
Em março de 1997, o mundo assistiu chocado ao suicídio coletivo de 39 pessoas da seita Heaven’s Gate, liderada por Marshall Applewhite e sua esposa. Eles conseguiram reunir o grupo em uma mansão nos arredores de San Diego, Califórnia, sob o pretexto de que eram enviados de extraterrestres em busca de almas terrenas para salvar. A salvação se daria através do suicídio em massa, quando, segundo Applewhite, as almas dos escolhidos se reuniriam numa nave espacial que estaria escondida na cauda do cometa Hale Bopp, que passava próximo da Terra. Até então, ninguém havia levado a sério essa questão de seitas ufológicas, comandadas por espertalhões ou loucos que alardeiam feitos extraordinários em nome de seres superiores. Mas a partir da tragédia na Califórnia, a opinião pública mundial se chocou, acompanhada por segmentos mais informados da sociedade, que passaram a ver o risco que há quando pessoas mal-intencionadas lidam com o assunto.
No Brasil, apenas algumas semanas após isso, indiferente à imensa repercussão mundial do ocorrido nos EUA, uma seita ufológica começou a prosperar e, ainda com tenra idade, já dava demonstrações de fanatismo. Em abril de 1997, acompanhando uma equipe da TV Educativa de Campo Grande, enviados da Revista UFO adentraram na fazenda onde acabara de se instalar o Projeto Portal e testemunharam, por horas a fio, um desenrolar de práticas fanáticas e cultistas. Mentor e fundador do projeto, o ex-pedreiro, ex-garimpeiro e mágico amador Urandir Fernandes de Oliveira então utilizava truques primários com canetas a laser operadas por seus funcionários camuflados na mata, para ludibriar cerca de 70 membros de sua seita, hoje com mais de mil integrantes. Apesar de toscos e simplórios, os efeitos luminosos fascinavam aqueles que acompanhavam o ex-pedreiro, já em processo avançado de domínio psicológico e emocional.
Não era a primeira reunião que o Projeto Portal fazia na propriedade, localizada no município de Corguinho (MS), a 100 km de Campo Grande. Mas já era possível, na ocasião, avaliar os resultados que tal seita teria para a Ufologia Brasileira – em especial, para os seguidores que a ela se juntavam. Os primeiros 70 adeptos se foram rapidamente, visto que os artifícios usados para mantê-los eram insuficientes. Mas novos expedientes foram sendo gradativamente criados pelos membros do projeto,sempre sob orientação de Urandir, para que novos seguidores fossem atraídos e mantidos na entidade. Desde então, mais de 100 mil pessoas, segundo o próprio ex-pedreiro, já compareceram à sua fazenda, deixando lá polpudos rendimentos em ingressos para assistir as “práticas energéticas” que se desenvolvem na área, com vistas à “preparação para o contato com ETs”, nas palavras de seus coordenadores.
Em 1997, a visita da Equipe UFO à propriedade quase acabou em tragédia, após este editor e seus acompanhantes terem tentado alertar os demais presentes de que as luzes sendo observadas eram emitidas por canetas a laser, sob comando de Urandir, e nada tinham de extraterrestres. A indignação dos presentes, no entanto, não se voltou contra quem lhes enganava, mas contra quem lhes mostrava que estavam sendo enganados – característica comum em seitas de toda espécie. Os membros do projeto preferiam reagir com violência e tentaram apedrejar nossa equipe a encarar a realidade de que estavam sendo alvos de um truque tão banal. Isso feria seu ego e, pior, destruía sua esperança de que pudessem de fato vir a estabelecer um prometido (e muito bem cobrado em dinheiro em espécie) contato com ETs. Esse é, aliás, o estímulo que leva multidões ao encontro de gurus ufológicos: a promessa de que os ETs podem ser contatados a qualquer hora, conhecidos e transformados em amigos.
