Busca de supernovas extragalácticas exige disposição para combinar técnica e determinação. Foram dois astrônomos europeus emigrados para os Estados Unidos, Fritz Zwicky, suíço (1898-1974), e Walter Baade alemão (1893-1960), os autores da expressão “supernova”, em 1933, associando-a corretamente a gigantescas explosões de estrelas nas fases finais de seus ciclos de vida. Um ano depois Zwicky e seus colaboradores iniciaram um programa pioneiro de busca sistemática de supernovas em galáxias remotas, o que permitiu a descoberta de 281 desses objetos até 1975, ano em que o projeto foi encerrado. Durante as décadas seguintes a descoberta de supernovas extragalácticas ficou a cargo de projetos profissionais com grandes telescópios e de amadores isolados. Algumas dezenas de supernovas foram descobertas a cada ano, ao longo desse período.
Mas o grande salto para a descoberta de supernovas só ocorreu em 1998, com a entrada em operação do telescópio robótico Katzman Automatic Imaging Telescope (Kait) da California University, em Berkeley. Este telescópio, com espelho de 76 cm de diâmetro, equipado com câmara CCD e operando no Observatório Lick, monitora automaticamente centenas de galáxias a cada noite. E seu programa de busca, conhecido como Lick Observatory Supernova Search (Loss) descobriu nada menos que 550 supernovas em oito anos – um recorde absoluto.
No início do século 21, diversos grupos amadores na Europa, Estados Unidos e Austrália tentaram desenvolver tecnologias similares às do Loss, – alguns deles com sucesso. Em meados de 2002, o engenheiro e astrônomo amador Cristóvão Jacques e eu examinávamos a situação. Temos a mesma formação e já havíamos sido parceiros em outros projetos, o que facilitou nossa interação. Existiam no mundo cerca de 25 grupos – profissionais ou amadores – dedicados à busca sistemática de supernovas, mas a distribuição geográfica dessas equipes estava longe de ser homogênea: apenas cinco deles estavam no Hemisfério Sul.
Carência de observaçãoAs estatísticas de descobertas de supernovas mostravam uma drástica deficiência da ocorrência destes objetos em galáxias austrais. Como ninguém supunha que as galáxias austrais sofressem de alguma anomalia congênita que as fizesse gerar menos supernovas que suas contrapartidas boreais, estava claro que havia necessidade de melhoria na cobertura das galáxias do Hemisfério Sul. Esta foi a primeira motivação para a criação do Brazilian Supernovae Search (Brass). A oportunidade de colaboração eficiente e produtiva entre astrônomos profissionais e amadores foi relevante para a decisão de nos dedicarmos ao projeto, ainda que soubéssemos que tudo isso consumiria algum tempo.
Os dois fatores críticos de sucesso para um programa de busca estavam evidentes para nós. O primeiro era a necessidade de automação dos processos observacionais, usando telescópios robóticos e tornando-os capazes de operar à distância, via internet. Cristóvão encarregou-se do desenvolvimento dos programas e scripts para a robotização dos telescópios.
O segundo fator, a meu cargo, foi a elaboração de um catálogo específico de galáxias-alvo, levando em conta – a partir das estatísticas disponíveis na literatura profissional – os vários fatores astrofísicos que determinam a taxa de ocorrência de supernovas. Procurar supernovas sem esses critérios específicos (por exemplo, varrendo todo o catálogo NGC) não é nada produtivo, por uma razão simples: existem galáxias que produzem até oito supernovas a cada século, enquanto outras levam entre dois ou três milênios para produzir uma única. Naturalmente, queríamos trabalhar apenas com as “mais férteis”.
Buscar supernovas equivale a procurar agulha num palheiro. Isso significa que seria de enorme ajuda se ao menos soubéssemos que num determinado palheiro haverá, em princípio, uma agulha para ser localizada. Assim, para otimizar nossa probabilidade de descobertas, partimos de mais de 50 mil galáxias dos catálogos ESO-Uppsala, UGC, MCG, PGC, NGC e IC e aplicamos nossos critérios de seleção, chegando a uma amostra de 3.600 galáxias-alvo para a busca.Os trabalhos de desenvolvimento de programas e scripts para a automação e a construção do catálogo otimizado e do acervo de imagens CCD das galáxias-alvo para a busca demandaram dois anos de preparação. Com isso, iniciamos a operação do programa em junho de 2004. A essa altura já contávamos com mais dois astrônomos amadores no programa, que passou a ser conhecido, segundo a terminologia internacional como Brazilian Supernovae Search. Os novos integrantes eram Carlos Colesanti, empresário paulista, e Eduardo Pimentel, comerciante de Belo Horizonte. O Brass é o primeiro programa não-profissional de busca de supernovas na América Latina, e um dos quatro em operação em todo o Hemisfério Sul.
