A sociedade costuma recorrer a atributos considerados normais para categorizar as pessoas. Aquelas que destoam de algum modo dos padrões estabelecidos vigentes são relegadas a uma escala decrescente de prestígio. Estigmatizadas, sofrem a rejeição por não corresponderem aos modelos impostos. Dependendo das condições, acabam afastadas, marginalizadas e segregadas, enfrentando a crueldade alheia. O doente mental faz parte desse grupo de indesejáveis, destinado a tratamentos ordinários e ao descaso da maioria. Infelizmente, os métodos adotados pela maior parte das instituições psiquiátricas continuam praticamente inalterados desde o século passado.
Essas discrepâncias soam um tanto mais graves quando estudamos a fundo casos de pacientes diversos, muitos deles dotados de talentos e inclinações que a sociedade em geral reluta em reconhecer, seja por preconceito ou ignorância. O que mais nos surpreende, contudo, é o fato de ser muito comum entre os loucos a expressão de elementos arquétipos mitológicos semelhantes aos encontrados nas narrativas envolvendo discos voadores e seres extraterrestres. Distúrbios mentais manifestados por alegados contatados e abduzidos também fizeram-nos pensar numa ligação intrínseca, ainda não encarada devidamente pelos centros de tratamento psiquiátrico tradicionais, afeitos, como dissemos, a vê-los somente como insanos.
O Fenômeno UFO é um fato traumatizante. Muitas pessoas que passam por experiências nas mãos de aliens sentem na pele o agravamento de sua situação. Rejeição familiar, inadequação social e outros processos marginalizadores levam o indivíduo a se isolar da sociedade. Como conseqüência, muitos abduzidos acabam mesmo em hospitais psiquiátricos
O alemão Daniel Paul Schreber (1842-1911), juiz presidente da Corte de Apelação na cidade de Dresden, aos 51 anos foi acometido de uma grave crise psicológica, acompanhada de delírios que lhe custaram nove anos consecutivos de internações em sanatórios psiquiátricos. Schreber era um homem de sólida formação cultural, que dominava idiomas como grego, latim, italiano e francês, conhecia História, Ciências Naturais e Literatura Clássica, e para completar era um exímio pianista, sem falar nos conhecimentos jurídicos, sua especialidade.
CONEXÃO NERVOSA – Ele negava com veemência ter perdido a razão, admitindo somente padecer dos nervos. “Minha mente é tão clara quanto a de qualquer outra pessoa”, dizia. Resolveu assim escrever o livro Memórias de um Doente de Nervos, esperando que o leitor confiasse na honestidade de suas palavras e na seriedade de suas intenções. Em 1903, ao publicá-lo, Schreber acreditava sem modéstia que o livro figuraria entre as obras mais interessantes que já foram escritas desde que o mundo existe. Ele estava certo. Freud devotou-se ao livro, analisando-o como se tratasse de um de seus pacientes.
Schreber sentia-se em permanente “conexão nervosa” com Deus e todas as suas instâncias intermediárias: raios, luzes, almas e vozes. Deus fazia a ele basicamente duas exigências: que desse provas de integridade intelectual, coagindo-o a pensar sem cessar e que desenvolvesse no seu corpo a “volúpia da alma” (um estado de sensualidade radical), transformando-se num corpo feminino. Uma vez transformado em mulher, Schreber seria fecundado por Deus e geraria uma nova Humanidade. Em certos trechos do livro, sugere que o poder de Deus imbrica-se a outros planetas habitados: “Não me atrevo a decidir se deve afirmar diretamente que Deus e o firmamento são a mesma coisa ou se é necessário representar o conjunto dos nervos de Deus como algo situado além das estrelas e, por conseguinte, as nossas estrelas, o nosso Sol como meras estações através das quais o poder criador milagroso de Deus percorre o caminho até nossa Terra (eventualmente até outros planetas habitados)”. Menciona ainda aparições de seres estranhos da mesma forma que os contatados atuais: “… os fenômenos luminosos não se mantiveram ao meu redor de maneira mais duradoura. Graças a estes fenômenos vi Ariman à noite, não em sonho, mas em estado de vigília, e em vários dias subseqüentes vi Ormuzd, durante minha permanência no jardim”.