Suposto Dom da Cura — “Meu primeiro contato com seres extraterrestres foi aos treze anos”, declara Urandir. Ele diz que estava numa praça e viu uma luz imensa que piscava e mudava de cor. Depois disso, misteriosamente teria recebido o dom da cura. Informa que aos 23 anos encontrou numa rua duas pessoas atropeladas e com fraturas expostas. “Senti um ímpeto de tocá-las e assim o fiz. As dores delas foram diminuindo até que cessaram completamente. Neste dia entendi que poderia e deveria usar minha energia em prol dos outros”. No entanto, o ex-pedreiro jamais aceitou qualquer convite oficial, entre os muitos que lhe foram feitos pelas comunidades ufológica e parapsicológica brasileiras, para se submeter a exames. Em vez disso, prefere mostrar radiografias de “chips” em seu pescoço, obtidas sem qualquer controle científico. Seus seguidores abraçam suas explicações para não se submeter aos testes de forma radical. “Assim como Jesus, Urandir deve estar concentrado apenas em sua missão e esquecer seus perseguidores”, elucubra Rosana, uma ardorosa adepta.
A retórica de Urandir mudou pouco desde seu ingresso no cenário ufológico brasileiro, mas sempre tem como espinha dorsal a alegação de que ele é um escolhido de ETs e, assim, com poderes para escolher outros. “Na hora senti muita raiva do pessoal da revista. Mas depois, vendo como eram evidentes os truques e que tudo não passava de enganação, passei a dar-lhes razão”, escreveu em carta à nossa Redação a carioca Daniela [As pessoas citadas tiveram seus sobrenomes resguardados a pedido delas próprias], comentando o resultado de nossa visita à fazenda. Nada pode ser mais perigoso do que isso.
Quem não gostaria de ter um amigo extraterrestre, com quem aprender os segredos do Universo? Quem não se sentiria seduzido com a possibilidade de estar num lugar bucólico que, segundo Urandir, serve quase como um playground para extraterrestres e intraterrestres? Quem não sonha com a possibilidade de ser um escolhido para passar a eternidade noutros planetas do Cosmos? Essas sempre foram as promessas do Projeto Portal, alardeadas em conferências, sites na internet e até em programas de rádio e tevê. O apelo e a exuberância do convite são quase irresistíveis, mas têm um alto preço aos seguidores.
A propaga
nda é sólida e bem feita, realizada por membros mais antigos do Portal que se mostram totalmente crédulos dos poderes de seu guru. Na verdade, forçadamente crédulos, pois a mera suposição de que não sejam legítimos ou o simples questionamento de sua veracidade – como aconteceu com desertores no passado – leva à expulsão e execração do infrator. Numa outra característica clara de movimentos cultistas, o medo de ser privado da companhia de pessoas que admira faz o adepto evitar o questionamento. Semelhante ao que aconteceu com Marco, no exemplo dado no artigo de Vanderlei D’Agostino, nessa edição, os seguidores do Projeto Portal que fazem suas primeiras visitas à fazenda passam por uma “preparação”, através de meditações, caminhadas cansativas, técnicas energéticas sem resultados mensuráveis e longas vigílias.
Cantando Mantras — Mas ele não acontece de fato, como num filme de Spielberg, conforme esperam os freqüentadores da seita. O máximo que se vê são luzinhas longínquas, próximas a algum morro nas redondezas. Ou satélites passando alto no céu noturno. Nada claro, distinto, inequívoco. É evidente que não, pois, afinal, as alegações de Urandir, de que os UFOs freqüentam a área porque seus tripulantes são seus amigos, não têm fundamento. E as tais luzinhas observadas podem ser literalmente de tudo. “Vi estrelas no céu e quando olhei para a multidão ao meu redor, as pessoas estavam cantando mantras para elas, como se fosse a chegada triunfal de uma nave com seres extraterrestres”, declarou o professor Mário, de São Paulo, que freqüentou o local por dois anos e estima que gastou R$ 6 mil em viagens para Corguinho. “Não via absolutamente nada além de gente fanática sendo alimentada de ilusões, mas me diverti bastante”, conta.
O Projeto Portal é o resultado de um sonho de Urandir, em suas próprias palavras. “Quando resolvi assumir minha missão, sonhei com o local onde deveria ser construída uma comunidade, onde as pessoas seriam preparadas para contatos, segundo os seres. Eles disseram que existiriam mais dois lugares no Brasil com características semelhantes”. Na verdade, a origem do movimento é bem diversa, como se pode ler no box que acompanha esta matéria. Os seguidores do ex-garimpeiro também crêem que esta seja a idéia que deu início a entidade, sem qualquer questionamento. “Urandir está lá para conseguir ouro. Essa história de discos voadores é conversa”, disse à Revista UFO a senhora Lucelena Ferraz Alcântara, ex-mulher do sócio de Urandir desde o começo de tudo, e que o ajudou emprestando dinheiro e seu crédito na pequena cidade de Presidente Epitácio (SP). Ela reclama que a dupla lhe deve muito dinheiro.
