Nos anos 50, a chamada década dos contatados, o advogado José Carlos Paz García Corrochano integrava a Associação Peruana de Astronomia. Alarmado com as primeiras grandes ondas de discos voadores, propôs, inutilmente, que a conservadora entidade estudasse o fenômeno. Decepcionado com as negativas, escorou-se em um grupo de amigos para fundar, em 31 de janeiro de 1955, o Instituto Peruano de Relações Interplanetárias (IPRI). Nessa altura, já era pai de um filho, Carlos Roberto Paz Wells, nascido no ano anterior. Em 1956 nasceria Sixto Paz Wells. Por crescerem em um ambiente predominantemente marcado pelo assunto disco voador, ambos seguiriam os passos do pai, impulsionando um movimento que congregaria milhares de fanáticos seguidores e suscitaria polêmicas de proporções cósmicas.
Mantiveram-se discretos por 20 anos, até que, no final de 1973, uma notícia vinda da Colômbia, dando conta das experiências levadas a cabo pelo engenheiro Enrique Castillo Rincón, indicaria os rumos a serem tomados — Rincón reunira um grupo de sensitivos e tentara estabelecer contato mediúnico com extraterrestres. Um deles garantiu ter conseguido falar com dois seres chamados Cromacan e Krisnamerk. Para dissipar as dúvidas, o sensitivo agendou um encontro com as entidades. Na hora e no local estabelecidos, um UFO apareceu, para espanto de todos. Entrementes, já no início de 1974, José Carlos e seu filho Sixto assistiram a uma palestra sobre telepatia proferida por Victor Yañez Aguirre, médico do Hospital da Polícia e presidente da Sociedade Teosófica de Lima, e saíram inteiramente convencidos de que essa era a melhor via para contatar os extraterrestres. Em 22 de janeiro, Sixto convocou a família para uma sessão de psicografia. Munidos de papel e lápis, relaxaram e se concentraram profundamente. Quinze minutos depois, Sixto sentiu um desejo irreprimível de escrever e começou a rabiscar uma série de palavras: “Meu nome é Oxalc, de Morlen, uma lua de Júpiter. Vocês a chamam de Ganímedes. Podemos entrar em contato. Logo nos verão”.
No dia seguinte, seu irmão arrebanhou 20 pessoas, todas filhos de membros do IPRI. Rodeados em torno de Sixto, esperavam uma nova mensagem, que não tardou a chegar. Esta mencionava uma data, uma hora e um local: 07 de fevereiro, às 21h00, no Deserto de Chilca, a 60 km ao sul de Lima. “Na hora e no lugar assinalados, objetos em forma de disco apareceram no horizonte e pairaram a uns 80 m do grupo. Ficamos em pânico”, afirmou Sixto. Em estado de meditação e relaxamento, sentiu uma tremedeira e uma vontade irrefreável de escrever: “Coloquei o lápis no meio da página e de repente os rabiscos sem sentido viraram frases claras, em letra de forma, que diziam: ‘a sala de estar é boa para fazer esta comunicação, podemos falar sobre os UFOs em seu país. Eu sou Oxalc, de Morlen. Podemos nos comunicar no futuro’”.
Sumindo na noite
De volta a Lima, contatou novamente Oxalc, que marcou uma nova data. Quarenta pessoas estavam presentes no local combinado, entre elas o pai e o irmão de Sixto e o inspirador de tudo aquilo, Victor Yañez. Exatamente na hora indicada, surgiram seis objetos que não se aproximaram tanto como da vez anterior, guardando uma distância suficiente para que entrevessem suas manobras. A ida àquela região, onde viveriam situações alucinantes, se tornaria rotina nos meses que se seguiram. “Um dia tínhamos ido ao local da observação”, contou Carlos Roberto, “e de repente, no meio do caminho, meu irmão, que estava conversando com outro rapaz, sumiu no meio da noite, no deserto. Começamos a procurá-lo apavorados, e lá no fundo vimos uma luz entre as dunas”. Realmente lá estava Sixto, em estado de transe.
