
Uyrangê Bolívar Soares Nogueira de Hollanda Lima era um homem muito interessante e um verdadeiro filho do Brasil. Ele me disse uma vez que seu sangue era uma mistura de sangue de índio, português, judeu, francês e holandês, e que tinha orgulho de uma de suas bisavós, por ter sido índia e integrante de uma das últimas tribos canibais do país, a Parintintin. Talvez por causa de tais ancestrais, Uyrangê Hollanda tinha um grande interesse pelos indígenas e seus costumes, e como parte de suas tarefas militares, ele chegou a trabalhar com várias nações nas florestas brasileiras.
“Eu vivi junto deles por cerca de seis anos, quase todo mês”, disse-me Hollanda quando eu e minha amiga, a também ufóloga Cynthia Newby Luce – norte-americana residente no Estado do Rio de Janeiro –, o entrevistamos em Cabo Frio, em agosto de 1997. “Eu nunca tive problemas com eles. Tinha, isso sim, uma grande afeição por eles e eles por mim. Quando chegava a uma tribo, eles gritavam: ‘Oh, o nosso capitão voltou! Capitão Hollanda! Capitão Hollanda!”, completou o militar, no diálogo que tivemos poucos meses antes de sua morte.
Hollanda era inteligente e bem educado. Passou sete anos estudando e treinando na academia da Força Aérea Brasileira (FAB), onde ingressou em 1958, aos 17 anos. Ele se tornou um guerreiro. Foi oficial de finanças, piloto, pára-quedista e especialista em operações na selva. Aprendeu a falar francês e inglês fluentemente, e esteve a cargo de uma unidade de combate a guerrilha no sul do Pará, durante cinco anos. Hollanda serviu na Aeronáutica por 36 anos, vindo a se aposentar em 10 de março de 1992. Durante 24 anos foi membro da A-2, o serviço de Inteligência da corporação.
Além de viver e trabalhar com os índios na selva, comandar forças antiguerrilha, pular de aviões e pilotá-los, Hollanda teve outras aventuras na sua carreira. Talvez a mais perigosa tenha ocorrido em 1973, quando foi enviado para uma área ao norte do Amazonas, através do então Território do Amapá até a fronteira com a Guiana Francesa, junto com dois cabos. “Passei uma semana treinando os cabos para a missão na selva. Ensinei-lhes como cruzar rios, subir em cachoeiras, pescar e conservar a comida, como obter frutas e conhecer os animais na floresta”.
Inóspita região amazônica — Ele também ensinou seus comandados a fazer casas em árvores, a construir e manejar barcos, a sobreviver comendo insetos e plantas nativas, enfim, como viver na inóspita Região Amazônica. “Naquela missão nós poderíamos comer alimentos convencionais algumas vezes, como macarrão ou arroz, mas eles não seriam suficientes para três meses. Por uma ou duas semanas nós teríamos que confiar em nosso conhecimento da floresta”. E ele acabou levando seus homens para o Rio Cuc, onde havia muitas cachoeiras perigosas.
Hollanda tinha quatro objetivos naquela missão. O primeiro era ir até a fronteira com a Guiana Francesa investigar o relato de que um francês estaria em território brasileiro roubando nossos índios e transportando-os para o país vizinho, além de estar procurando urânio. “Eu confirmei que o francês estava lá, mas nós não tínhamos ordens para interromper suas atividades. Poderíamos tê-lo feito, se necessário, pois tínhamos até metralhadoras. Mas nossas ordens não eram essas”. O segundo objetivo de Hollanda era encontrar locais na selva onde pistas de pouso pudessem ser construídas. O capitão também tinha como missão – seu terceiro objetivo – capturar um homem que tinha assassinado quatro índios. “Eu fui enviado para capturá-lo”. Perguntei-lhe sobre o que aconteceu ao assassino e Hollanda disse que “estava inoperante”. Passando meu polegar esticado diante da minha garganta, perguntei-lhe: “Está dormindo com o diabo agora?”. O capitão não interrompeu sua narrativa e continuou falando sobre a tribo desses índios por algum tempo. Depois de uns minutos, concluiu a história: “Acho que ele está mesmo dormindo com o diabo agora”.
Finalmente, seu quarto objetivo era reunir quase 300 índios na área do Rio Cuc, que estava sob a influência de uma epidemia, e levá-los de volta para Molokopote, outro posto indígena numa localidade mais saudável. Nestas instalações a Força Aérea Brasileira (FAB) tinha até uma pista de pouso. Mas quando Hollanda chegou ao referido rio, descobriu que os índios já tinham partido por causa do ataque de uma tribo hostil. Entretanto, foi quando ele completou sua última missão que uma aventura de verdade começou. Ele e outros dois cabos desciam o rio num bote quando foram puxados por uma cachoeira perigosa. Perderam o barco, os quatro rifles automáticos, suas pistolas, toda a munição, binóculos etc, além de quase perderem suas vidas.