Credibilidade Forçada — Muitas fotos de estranhos fenômenos são feitas pelos seguidores e comemoradas com entusiasmo, como provas da boa-vontade dos ETs em se manifestarem. Mas um exame das mesmas mostra praticamente de tudo, menos UFOs. São manchas no negativo ou de revelação, reflexos de flashes das câmeras em insetos próximos às lentes, efeitos diversos, dupla exposição, etc. Para impressionar quem chega à fazenda, muitas dessas imagens estão em exposição na sede do projeto. Isso traria credibilidade às declarações de alguns de seus dirigentes, que alegam que a instituição faz pesquisa científica da Ufologia. Nenhuma das fotos foi objeto de estudo por especialistas isentos, mas ainda assim são descritas por Urandir como “naves dimensionais”.
A preparação de que falam os coordenadores do projeto tem requintes de excentricidade. Um deles é a necessidade de se dar um determinado número de voltas em torno de um morro no local, “para ativar as energias”. Há na propriedade também alguns buracos no chão, em terreno rochoso, que se parecem com enormes poças d’água. Alimentadas pela chuva, são barrentas a maior parte do ano. Mesmo assim, os freqüentadores acreditam piamente quando Urandir garante que o mergulho em uma delas, batizada de Cratera da Cura, pode aliviar a pessoa de males físicos. Há outro buraco mais curioso, que os membros do Projeto Portal chamam de Cratera da Glândula. Esta teria a função de estimular a glândula pituitária, que, segundo crêem os adeptos, facilitaria o contato com seres dimensionais. “Você deve se desprender na hora do mergulho e elevar o pensamento aos irmãos do espaço”, declarou arrependida a ex-seguidora Mariza, de Santo André, que sentiu “a compulsão” de doar uma alta soma em dinheiro para as atividades desenvolvidas na fazenda.
Com listas de discussão na internet, onde promovem “o intercâmbio dos conhecimentos passados pelos seres extraterrestres de luz ao paranormal Urandir Fernandes de Oliveira”, em seus próprios termos, os membros da entidade gozam de um longo rosário de fenômenos supostamente genuínos para alimentar sua crença e, assim, manter-se próximos de seu guru. Um dos primeiros a ser criado foi o mito de que a região onde está a fazenda tem uma base de 250 mil intraterrestres em seu subsolo – tamanho de uma cidade média. Outro é ainda mais gritante, e dá conta de que determinadas pedras encontradas na região aos milhares são de Marte. Elas têm tamanhos que variam entre 0,5 a 4 cm e formato ligeiramente discóide. Já foram identificadas por especialistas como tendo origem natural e estão presentes em muitas outras regiões brasileiras. Tirando vantagem de seu formato, o ex-pedreiro garante que elas tenham origem alienígena e durante muito tempo as vendeu aos seguidores. Milhares de pessoas as ostentam como verdadeiros souvenires de ETs. “Elas não vêm do espaço coisa nenhuma. Eu as cato no chão e o Urandir paga R$ 15 por uma lata cheia delas”, declarou Benedita, moradora da Colônia Boa Sorte, vizinha à fazenda.
Pedras que Caem do Céu — Segundo os seguidores, as pedrinhas caem misteriosamente do céu durante os momentos mais intensos da preparação e da contactação de fato. Mas embora os UFOs nunca desçam no local, como prometido, as pedras são arremessadas entre os presentes maravilhados por funcionários de Urandir, escondidos no mato. “Eu vi um cara jogando as pedrinhas, mas na hora tive medo de falar ao pessoal. Depois, quando falei com algumas pessoas, fui hostilizado e até pressionado a ir embora”, conta Danilo, que fez duas viagens e três cursos no Portal e participou dos rituais durante apenas oito meses, “o suficiente para ver que nada daquilo correspondia à verdade. Agora, estou tentando tirar minha sobrinha dessa, pois ela só tem 16 anos”. A defesa dos mitos inventados pelo líder da seita é feito voluntariamente pelos próprios seguidores, dobrando a eficiência da arregimentação.