Como descobrimos supernovas? Nossa rotina de observação inclui inicialmente a aquisição remota de imagens CCD das galáxias de nosso catálogo, todas as noites, desde que as condições meteorológicas nos sítios de observação o permitam. O número de galáxias que imageamos em cada noite está em torno de 400. Três estações têm sido usadas para o programa: uma na Serra da Piedade, próxima a Belo Horizonte (Observatório Wykrota), a segunda na região urbana da mesma cidade (Observatório Ceamig-REA) e a terceira na cidade de Mairinque, a 70 km de São Paulo (Observatório Órion).
Todas as estações utilizam instrumental padronizado (telescópios Schmidt-Cassegrain de 305 mm de abertura e câmeras CCD de 16 bits e 765×510 pixels). As imagens são feitas sem filtros e o tempo de exposição para cada imagem varia entre 45 e 60s, dependendo das condições do céu e da interferência da Lua. Em condições ideais nossa magnitude instrumental está em torno de 18. Com exceção do Observatório Wykrota (até o momento), a operação dos telescópios é totalmente remota.
Triagem de candidatas. As imagens obtidas a cada noite são armazenadas no servidor da estação de observação respectiva. Na manhã seguinte, fazemos o download das imagens obtidas na noite, e efetuamos o blinking inicial delas. Um blinking nada mais é que uma comparação visual e alternada, ao monitor do computador, das imagens CCD obtidas na noite contra as do nosso acervo de imagens (essencialmente, a mesma técnica usada por Clyde Tombaugh, em 1930, para a descoberta de Plutão). Note-se que nosso acervo de imagens de galáxias foi construído em condições ideais de céu, na região do deserto do Atacama, ao norte do Chile: viajamos até lá, em 2003, especialmente para isso.
Em média, cada um de nós despende uma hora por dia com o procedimento de blinking, e, tip
icamente, a cada 400 imagens, haverá cerca de 10 a 12 com pontos luminosos “suspeitos”. Esses “suspeitos” são analisados cuidadosamente para verificar a possibilidade de terem sido produzidos por raios cósmicos, pixels defeituosos, artefatos de imagem, asteróides ou estrelas variáveis. As imagens são comparadas a seguir com todas as imagens da mesma galáxia existentes nos bancos de dados dos observatórios profissionais. Ao todo, fazemos uma série de nove testes. Caso o “suspeito” passe por todos eles, uma imagem de confirmação será feita na noite seguinte. Apenas se esta confirmação se mostrar positiva é que enviamos a notícia da provável descoberta à União Astronômica Internacional (IAU) para validação.
Nos dois primeiros anos de operação do programa Brass, obtivemos mais de 60 mil imagens e descobrimos 12 supernovas. Todas elas foram confirmadas e validadas pela IAU, recebendo os nomes de SN 2004cw, 2004cz, 2004ew, 2005af, 2005al, 2005aw, 2005cb, 2005cn, 2005dn, 2006D, 2006ci e 2006co. Várias foram do interesse da comunidade profissional, gerando posteriores espectros e trabalhos de pesquisa em observatórios como o Keck, VLT, Las Campanas e Spitzer Space Telescope. Entre elas está a supernova mais próxima descoberta nas últimas duas décadas (a 2005af) e uma rara supernova descoberta antes do máximo (a 2006D). Nossa experiência com o programa BRASS permite estimar que, sob as condições de observação atuais, ao menos seis descobertas de supernovas por ano são perfeitamente possíveis, sendo necessárias em média cinco mil imagens para cada descoberta. A única restrição a um aumento do ritmo atual de descobertas é o clima desfavorável, durante boa parte do ano, nos sítios de observação. Para resolver esta limitação a longo prazo estamos planejando a instalação de mais uma estação remota nos Andes chilenos ou argentinos.