Ele não conseguiu se tornar um planeta, mas faltou pouco. Imagens do Telescópio Espacial Hubble revelam que Ceres, o maior asteróide do Sistema Solar, tem uma estrutura interna mais complexa do que imaginavam os cientistas. E, ao que parece, é um astro recheado de água congelada. Usando o Hubble durante nove órbitas entre dezembro de 2003 e janeiro de 2004, os astrônomos conseguiram obter 267 imagens do astro. Uma olhada superficial nelas não revela muita coisa. Mas o ato de combinar esses resultados a modelos do interior do objeto começa a destrinchar os mistérios desse objeto que, apesar de ser um asteróide, tem porte até que razoável, com uns 930 quilômetros de diâmetro, e um formato aproximadamente esférico.
Foi o que fez o grupo liderado por Joel Parker, do Southwest Research Institute, no Colorado (EUA). O artigo científico contendo as conclusões do grupo saiu na última edição da revista britânica Nature. Em essência, o principal esforço da equipe foi analisar o grau de achatamento observado no globo de Ceres, cujo “dia” (tempo que ele leva para dar uma volta completa em torno de si mesmo) dura cerca de nove horas terrestres. Os cientistas notaram que o objeto era um pouco mais oval do que o previsto para o caso de ele ser composto inteiramente por um único tipo de material – observações anteriores, com base em análises da densidade do objeto e em sua aparência na superfície, sugeriam que ele era como a maioria dos asteróides, apenas um agregado de pedregulhos rochosos reunidos pela atração gravitacional exercida pelo conjunto.
Em vez disso, os novos resultados são mais compatíveis com um astro do tipo planetário, que é esférico e se divide em camadas. “É realmente muito mais um “miniplaneta” do que um pedregulho espacial, com essa diferenciação no interior”, diz Cássio Leandro Barbosa, pesquisador do Grupo de Astronomia e Física Solar da Univap (Universidade do Vale do Paraíba) que não teve envolvimento com o estudo. A equipe americana acredita que tudo deve se encaixar se Ceres tiver uma fina camada de argila e poeira, seguida por um manto volumoso de água congelada – o equivalente a cerca de 25% de sua massa total. No interior, um núcleo inteiramente rochoso.
Ceres é o “rei” do cinturão de asteróides. Trata-se de um conjunto com mais de 90 mil membros que se espalha ao redor do Sol entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Apesar do número, a maioria desses objetos se resume a rochas com alguns poucos quilômetros de diâmetro, de modo que Ceres responde por cerca de um quarto de toda a massa reunida no cinturão. O novo estudo sugere que faltou pouco para o asteróide virar planeta – fenômeno que acontece logo no início da história de qualquer sistema planetário, quando um objeto atinge massa suficiente e começa a agregar os demais, “limpando” a sua órbita. Apesar de ter chegado perto, Ceres não conseguiu. A culpa deve ser de Júpiter, planeta gigante gasoso que é vizinho do cinturão.”Ceres é um planeta embrionário”, diz Lucy McFadden, da Universidade de Maryland, uma das autoras do estudo. “Perturbações gravitacionais de Júpiter bilhões de anos atrás o impediram de virar um planeta para valer”. Moral da história: esses objetos consistem em restos da construção planetária, o que sobrou do disco de gás e poeira que, há 4,6 bilhões de anos, criou a família de astros que giram ao redor do Sol.
Embora os asteróides do cinturão não estejam tão distantes da Terra quanto os planetas gigantes gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno), é difícil estudá-los daqui, dado o seu tamanho diminuto. Mesmo Ceres, o maior deles, aparece como um punhado de pixels nas imagens do Hubble. Então, a solução é enviar espaçonaves até lá. A sonda Galileo, que a Nasa colocou a caminho de Júpiter em 1989, fez sobrevôos de dois asteróides em sua passagem por aquela região. Mas a coisa só vai esquentar mesmo quando a sonda americana Dawn, que tem partida agendada para o ano que vem, entrar em órbita de Vesta, por volta de 2011, e depois de Ceres, em 2015, os dois maiores representantes do cinturão.