Carlos Roberto, também conhecido como Charlie, continua sua narrativa: “Uma névoa densa, quase fosforescente, formou-se em torno dele, e de dentro de uma luz estroboscópica saiu um humanoide loiro e alto, com cerca de 1,8 m, de cabelo comprido e olhos puxados, vestindo uma túnica semelhante a de Luke Skywalker, de Guerra na Estrelas. Ele ficou na frente de meu irmão, e nós atrás, observando. Meu pai deu meia-volta e o ser entrou na luz, que se apagou. Então meu irmão acordou e disse: ‘O que aconteceu?’ Ele mesmo explicou que aquilo fora uma projeção holográfica. Estavam nos preparando para que nos habituássemos à sua forma física”. Na semana seguinte, o grupo teria visto outro UFO se aproximando, conforme prossegue relatando Carlos Roberto:
“Ele costumava ficar parado, mas desta vez começou a baixar. Lenticular e metálico, diferia do primeiro porque não tinha janelas. A porta se abriu e uma criatura desceu por uma rampa fazendo gestos para que nos aproximássemos. Ficamos apavorados. Um pouco mais calmos, caminhamos rumo ao objeto, até ficarmos praticamente em frente à escada ou plataforma. O humanoide era bem alto, tinha quase dois metros de altura, os cabelos loiros, quase brancos. Parecia um norueguês. Os olhos eram muito mais puxados do que aqueles que víramos da primeira vez e um pouco mais separados do que o normal em relação ao eixo nasal. Vestia um macacão inteiriço, com cinto e botas de cano longo. Nós subimos atrás dele. Chegamos até a entrada do objeto e vimos um salão circular onde havia mais três homens. Adentramos e vimos duas mulheres belíssimas vestindo uma roupa similar às dos homens — elas usavam um capuz. Começamos então a ouvir a voz do ser que nos guiava. Sua boca, entretanto, não se mexia. ‘Não se assustem, está tudo bem, não vamos fazer nenhum mal a vocês’ ”.
“Que planeta é este?”
E continuaram percorrendo a nave. “Do lado direito, ao fundo, um ser estava sentado em uma poltrona superanatômica e havia um painel que era como uma televisão de quatro metros por sete. O monitor era côncavo e a imagem, perfeita. De repente, vimos a nós mesmos na tela, Lima e minha casa. Eles tinham gravado cenas do nosso dia a dia e de vários lugares da Terra. Em um certo momento, vi um lugar completamente árido, cujo céu apresentava uma cor diferente. Um dos rapazes do grupo perguntou: ‘Que planeta é este?’ O ser respondeu: ‘Não se trata de outro planeta. É o seu provável futuro’”. O ser explicou a eles que acompanhavam a civilização humana há muito tempo e andavam tremendamente preocupados com o homem. Teriam também dito que desejavam conscientizar a raça humana em todos os aspectos e viam com preocupação a evolução da tecnologia terrena, que um dia poderia afetar a ordem cósmica superior. Por isso buscavam pessoas dispostas a partilh
ar seus conhecimentos e difundir suas mensagens. “Seríamos nós essas pessoas”, pensou Charlie.
“Pensem e depois nos respondam. Se vocês não quiserem, não há problema. Aqui se encerram nossos contatos com vocês. Procuraremos outros que realmente possam vir a participar dessa experiência”, teria dito o ser extraterrestre. “Depois nos botaram para fora. Voltamos a Lima e falamos com o grupo. Aceitamos, pela aventura, e a experiência continuou até agosto de 1974”, adicionou Charlie. Em um dia de julho, seu irmão Sixto caminhava por Chilca e, após atravessar uma colina, viu uma meia Lua dourada, brilhante, na altura do solo. “Era um xendra, ou seja, um portal de cinco metros de diâmetro. Senti-me atraído por ele. Em seu interior vi um ser alto, de cabelos longos e traços mongoloides que gesticulou para que me aproximasse. Ele disse que iríamos a Ganímedes. Demos uns poucos passos e saímos em um lugar muito diferente de Chilca. Vi gigantescas cúpulas que encobriam a Cidade de Cristal ou Matrix — Oxalc revelou-me que na verdade eles eram de Órion e haviam colonizado Morlen há 20 mil anos”.