Mas se as pedrinhas já causam frisson nos seguidores, a caverna que Urandir tem em sua propriedade é a última palavra em entretenimento ufológico. É ness
a caverna, precariamente aberta na encosta de um morro da fazenda, onde os escolhidos mais íntimos dos ETs são agraciados e recebem das mãos do ex-pedreiro, em meio a um ritual próprio, umas pedras maiores chamadas de Placas de Registros Akáshicos. Os que a recebem são considerados especiais pelo grupo e conhecidos por “plaquistas”. As placas conteriam, segundo Urandir, informações relativas à existência atual e vidas pregressas das pessoas que as recebem, fatos sobre a Humanidade e dados sobre os próprios ETs. No entanto, não passam de pedras comuns com alguns rabiscos feitos com instrumento pontiagudo. “Essa é a invenção mais genial de Urandir, pois as pessoas lotam ônibus no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e até Porto Alegre, para irem a Corguinho, com a esperança de serem escolhidas pelos ETs para receberem as placas”, declarou o eletricista do interior de São Paulo Gustavo, que fez duas viagens e nunca recebeu pedra alguma…
Há quem garanta que Urandir mandou cavar a tal caverna. Moradores mais antigos da região não se recordam de um buraco como aquele que hoje é o centro das atenções. E há os que questionam como é possível que algo tão importante como uma Placa de Registros Akáshicos, relativa à essência do ser humano e seu relacionamento com outras raças do espaço, seja tão simples e mal feita. Os seguidores correm em defesa do mito inventado pelo ex-pedreiro e garantem que “a sabedoria não tem formato próprio. Ela se acomoda a qualquer aparência e aspecto”. E aqui mais uma vez temos um exemplo do que trata Vanderlei D’Agostino em seu texto: os líderes das seitas apresentam fatos que não podem ser checados e, assim, corrigidos. “Tais afirmações não podem também ser desmentidas de forma objetiva e, assim, fica o dito pelo não dito”. O comerciário catarinense Márcio, que responde a processo movido por Urandir por ter se manifestado contra ele no programa Fantástico e na revista Istoé, declarou à Revista UFO que esteve presente nas reuniões em que Urandir explicou como seria feita a caverna e o que aconteceria nela.
“Eu fui escalado para limpar o local da primeira vez e filmei tudo, quando o primeiro cara achou a placa. Depois que tudo se acalmou eu pensei, ‘meu Deus, que coisa feia é enganar os outros dessa maneira’”. Márcio não é o único a ter testemunhado a manobra em torno da idéia, que é hoje o ponto-alto das operações da seita e a que mais atrai novos integrantes. “Estive lá e achei aquilo tudo um absurdo. Sou arquiteta e vi que a caverna pode cair a qualquer instante e ferir as pessoas”, declarou a paranaense Maria de Fátima. “Alguém de bom senso vê logo que aquilo é um engodo”. Engodo para uns, salvação para outros, a caverna tem atraído até 30 ônibus em determinados fins de semana, quando são distribuídas as placas.
Arsenal de Idéias — Mas a manutenção de uma seita é algo difícil e complexo, que exige dedicação e renovação de fatos, um bom arsenal de idéias e ousadia para implementá-las. Para que esse mecanismo funcione, é preciso muita gente crédula, carente e em busca de respostas para suas lacunas existenciais – e isso não falta nos dias de hoje. Assim, a equação se fecha perfeitamente e as seitas ufológicas prosperam a todo vapor. Mas nenhuma, em tempo algum, em qualquer lugar do mundo, atingiu as proporções do Projeto Portal. Nem mesmo nos momentos de glória o polêmico Eduard Meier teve uma estrutura tão grandiosa quanto a de Urandir. A instituição é bem assessorada por profissionais de várias áreas, que cuidam dos detalhes técnicos de suas atividades, apesar da ampla exposição do guru no meio ufológico como alguém sem credibilidade.
