carpinteiro e sua mãe ama de leite. A família foi forçada a viver em uma pequena cabana quando a vila foi queimada durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.
Os vôos experimentais realizados com animais, como a famosa cadela Laika em 1957, demonstraram que o estado vital piora dramaticamente a partir da terceira volta. Nem todos acreditavam que o vôo tivesse sucesso, que Gagarin retornasse vivo e que não perderia a razão, portanto as autoridades soviéticas prepararam de antemão três versões oficiais sobre o fato. Assista vídeo comemorativo narrado em português: Outra preocupação das autoridades dizia respeito à hipótese de Gagarin aterrissar fora do território soviético, por isso a agência oficial de notícias Tass preparou um documento informando todas as nações sobre a viagem do cosmonauta e que poderia aterrissar em seu solo. O próprio Gagarin, muito consciente do risco da gravidade zero, escreveu uma carta a sua esposa, na qual dava permissão para casar-se novamente e pedia que educasse suas duas filhas “não como pequenas princesas, mas como pessoas normais”.
Finalmente, a Tass emitiu um documento com o título de Sobre o bem-sucedido retorno do homem do primeiro vôo espacial no qual dizia que “às 10h55 no horário de Moscou a nave espacial Vostok aterrissou na região prevista da União Soviética. O piloto-cosmonauta major Gagarin comunicou: ‘Peço que informe ao Governo que a aterrissagem transcorreu com normalidade, que estou bem e não sofri qualquer lesão\’“, acrescentou.
A morte
Outro aspecto que ainda tira o sono de muitos é a morte de Gagarin em 27 de março de 1968 durante um vôo de treinamento a bordo de um caça Mig na região de Vladimir, que levou alguns analistas a falar de uma conspiração. “A causa mais provável da catástrofe foi uma brusca manobra para evitar uma sonda”, assinalou nesta semana Aleksandr Stepanov, chefe dos arquivos do Kremlin. “Gagarin uma vez disse: ‘para mim a minha vida inteira parece ser um momento perfeito’“, lembrou o jornalista veterano Vladimir Gubarev. Star City, o centro de treinamento espacial mais antigo do país, agora lembra de muitas maneiras um santuário para o primeiro homem que chegou no espaço, cuja morte prematura em um acidente de avião sete anos após o vôo que o tornou famoso imortalizou seu status de garoto-propaganda da União Soviética.
Teorias da conspiração afirmam que Gagarin não morreu no acidente, mas foi assassinado por ordem do líder soviético Leonid Brezhnev devido a uma acusação de deslealdade ao partido. Em uma tentativa aparente de parar de uma vez por todas os boatos que ressurgiriam com o aniversário, o governo russo decidiu liberar arquivos secretos que esclarecem a circunstância da morte de Gagarin. Os documentos mostram que uma investigação concluiu que o cosmonauta muito provavelmente perdeu controle de seu jato após desviar bruscamente para evitar um balão de previsão meteorológica.
O relatório secreto de novembro de 1968 aponta que “a brusca manobra levou à entrada do avião em um estado crítico de vôo e a sua queda em condições climatológicas adversas”. Os desclassificados relatórios da comissão que investigou a tragédia também indicam “a improvável causa” que o acidente ocorresse quando Gagarin tentava evitar a entrada em uma camada de nuvens. Roscosmos aproveitou o aniversário para negar que Gagarin e outros cosmonautas soviéticos tivessem visto ou mantido contato com objetos voadores não identificados procedentes de outros planetas.
[Nota: 20 anos depois, em 12 de abril de 1981, era lançado o ônibus espacial Columbia, q
ue nesta data completa 30 anos]
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