Na hora indicada, surgiram seis objetos que não se aproximaram tanto como da vez anterior, guardando uma distância suficiente para que entrevessem suas manobras. A ida àquela região, onde viveriam situações alucinantes, se tornaria rotina
Noutra ocasião, garantiu Carlos Roberto, ele e Sixto tiveram o privilégio de serem um dos poucos a contatarem pessoalmente Ashtar Sheran, o alegado comandante da Frota dos Homens do Espaço. “Éramos apenas seis pessoas quando uma nave pousou e apareceu uma figura que se apresentou como Ashtar Sheran. Era loiro, olhos claros, de semblante sério. Tinha um olhar penetrante, um pouco diferente dos desenhos que vi por aí. O cabelo não era totalmente penteado para trás, tinha uma mechas na frente. Foi a única vez que o encontramos. Ele nos pediu que, quando voltássemos para Lima, divulgássemos tudo pelos meios de comunicação”. A imprensa difundiu estrondosamente as experiências. O correspondente da agência EFE na capital peruana, Enrique Valls, foi quem espalhou a tresloucada notícia em 23 agosto de 1974. Escreveu ele: “Cinco membros do IPRI estabeleceram contato com um disco voador procedente de Ganímedes, o maior dos satélites naturais de Júpiter. O grupo vem mantendo contato com extraterrestres há oito meses, revelou à EFE o presidente da dita instituição, José Carlos Paz García”. Oportunisticamente, Sixto e Carlos Roberto Paz Wells aproveitaram para anunciar a criação da Missão Rama.
Nada de muito novo
“As matérias publicadas em seguida foram supersensacionalistas”, admitiu Charlie. Da Espanha, o jornal La Gaceta Del Norte, de Bilbao, enviou um jovem correspondente internacional, o escritor que logo seria um dos mais famosos do mundo, Juan José Benítez. Após entrevistá-los, Benítez disse a Carlos Roberto, o mais velho e que se considerava o menos místico do grupo: “Olha, o que vocês estão falando aqui é muito simpático, agradável, transcendental, mas não vejo nada de muito novo nisso. Já que vocês são tão íntimos dos extraterrestres, por que não me convidam para um encontro? Se o que eles querem é publicidade, eu ofereço isso”. Sem consultar o grupo, Carlos Roberto ligou para o correspondente e acertou uma data: 07 de setembro. “É o dia do meu aniversário!”, exclamou Benítez. “Ótimo, tomara que você ganhe um presente”. Quando os demais tomaram conhecimento da decisão, ficaram deveras irritados — eclodia assim o primeiro dos grandes problemas internos da Rama, prenunciando o racha.
O tempo não prometia, pois as nuvens cobriam o céu invernal. As horas transcorriam e o frio aumentava. De repente, uma senhora soltou um grito. A luz de um holofote projetava-se de trás das nuvens. O objeto luminoso começou a descer em meio à bruma ao redor. “Benítez deu um pulo para trás e correu em direção ao grupo. O artefato voltou a subir e apareceu então um segundo aparelho ao lado e o primeiro baixou novamente. Um objeto menorzinho ficou dando voltas ao redor dele. Foi uma coisa fantástica. Benítez voltou à Espanha no dia seguinte e durante 12 semanas publicou páginas inteiras narrando o que vivenciara no Peru”, lembrou Carlos Roberto.
A tiragem do jornal La Gaceta Del Norte, onde J. J. Benítez fazia seu relato dos fatos, elevou-se em mais de 20 mil exemplares. A convite da Editora Plaza & Janes, de Barcelona, ele escreveu UFOs: SOS a la Humanidad [Plaza & Janes, 1975], dedicada ao grupo Rama. Retornou ao Peru em 1975 acompanhado do jornalista e fotógrafo Fernando Mugica. Em 07 de fevereiro, no Deserto de Chilca, junto com 12 membros do grupo, viram objetos que desta vez não chegaram tão perto. “Foi como se um cavalo tivesse me dado um coice no estômago. Pulei para trás e, ao me virar, vi entre as nuvens uma luz branca tão intensa que formava uma auréola. Eram 21h15, exatamente o horário combinado”, relatou Benítez em seu segundo livro, 100.000 km Trás los UFOs [Plaza & Janes, 1978]. As reportagens, os livros e um documentário na TV espanhola divulgaram massivamente a já bem conhecida Missão Rama.