Perigos da selva — Hollanda contou que passou por uma verdadeira experiência. “Nós caímos na cachoeira e o nosso barco foi destruído. Nadamos para uma pequena ilha e construímos uma jangada. Naquela noite, dormimos na ilha, sentindo muito frio e suportando muita chuva durante toda a noite”. No dia seguinte, Hollanda e seus homens utilizaram cipós para amarrar os pedaços de madeira e finalizar a jangada. Mas quando conseguiram deixar a ilha, acabaram caindo em outras cachoeiras e quebrando a frágil embarcação. “Eu consegui me agarrar em dois pedaços de madeira, e os cabos em outros dois pedaços, mas eles estavam feridos. Um deles quebrou a clavícula e outro a rótula. Eu os chamei para que se juntassem a mim, mas eles nadaram para o outro lado do rio. O grupo ficou separado por quatro dias. Tínhamos pouca coisa para comer além de algumas nozes”.
Desarmado e com dois feridos, o grupo não se arriscou a entrar na floresta para procurar comida. “Era perigoso”, explicou Hollanda. “Se você entrar na mata para procurar comida, frutas ou ovos de animais, pode ser atacado por onças e cobras, ferido por arbustos com espinhos etc”. O melhor era mesmo ficar na água. Ao dormir, enquanto Hollanda estava separado dos cabos, nunca entrava na floresta. “Eu dormia nas pedras no meio do rio, mas havia milhões de mosquitos lá. Eu inventei então uma solução: cobrir todo meu corpo com a lama do rio, o que também me mantinha aquecido”. Os cabos que o acompanharam construíram outra jangada e, no quarto dia, conseguiram finalmente se juntar a Hollanda, que estava nadando rio abaixo, enquanto lontras e araras o observavam com curiosidade – além de pequenos peixes, que o mordiam de vez em quando. “Menos as piranhas, que não mordem em águas em movimento”. Ainda bem. Nove dias e 240 km depois, eles cruzaram com um pequeno grupo de índios na floresta, que os guiaram para o que era então conhecido como Projeto Jarí, uma iniciativa do milionário norte-americano Daniel Ludwig, que no final da década de 60 buscava nas florestas da região uma fonte inesgotável de celulose para suprir a demanda do planeta.
“Quando cheguei
lá, tinha cicatrizes na face, estava vestido como um nativo e com cabelo longo. Passei quase quatro meses na floresta até chegar ao Projeto Jarí. Perdi 17 kg nadando durante 13 dias. Saí de Belém em 15 de novembro de 1973 e retornei em 24 de fevereiro”. Essa foi, de fato, uma experiência e tanto. Hollanda a descreveu com brilhante memória, até dos detalhes, muitos anos depois [Bem como aos ufólogos Marco Petit e A. J. Gevaerd, durante a entrevista histórica com o militar, na qual descreveu nos mesmos detalhes a aventura vivida].
UFOs na Amazônia — Cinco anos depois desse fato, em 16 de fevereiro de 1979, eu conheci Hollanda. Foi a pioneira pesquisadora Irene Granchi quem me contou que uma comissária de bordo, amiga dela, lhe relatara alguma coisa sobre Hollanda e uma onda de aparições de UFOs na Amazônia. Junto de um intérprete, fui para a base da Aeronáutica em Belém – o I Comando Aéreo Regional (COMAR I) – e lá encontrei Hollanda em seu escritório, onde trabalhava como oficial responsável pelas finanças da corporação.
Naquela época, o então capital tinha cerca de 1,70 m de altura e pesava aproximadamente 70 kg. Hollanda ficou um pouco desconfiado de mim, por causa do período em que esteve trabalhando com as forças de combate, a guerrilha, quando havia norte-americanos infiltrados. Mas, depois de algum tempo, decidiu que podia confiar em mim. Logo na primeira noite em Belém, ele e o sargento Flávio da Costa, que era o segundo na linha de comando da Operação Prato, vieram ao meu hotel e conversamos sobre Colares e a onda chupa-chupa. Eles me mostraram cópias de algumas das fotos que haviam tirado. No dia seguinte, contratei um intérprete e piloto e seu avião, um Cessna. Fomos então em direção à Ilha de Colares, que fica a uns 20 minutos de distância de Belém. Essa foi a primeira de minhas quatro viagens ao local.
Estive com Hollanda novamente noutra visita ao Pará, naquele mesmo ano ou no seguinte, e também em julho de 1981. Ele, eu e outro norte-americano voamos de novo para Colares, Santarém e Alenquer. Ficamos lá por uns 3 ou 4 dias. Naquela época, Hollanda já tinha sido promovido a major ganhado um pouco mais de peso. Mas pouco tempo depois, ele perdera o peso extra e estava bem mais magro na outra vez que o vi, em 1992, ao parar em Belém a caminho de São Luís (MA) e Natal (RN). Ele tinha se aposentado e caminhava mancando, por ter machucado a perna ao cair da janela de seu apartamento, no quarto andar de um edifício [Tinha sido sua primeira tentativa de suicídio].
A última vez que o vi foi em 13 de agosto de 1997, quando Cynthia Luce e eu passamos dois dias entrevistando-o em Cabo Frio, logo após a visita que A. J. Gevaerd e Marco Petit lhe fizeram, na época em que ele resolveu revelar à Revista UFO tudo o que sabia sobre a Operação Prato. Todos conversamos muito sobre escrever um livro biográfico de sua história, mas, infelizmente, ele morreu alguns meses depois, no dia 02 do outubro. Hollanda tinha tanta coisa a nos dizer…