Preocupado em explicar como o mundo andou no último milênio, e o que a gente pode esperar do próximo, o historiador inglês (de mãe espanhola) Filipe Fernández-Armesto inventou um personagem, um visitante intergaláctico que passa por aqui a intervalos de uns mil anos – bem pouco tempo para quem viaja entre galáxias.
Na última visita, há uns 500 anos, o país mais poderoso e importante do mundo era a China, constatou o personagem intergaláctico. Na próxima, deverá ser ela de novo, concluiu o historiador. Em outras palavras: nem terá dado para notar que os chineses, por alguns poucos séculos, perderam a liderança para o Reino Unido e, depois, para os Estados Unidos.
A idéia de que a China possa ameaçar seriamente os Estados Unidos de maneira militar ficou mais clara nos últimos dias, devido a um silêncio. Até agora a Casa Branca não conseguiu nenhuma reação do governo chinês para um bem sucedido teste, feito pelos chineses, e que terminou com a destruição de um velho satélite de comunicações chineses que orbitava a uns 800 quilômetros de altura.
É um feito notável de tecnologia bélica. Os chineses dispararam do próprio território um míssil de alta velocidade, que foi capaz de destruir um alvo a 800 quilômetros de distância e que media menos de 2 metros de diâmetro. O míssil chinês é chamado de cinético pelos especialistas. Não são explosivos, mas a altíssima velocidade dele que fornece a energia destruidora.
Até agora, só Estados Unidos e Rússia possuíam a tecnologia para derrubar satélites, e ambos não a utilizaram nos últimos vinte anos. Especialmente preocupante para os americanos foi o fato de que os chineses atingiram um satélite que operava na mesma altitude dos principais sistemas de vigilância e comunicação dos Estados Unidos.
As forças armadas americanas dependem cada vez mais de comunicação instantânea e de reconhecimento feito por satélite – a integração dessas informações com o comando tático em terra foi completada pela primeira vez durante a invasão do Iraque, há quase quatro anos. Também uma parte dos sistemas americanos de detecção quase instantânea de mísseis inimigos depende desse tipo de satélite.
Durante a Guerra Fria era um recurso quase clássico dos adversários primeiro testar com sucesso uma arma ou um sistema e, depois, levar o outro a negociar. O que surpreende no caso da China – pelo menos surpreendeu muito a Casa Branca – foi o fato de que os chineses até agora nada disseram, além de algumas formulações diplomáticas sobre a sua intenção de jamais “militarizar” o espaço.
Para o governo em Washington, o desafio não poderia ser mais eloqüente. No começo do ano passado o presidente Bush anunciou a revisão da estratégia americana de segurança para o espaço, afirmando que seu país jamais permitiria que inimigos o ocupassem de maneira ameaçadora (para os EUA, claro), e que agiria preventivamente. Os Estados Unidos se recusaram, até agora, a concluir tratados limitando o uso militar do espaço.
Curiosamente, o que preocupou mais a Washington nos últimos dias não foi tanto a perspectiva de uma nova corrida do tipo Guerra nas Estrelas (o esforço armamentista final que ajudou a ruir a União Soviética) mas o silêncio no governo em Pequim. O próprio assessor nacional de segurança americano disse a jornalistas que provavelmente o presidente chinês não fora avisado a tempo do teste pelos seus principais militares – quanto os civis na China mandam no que fazem os militares? Diante do fato de que há na China visões bem distintas sobre até onde deve-se caminhar na abertura econômica e política, não é apenas uma pergunta retórica.
Em termos econômicos, os Estados Unidos têm sido descritos por alguns analistas como um gigante com pés de barro, hoje espetacularmente ligado ao crescimento da economia chinesa, e não há muito o que os políticos em Washington possam fazer para mudar radicalmente essa situação. Em termos militares, porém, a questão mais importante dos próximos anos será saber o quanto eles tolerarão o desafio chinês.