Começa a briga entre os irmãos
Entrementes, as brigas internas provocavam cisões. Sixto liderava uma das facções. Carlos Roberto fixou-se no Brasil em 1976, constituindo o primeiro rebento do grupo Rama: “Sixto estava apenas com um grupinho completamente fechado e eu fundei os grupos”, reivindicava Carlos Roberto. “Quando vim para cá, entreguei na mão dele o trabalho com esses grupos. O Peru tinha ficado como foco porque foi lá que começaram as experiências. Então meu irmão começou a fazer todo um trabalho de difusão de experiências, mas ele estruturou um esquema que eu não aceitei — ele queria que os grupos se mantivessem economicamente. Era uma linha de trabalho extremamente flexível e perigosa, e acabou criando desequilíbrios. Algumas pessoas tiveram problemas familiares, com a polícia, caíram no fanatismo etc. Meu irmão descobriu que o que ele estava fazendo não era certo e decidiu encerrar suas atividades nesse campo, limitando-se a proferir palestras e conferências no exterior”.
O grupo original se fragmentou em dezenas de denominações. Em 1979, só na Espanha, contabilizavam-se 600, sendo que apenas 20 se relacionavam entre si. A maioria se desligou completamente da Rama. Para reverter a decadência que se prolongava desde o início dos anos 80, em 1985 o contatado Juan Ester Piqué
difundiu em Barcelona o boato de que Sixto Paz Wells, em silêncio há anos, havia se suicidado. Ele desmentiu a notícia e anunciou uma nova visita a Espanha. Ironicamente, o falso anúncio de sua morte tirou-o da letargia de quase uma década. Rama voltou à baila com um remake dos episódios de 1974. Em abril de 1986, Sixto anunciou que os “guias” o haviam convocado novamente e marcado um encontro no velho Deserto de Chilca. Lá, teriam visto uma “nuvem amarelada de onde partiu um raio de luz” que os envolveu. Em 30 de março de 1987, o peruano contou que estivera mais uma vez em Ganímedes, tendo ascendido por um túnel de cristal à “Cidade Fraternidade”, um lugar habitado por cerca de 12 mil seres de procedências diversas, dentre eles terrestres dados como desaparecidos: “Vi diversos seres transitando por ali. Alguns eram altos, com cabeça em forma de pera invertida e braços compridos que tocavam os pés”.
Em 21 de fevereiro de 1989, Sixto convocou os jornalistas para uma aparição que se verificaria em Chilca na noite de 27 de março. Seis deles compareceram, entre os quais Joan Baseda, da Radio El Vendrell, de Tarragona. Rama renascia, e desta vez para o mundo — no final dos anos 80 os seguidores espalhavam-se por 33 países. Dezenas de novos grupos surgiram e os antigos se reagruparam em torno do núcleo principal, agora em Lérida, Espanha, cidade que Sixto escolheu para fixar residência. Alguns o acusaram de possuir uma milionária conta bancária, oficialmente um fundo para manter as atividades e financiar as viagens do grupo.
ETs em missão pacificadora
Durante o 2º Congresso Internacional de Ufologia de Penedés, realizada em El Vendrell, Sixto Paz Wells surpreenderia novamente. Em 14 de outubro de 1990, simplesmente deu como encerrada a Missão Rama, manifestando preocupação com a dimensão messiânica que o movimento tomara na América do Sul. Ele justificou dizendo que Rama completara sua missão naquele ano e no anterior, período em que viajaram ao Egito e ao Taiti estabelecendo contatos com a Irmandade Branca, um grupo de 32 extraterrestres encarregados de uma missão pacificadora. Charlie, em uma de suas visitas a Espanha, declarou que a decisão de dissolver a Rama, tomada unilateralmente por seu irmão, não devia ser levada em conta. Com um gesto desafiador, negou-se a fechar os grupos do Brasil.
O programa semanal La Máquina de la Verdad, transmitido pela TV espanhola, praticamente pôs fim à história dos irmãos em um teste no detector de mentiras. O aparelho reprovou Sixto quando afirmava ter viajado a Ganímedes
O popular programa semanal La Máquina de la Verdad, transmitido pela cadeia espanhola Tele 5, praticamente pôs fim à história dos irmãos. No programa se submetia personagens implicados em escândalos a uma acareação e em seguida a um teste no detector de mentiras. Na noite de 31 de março de 1994, o detector não reprovou Sixto quanto às afirmações de que andava em contato com extraterrestres — mas apontou que mentia quando afirmava ter viajado a Ganímedes. O resultado maculou de vez a reputação já abalada de Sixto, que se recusou a admitir que cobrara dois milhões de pesetas por sua participação no programa.