“Lá no Portal acontece de tudo. É como se fosse um cenário de ficção científica”, diz Urandir para convencer seus seguidores. “Vêem-se luzes, naves e seres. O morro que fica em frente é um dos pontos onde os contatos são mais freqüentes. Lá temos a mesma capacidade do Triângulo das Bermudas”. O ex-pedreiro garante que em sua fazenda há três níveis dimensionais: o planetário, o energético e o dimensional. “Com isso, podemos receber naves até da oitava dimensão”. Com argumentos como esse, que jamais poderão ser confirmados, o Projeto Portal vai crescendo e arrebanhando mais seguidores a cada dia. Seu séquito só aumenta e a fazenda onde se localiza o projeto é hoje uma pequena cidade.
Essa complexidade exige cuidados constantes, e fatos novos não faltam. No fim de 2001, por exemplo, logo após a meteórica passagem do cantor e ator Fábio Júnior pelo local, o que foi explorado comercialmente pelo projeto, seus líderes alardearam pela internet e outros meios de comunicação que um UFO havia se acidentado na fazenda vizinha, do senhor Túlio Alves, que estava à venda mas não atraía compradores. O proprietário declarou que a queda não causou barulho de qualquer natureza nem indícios de destruição no local, enquanto, na mesma entrevista, concedida à TV Morena, afiliada da Rede Globo em Campo Grande (MS), Urandir afirmou que o acidente causou um barulho ensurdecedor, “como de uma bomba atômica”. O ex-pedreiro também afirmou que a queda teria matado animais e destruído a propriedade, o que jamais ocorreu.
Atrair Curiosos — As notas distribuídas pelo pessoal de marketing do Projeto Portal eram ainda mais sensacionalistas. Mas o alarde deu resultado e acabou por atrair novamente a imprensa e mais adeptos para as atividades de fim de ano que estavam para ser realizadas. “O objetivo era justamente esse: atrair gente curiosa para ver o que aconteceu lá. E mesmo que não tivesse acontecido nada, as pessoas já estavam lá e gastavam seu dinheiro”, declarou à UFO o dentista maringaense Ricardo, que foi uma única vez a Corguinho. Ele deu um depoimento bastante elucidador do mecanismo de arregimentação usado pelos integrantes do projeto: “Eles te tratam bem, te chamam de irmão, falam em paz e amor, e aparentemente buscam algo bonito, divino até”. Mas isso eu tenho aqui nas igrejas de Maringá e não preciso viajar 800 km para ver. Até porque o que foi prometido não é aperfeiçoamento humano, mas contato com ETs. E isso não aconteceu lá”.
Mas os procediment
os de arregimentação funcionam para muita gente. A estrutura do Projeto Portal conta com coordenadores em muitas cidades, que ganham comissões sobre o número de pessoas que conseguem arrebanhar para os cursos que Urandir dá, ou para as viagens para Mato Grosso do Sul, bem mais caras. O convencimento e a adesão à seita começam, portanto, antes de a pessoa estar diante de seu líder. Os adeptos que se juntaram à entidade antes são os responsáveis por incentivarem a ficar aqueles que acabam entrando posteriormente. Reuniões locais são realizadas com a leitura e discussão dos supostos ensinamentos que os “seres extraterrestres de luz” teriam passado a Urandir, que são tidos como verdades absolutas. Inclusive, os rabiscos criados nas placas dos registros akáshicos, concebidos pelos funcionários do projeto que as produzem com criatividade, são usados como um novo alfabeto, que os adeptos acreditam ter origem extraterrestre. “Um dia essa nova forma de se comunicar vai ser ensinada nas escolas”, sonha a modelo paulista Marina.
Como se vê, não existem limites para a ousadia dos dirigentes de seitas ufológicas, na hora de criarem fatos que atraiam o público e conquistem sua confiança, o que resultará no óbvio: doações financeiras. A falta de limites a que nos referimos pode ser conferida com a última criação de Urandir para manter seu séquito, ameaçado de se dispersar com a falta de novidades. Recentemente, o ex-pedreiro tem noticiado que foi vítima de uma dramática e inesperada abdução, há alguns meses, enquanto lia um livro deitado na cama de seu quarto. O abduzido afirmou que foi levado por ETs para uma reunião intergaláctica, num disco voador, da qual tomaram parte representantes de 49 raças e, entre elas, membros da Fraternidade Branca. Urandir afirmou que foi o único representante da Terra no importante encontro, e que “isso mudaria completamente a missão do Projeto Portal”. Para sustentar sua história, seus seguidores bateram fotos do local onde estava no momento da alegada abdução. Nelas aparecem um travesseiro com rendas brancas e um lençol azul queimados como que por um lança-chamas. O mesmo efeito há no forro de madeira do quarto.