Um museu de imagens do inconsciente. Visando resgatar o significado das expressões aparentemente alucinadas e desconexas de psicóticos e esquizofrênicos e suas vigências particulares, a psiquiatra Nise da Silveira, pioneira dos estudos junguianos no Brasil, fundou em 1952, quando dirigia a Seção de Terapêutica Ocupacional do Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro, o Museu de Imagens do Inconsciente. Ela se encontrou pessoalmente com Jung na manhã do dia 02 de setembro de 1957, ao participar de um congresso mundial de psiquiatria em Zurique. Paralelamente, havia uma ex-posição de pinturas de pacientes esquizofrênicos de 17 países, incluindo o Brasil. Recebeu a recomendação do próprio Jung para que se dedicasse ao estudo da mitologia, chave de acesso ao universo psíquico de seus pacientes.
Ao retornar ao hospital carioca, Nise reconheceu na seqüência de desenhos e pinturas de Adelina, psicótica, uma perfeita similitude com o mito de Dafne, a ninfa grega que rejeita Apolo e, ao ser perseguida pelo deus, pede à mãe Terra que a transforme numa flor. A problemática de uma doente, no final dos anos 40, confundia-se com uma lenda de eras remotas. As artes plásticas cumpririam, portanto, a função de expressar as emoções e os conteúdos internos dos pacientes. O alentado livro Imagens do Inconsciente, de autoria de Nise, documenta e analisa as obras dos internos que durante trinta anos freqüentaram a sala de terapêutica ocupacional do Hospital Pedro II, no Bairro de Engenho de Dentro. O museu reúne hoje o maior e mais impressionante acervo de arte de doentes mentais do mundo. Contrária aos métodos violentos usados nos manicômios, como a lobotomia e os choques elétricos, Nise da Silveira desenvolveu sua proposta humanista de terapia. As obras testificam o resultado de uma experiência singular de substituir a violência e os maus tratos por pincéis, tintas e massas de modelar.
LIBERDADE PARA CIRCULAR — Ansiando conhecer o trabalho destacado de Nise – hoje com 91 anos e ainda na ativa – e passar algumas horas com os internos, dirigimo-nos ao Hospital de Engenho de Dentro. Assim que chegamos, eu e o jornalista espanhol Pablo Villarrubia Mauso, constatamos que os internos têm liberdade para circular pelo local, que aliás é repleto de felinos. Segundo Nise, os gatos transm
item carinho e serenidade, ajudando na recuperação. Ela mesma admite que aprendeu mais com os animais e pouco com os psiquiatras. Ficamos particularmente emocionados ao conhecer Fernando Diniz, o paciente mais antigo do centro – ele se encontra internado desde 1949 – e também o mais prolixo. Os milhares de quadros que produziu transformaram-no num pintor famoso. Visitamos seu ateliê exclusivo de escultura – um quarto forrado de argila –, em que passa metade do dia. Apesar de articular frases com uma certa dificuldade, ia tentando explicar-me o que pretendia representar nas obras. Na conversa que travamos, soubemos que, em breve, seus quadros se transformarão num filme – sendo que cada pintura corresponderá a um fotograma.
Conhecemos em outras alas internos com grau de lucidez próximo dos indivíduos qualificados como normais. Um deles, Ênio Sérgio de Carvalho, guiou-nos até seus aposentos – onde divide espaço com outros companheiros, entre eles o pintor iniciante, e igualmente lúcido, Geronildo do Nascimento. Lá mostrou-nos as paredes que cobriu de pinturas, representando povos de diferentes países, ambientes exóticos, seres mitológicos e entidades extraterrestres. De sua autoria também era uma tela azul em que havia procurado retratar a imagem de um ET com que sonhara.