No Brasil, Carlos Roberto Paz Wells também nunca foi bem visto pela comunidade ufológica, que o acusava de mentir descaradamente, de montar os cenários dos contatos e de falsificar dados. Não era para menos, visto que ele só se tornou conhecido depois de protagonizar uma farsa. Mal pisara nestas terras, ofereceu um repertório fotográfico fraudulento à extinta revista Manchete, que, ludibriada, utilizou-o na matéria “Encontro Marcado com Disco Voador, na edição de 07 de abril de 1979 — as luzes que pareciam UFOs multicoloridos pairando sobre o Bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo, eram na verdade simples fogos de artifício. Segundo revelou o médico e ufólogo Max Berezovsky, presidente da extinta Associação de Pesquisas Exológicas (APEX), o autor das fotografias era, na verdade, outra pessoa que, percebendo o engano, se desvinculou delas. Charlie se apossou das mesmas, reivindicando para si a autoria — só quando ficou comprovada a armação é que ele passou a negar seu envolvimento. Já era tarde.
Redimindo-se da mentira
Nada menos do que 17 anos depois, Manchete trouxe na seção Linha Direta uma carta de Carlos Roberto Paz Wells em que se retratava e negava ser ele ou qualquer outro o responsável pela armação. Dizia a carta: “Por alguma confusão, me foi atribuída a participação na realização das fotos, coisa que em nenhum momento confirmei. Ocorre que, infelizmente, além de ter sido apresentado como coautor das fotografias, resulta que as mesmas eram falsas. Nesse sentido, quando fui convidado pela revista Manchete a participar de uma reportagem sobre discos voadores, me foi solicitado material fotográfico para ilustrar a matéria. Razão pela qual apresentei uma relação de fotos, dentro das quais se encontravam as truncadas. Já em 1979 o reconhecimento de minha fenomenologia de contatado havia, em muito, ultrapassado as fronteiras brasileiras. Peço a publicação desse esclarecimento na tentativa de redimir o equívoco que, sob qualquer condição, foi apenas um acidente, sem responsáveis diretos”.
Valendo-se de um modus operandi semelhante ao do irmão, Carlos Roberto preferia os locais ermos — como a Serra da Mantiqueira, usada entre 1987 e 1993 e abandonada porque pessoas de fora do grupo a invadiram — para estabelecer contatos previamente marcados. Em 1995, mudou o nome da seita para Projeto Amar. Em uma entrevista concedida à revista Planeta, em 1993, ele explicou que a configuração estrutural do grupo “é muito simples: todos os elementos são preparados para ter contato, que vai desde a experiência telepática até a concreta, ou seja, ver o disco voador, os tripulantes, conversar com eles. Quando chega a esse nível de experiência, o grupo é obrigado a montar outro grupo que terá o mesmo nível atingido antes. A experiência vem como comprovação do processo, e só a partir de três anos, aproximadamente, a pessoa terá um contato, que vai evoluir. Uma vez considerada apta, essa pessoa passará a colaborar com a formação de outros grupos”.
Na época, Carlos Roberto Paz Wells dizia integrar um grupo de contato que estava se relacionando com cerca de 15 sociedades extraterrestres. “Destas, apenas cinco têm se manifestado mais frequent
emente para nós. Eles são de um leque de planetas próximos, entre eles Alfa do Centauro e Órion. O mais próximo orbita ao redor de Alfa do Centauro, a 4,5 anos-luz daqui. Eles têm uma tecnologia extrema que, na verdade, os transporta não apenas a velocidades superiores à da luz, mas através de umbrais de tempo”. Em 1974, teria acontecido com ele um “fenômeno muito louco”. Ele disse que, em uma viagem, saiu da Terra e foi para o planeta deles em segundos. “Fiquei lá 15 dias, mas, quando retornei, tinham-se passado 15 minutos. Teoricamente, eu estaria coexistindo em dois lugares do universo ao mesmo tempo — só que, pelas distâncias, não provoquei nenhum tipo de mudança dessa relação de tempo e espaço. Se eu tivesse me encontrado comigo seria um absurdo. Aí teríamos criado um paradoxo de tempo. Biologicamente, estou 15 dias mais velho, não apenas 15 minutos. Loucura, não?”