História Criativa — Apesar de ser absolutamente inconsistente com os padrões de abduções documentadas em todo o mundo, a improvável experiência é tida como verdadeira pelos seguidores do ex-pedreiro, assim como a reunião intergaláctica, onde Urandir diz que viu e esteve perto de Jesus Cristo em pessoa, “mas apenas de relance…” A história é muito criativa e suficientemente impactante para atrair novos adeptos e fortalecer os laços que unem os já cativos. Mesmo assim, recebeu adereços mais espetaculares. Um deles, propagado pelo empresário carioca Felipe Castelo Branco, afirma que as pedrinhas em forma circular teriam caído da nave que abduziu Urandir, no momento em que ela se aproximava. Em e-mail enviado a ufólogos norte-americanos e publicado no site do radialista Jeff Rense [www.rense.com] e da jornalista Linda Moulton Howe [www.earthfiles.com], Branco afirma ter sido, junto de 28 pessoas, testemunha dos fatos. “Já iniciamos a propagação mundial. Logo, peço a todos que se preparem para as novidades e trabalhos futuros (fazendo exercícios, dando as voltas no morro etc), pois eu não esperava uma reação tão rápida da parte dos ufólogos estrangeiros”, manifestou-se através de e-mail. Os trabalhos futuros a que se refere, em especial as voltas no morro, são as tais práticas de preparação para os sonhados contatos. E a inesperada reação, que seu deu com uma entrevista concedida por Urandir e o próprio Branco a Rense e Linda, é algo que tem sido visto com extrema preocupação pelos ufólogos brasileiros.
“Temos que ter a cautela de não ver nossa Ufologia séria confundida com os fatos sem fundamento alardeados por Urandir e seus porta-vozes”, declarou o coordenador de contatos internacionais da Revista UFO, Thiago Luiz Ticchetti. Sua posição é unânime entre os membros da Comunidade Ufológica Brasileira. Os fatos fabricados por Urandir e descritos por Branco aos norte-americanos estão na linha daqueles que fazem parte de um repertório capaz de pôr em risco a credibilidade da Ufologia Nacional.
Testemunha Ocular? — Em seu e-mail, ao garantir e ser testemunha ocular da tal abdução, Branco assume ter observado com seus próprios olhos o que se passou: Urandir sendo levado por ETs para uma nave. Mas mesmo sendo tão insistente quanto a isso com os norte-americanos, recusou-se a responder à UFO qual era de fato seu grau de envolvimento com a fabricação do ex-pedreiro e não respondeu aos diversos e-mails que nossa Redação lhe enviou. Sua relutância não condiz com a voracidade com que ele próprio se lançou no exterior, fazendo ferrenha defesa de Urandir e tentando internacionalizar as atividades da seita. Dois pesos e duas medidas, como se vê nessa situação, são uma característica dos movimentos cultistas, que têm no exagero – proposital ou acidental – uma forma de ganhar espaço.
De qualquer forma, a rápida mobilização dos ufólogos brasileiros, que enviaram dezenas de cartas e e-mails aos seus colegas norte-americanos denunciando a fraude, acabou por esfriar o debate e mostrar a realidade dos fatos. “A Ufologia Brasileira é reconhecida no exterior pela quantidade e profundidade de sua casuística e pela alta qualidade do trabalho de nossos ufólogos”, declarou à Revista UFO o co-editor Claudeir Covo. “Não podemos deixar que essa posição seja ameaçada com a propagação de uma fraude”. De todos os sites que publicaram a história da abdução fabricada e o imaginárfio encontro com as 49 raças, segundo alega Urandir, o único a manter tal material é o de Linda Moulton Howe, que por isso tem sido intensamente criticada.
Sua posição intriga a todos, inclusive seus colegas, que sempre a reconheceram como uma jornalista séria e objetiva. Linda, mesmo com os fatos em mãos e tendo sido bombardeada por ufólogos brasileiros com protestos, se recusava a lhes dar ouvidos e seguia, até 15 de janeiro passado, sua obscura campanha de promoção a Urandir nos EUA.