A visita a esse espaço em que todos os conceitos tradicionais se alteram, completou-se com um detido exame dos milhares de desenhos, quadros e esculturas depositados no Museu do Inconsciente. Nas obras é possível discernir a descida íngreme às profundezas do inconsciente, “morada de deuses pagãos e refúgio dos personagens que compõem os dramas eternos da alma humana”, nas palavras do escritor e teatrólogo Antonion Artaud, outro gênio que também foi várias vezes internado durante sua vida. Dos perigosos estados do ser nasceu uma infinidade de unicórnios, serpentes, águias, demônios, monstros, deuses, de idades e outras figuras.
Três esculturas de autores anônimos falam por si próprias. A primeira é um disco voador típico, dotado de cabina e janelinhas. As outras duas representam seres assustadores, disformes e demoníacos, lembrando extraterrestres. No que se refere às pinturas, logramos encontrar uma série de telas com motivos bastante sugestivos: UFOs esféricos pairando sobre casarões, vultos negros andando pelas ruas num desfile tétrico, um homem vestindo camisa listrada pilotando uma espaçonave, um UFO com formato de dinamite. Viemos a saber que todas eram de autoria de Carlos Pertuis, um ex-interno falecido em março de 1977. Sempre predominou nele um sentimento de interligação com o espaço cósmico. Em um dos quadros ele é andarilho do espaço cósmico. Em outro, Carlos viaja em navios entre as estrelas ou constrói naves para viagens cósmicas. Dentro da cápsula alongada, um homem observa o exterior por meio de um aparelho de ótica. A cápsula está provida de cinco hélices e aparelhos de propulsão. Em outro, o interno retratou um foguete espacial que parece que vai ser acionado com a energia emanada do Sol ou da Lua. Este último foi pintado logo depois do lançamento do primeiro Sputnik, em outubro de 1957.
O PLANETÁRIO DE DEUS – A história da vida de Carlos poderia ser confundida com a de qualquer outro contatado por extraterrestres. Durante vários anos ele vinha sendo dilacerado por conflitos pessoais que drenavam a energia contida no ego. Enfraquecido, sua personalidade ameaçava implodir. Numa fatídica manhã de setembro de 1939, raios de Sol incidiram sobre o pequeno espelho de seu quarto. O brilho extraordinário deslumbrou-o e surgiu diante de seus olhos uma visão cósmica: o Planetário Deus — como o intitulou mais tarde. Gritou chamando a família, pois queria que todos também presenciassem aquela maravilha que só ele estava vendo. Acabou internado no mesmo dia no velho hospital da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Carlos tinha na época 29 anos de idade.
A visão do Planetário Deus ficou para sempre gravada em sua mente. Em 1947, quando finalmente teve oportunidade de pintar, Carlos, movido por uma irresistível pulsão interna, retratou-o sobre o papel com os meios precários de que dispunha — ele, um sapateiro que jamais havia pintado. Eis como Nise interpreta o desenho: “O centro da imagem é uma flor cor de ouro, símbolo do Sol e da divindade. Do gineceu da flor partem quatro grandes pétalas dirigidas em sentidos opostos, ficando assim nitidamente marcada a estrutura quaternária dessa imagem. Em torno agrupam-se seis campânulas iguais a outros tantos mundos. E, expandindo-se para o alto um campânula maior, a flor branca, que representaria um mundo superior. Em baixo cruzam-se duas serpentes negras, símbolos da escuridão e do mal. A visão de Carlos é uma espantosa mandala macrocósmica, uma imagem do universo”.
Se para os psiquiatras, Carlos era um esquizofrênico, apenas com surtos de genialidade, para nós resta ainda uma dúvida: teria sido ele um contatado por extraterrestres que sofreu um choque irreversível por avistar algo além da compreensão humana? Em muitos países, ufólogos, trabalhando em conjunto com psicoterapeutas, têm descoberto inúmeros casos como esse, que ainda são objetos de estudo, em constante processo de observação.