“Jogo muito perigoso”
Reclamando de que existia muita desinformação quanto ao fenômeno, Carlos Roberto Paz Wells atacava os investigadores que acreditavam que somos cobaias dos extraterrestres. “Se isso fosse verdade, eles estariam jogando um jogo extremamente perigoso conosco. Afinal, eles estão nos dando a possibilidade de conhecê-los. A partir do momento em que temos nítida e clara a sua presença, temos a condição do revide a qualquer instante. Qual seria a vantagem de eles nos submeterem a alguma coisa? Só ter dor de cabeça. Os extraterrestres são fundamentalmente vegetarianos e sintetizam seu alimento no próprio universo. Não precisariam, portanto, vir à Terra para retirar fontes e recursos de alimentação. Então, essa história não se justifica. Podem existir seres extraterrestres cujo nível de evolução é apenas tecnológico. Filosoficamente, talvez não sejam tão transcendentais. Mas duvido que sua condição de relacionamento seja hostil”.
Indagado se sua atuação profissional como gerente de propaganda da Philco não entrava em choque com as convicções que os extraterrestres haviam lhe infundido, respondeu: “Não tenho qualquer tipo de conflito ético porque tenho trabalhado sempre em empresas voltadas a produtos que não ofendem de modo algum o consumidor […] não vou promover uma atividade de marketing em cima de um produto em que não acredito”. Entretanto, ao inserir a figura de ETs do tipo alfa-cinzentos ou grays em uma campanha, envolveu-se em uma ignominiosa polêmica. Conforme reportagem de Renato Pires e Marcelo Queiroz, publicada na edição de 30 de julho de 1996 do jornal Propaganda & Marketing, uma liminar do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) determinou, em 26 de julho, a suspensão da veiculação dos comerciais da campanha ETs, criada pela agência F/Nazca para uma nova linha de videocassetes da Philco. O documento foi assinado pelo publicitário Enio Basile Rodrigues, conselheiro relator da Câmara de Ética da entidade.
O CONAR recebeu cartas condenando as cenas de tortura apresentadas na campanha — os filmes mostravam extraterrestres sendo torturados por funcionários de uma indústria de produtos eletrônicos, que não acreditavam que o aparelho da Philco tinha sido produzido na Terra. De acordo com Ednei Narchi, diretor executivo do órgão, as reclamações que levaram à abertura de processo foram feitas por Fábio Magalhães, presidente do Memorial da América Latina, e por um representante da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. As cartas assinalavam que as cenas de tortura exprimiam uma violência grotesca, o que afrontava a cidadania, a ética e os direitos humanos.
“Atitude autoritária e arbitrária”
Na semana anterior, um jornal de Recife noticiou que o Ministério Público solicitara à TV Globo cópias dos comerciais que, segundo denúncia da Rede Estadual de Entidades pelos Direitos Humanos, continham cenas de tortura e racismo. Fábio Fernandes, presidente da F/Nazca e diretor de criação da campanha, rebateu as acusações dizendo que a suspensão era “uma atitude autoritária e arbitrária, configurando censura”. Para ele, a campanha era nitidamente bem humorada. Já o jornal Propaganda & Marketing voltaria ao assunto na edição de 06 de agosto, dizendo que em apenas 18 horas a F/Nazca fora obrigada a criar, produzir e colocar no ar um novo comercial — intitulado Tortura Nunca Mais — para substituir os filmes com os ETs da Philco, suspensos pelo CONAR. Cenas do universo eram mostradas e uma locução em off lia o seguinte texto:
“Em respeito aos direitos humanos dos extraterrestres, a Philco, em uma atitude inédita, vem revelar o segredo dos seus videocassetes. Concorrentes, larguem as orelhas dos ETs, e anotem: A Philco usa a tecnologia \’xizbedozeintergaláticaglacialciberpslonv4spartrektotal’. Pronto. Os ETs não têm culpa. Liberdade para os ETs. Tortura nunca mais”. Na cena final surgiam seis ETs que diziam: “Obrigado, Philco”.
Carlos Paz Wells consternou seus seguidores ao assumir seu lado feminino, submetendo-se a uma série de cirurgias plásticas e virando Verônica Lane. ‘Desde os quatro anos de idade que me via como uma mulher em corpo de homem’, disse
Na entrevista concedida a Renato Pires, publicada na edição de 27 de agosto de 1996 do mesmo jornal, Carlos Roberto Paz Wells falou sobre a suspensão da campanha: “Esse descompasso com o CONAR é coisa do passado. Felizmente não arranhou a imagem da Philco e nem da agência, claro. Seria o fim, se isso ocorresse. Quanto ao ganho na mídia, sem dúvida houve repercussão positiva. Mas foi apenas uma decorrência de uma boa publicidade. Esta, sim, planejada. O resto aconteceu”. Disso se depreende que a campanha intencionava, subliminarmente, transmitir por meio da poderosa máquina publicitária um conceito maniqueísta: “Os ETs bons são os altos e loiros. Os baixinhos e cinzentos são maus por natureza e por isso não há nenhum problema em torturá-los”. Não por acaso, os ETs de conformação ariana eram os protótipos dos messias espaciais que deveriam não só nos salvar de nós mesmos como também dos ataques dos cinzentos nefastos — uma reedição moderna da antiga batalha entre deuses e demônios.
A deputada democrata-cristã Pilar Salarrullana, da Comissão Senatorial, enquadrou Rama na categoria de seitas em sua obra Las Sectas [Editorial Temas de Hoy, 1990]. O ufólogo Bruno Cardeñosa, que conheceu Sixt
o Paz Wells em 1991, quem descreveu como “um homem frio que respondia as perguntas com uma serenidade prussiana”, conviveu com vários membros da seita e achava que ela não representava qualquer tipo de perigo. Nisso estava em discordância direta com o ufólogo Javier Sierra [Correspondente internacional da Revista UFO], que afirmou: “Os métodos de contato utilizados, como a escrita psicografada, tábua Ouija etc, podem acarretar dependência em seus praticantes. Não há dúvida de que os supostos contatos psicográficos acarretaram em algumas pessoas graves distúrbios psicológicos”. Isso é o que se lê em seu texto Extraterrestres: Deuses de Uma Nova Religião?, da fase da Coleção Biblioteca UFO, da Revista UFO, anterior aos seus livros atuais.
O sectarismo dos grupos dissidentes da Missão Rama não raro punha a Polícia Espanhola de sobreaviso. A Irmandade Rama de Oviedo, liderado por Miguel Copa, anulava a personalidade dos adeptos e os induzia a deixar suas famílias. Um enviado da seita teria dito a uma mulher de Gerona, na frente de seu marido e seus filhos “Cristo te chama agora”, instando-a a acompanhá-lo abandonando a casa. Algum tempo depois ela retornou devido a problemas financeiros. Em 1987, Olga Caballé Bosch, da cidade de León, aderiu à seita após ser rebatizada com um “nome cósmico”.
Se arrependimento matasse…
Em várias ocasiões o próprio Benítez mostrou-se arrependido por ter escrito livros enaltecendo ou apoiando a seita: “Creio que criei mais problemas do que outra coisa. Ainda hoje, quando recebo uma carta de um jovem na faixa dos 14, 15 anos, perguntando-me sobre a Rama, atiro-a no lixo”. Principal difusor do engodo armado por aqueles adolescentes, aprendizes de contatados, o jornalista ajudou como ninguém a popularizar a seita, predominantemente entre os mais jovens. Convencendo-os a crerem na eficácia mágica do ritual, por meio da qual, prometiam, se poriam em contato direto com a divindade, os líderes das diversas facções inculcava-lhes o evangelho dos extraterrestres. Em entrevista ao editor A. J. Gevaerd, em 1996, Benítez falou abertamente de seu arrependimento [Veja box nesta matéria].
Carlos Roberto Paz Wells consternou seus seguidores em fevereiro de 1999 ao assumir publicamente seu lado feminino. Charlie submeteu-se a uma série de cirurgias plásticas no Canadá e transformou-se em Verônica Lane. “Desde os quatro anos de idade que me via como uma mulher em corpo de homem”, afirmou em sua página na internet, meio que preferiu para anunciar sua condição de transexual ao seu séquito de seguidores. “Não sei se fico surpreso, chocado ou revoltado com essa atitude”, disse à Revista UFO um dos membros do Projeto Amar, no artigo Líder Contatista Agora Quer Virar Mulher, da edição 65 da Revista UFO.