
No final de outubro de 2017, astrônomos detectaram um objeto anômalo no Sistema Solar, cuja origem, comportamento e características eram diferentes de tudo o que havíamos visto até então. Dentro daquilo que conhecemos, o artefato — durante muito tempo apenas um asteroide de formato exótico — mostrou um comportamento inédito porque passou, em dado momento, a acelerar sua trajetória sem que houvesse nada que pudesse justificar a mudança na velocidade.
Outra anomalia, se é que cabe a palavra, foi o fato de o artefato começar a girar sobre o próprio eixo, algo que também nós nunca havíamos visto em um corpo celeste de qualquer espécie. Porém, e este dado é muito importante, nossa tecnologia ainda é muito insipiente para localizar e estudar determinados tipos de corpos espaciais. Obviamente a ciência progride, e conforme novos equipamentos surgem, novas descobertas são feitas.
Assim, aquilo que hoje se mostra diferente e extraordinário em nossa visão, pode se transformar em algo corriqueiro conforme a tecnologia vai se desenvolvendo. Algo parecido aconteceu com as chamadas supernovas, que maravilharam os cientistas quando começaram a ser detectadas, mas que depois acabaram se enquadrando como algo que não era não raro assim e que acontece universo afora. Mas e se o objeto anômalo não fosse apenas um asteroide, e sim uma espécie de nave ou sonda espacial extraterrestre, lançada por alguma civilização altamente desenvolvida há muitos milhares de anos para prospectar o universo?
Asteroide ou nave alienígena?
Embora essa possa parecer uma ideia um tanto excêntrica para ser científica, foi justamente isso que afirmou um dos mais respeitados astrônomos dos Estados Unidos, gerando manchetes bombásticas na imprensa de todo o planeta — e muitas críticas de seus pares. “Eu não ligo para o que as pessoas dizem”, afirma o doutor Abraham “Avi” Loeb, diretor do Departamento de Astronomia da prestigiosa Universidade de Harvard, nos Estados Unidos|, e autor do artigo científico mais controverso de 2018. E, claro, um dos mais populares na mídia em geral. “Para mim não importa. Eu digo o que penso e se o público se interessa por aquilo que digo, isso é um resultado bem-vindo, um resultado indireto. A ciência não é como política, não é baseada em pesquisas de popularidade”, afirma o cientista.
O professor Loeb, de 56 anos, nasceu em Beit Hanan, um moshav [Povoado ou assentamento rural israelense] no centro de Israel e estudou física na Universidade Hebraica de Jerusalém como parte do Programa Talpiot, das Forças de Defesa Israelenses para recrutas que demonstram excelente habilidade acadêmica. Há anos, como grande avanço em sua carreira, o físico teórico Freeman Dyson e o falecido astrofísico John Bahcall admitiram Loeb no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, cujos membros no passado incluem Albert Einstein e J. Robert Oppenheimer.
Em 2012, a revista Time nomeou Loeb uma das 25 pessoas mais influentes no campo dos estudos do espaço. Ele ganhou prêmios, escreveu livros e publicou cerca de 700 artigos nos principais periódicos científicos do mundo. Em outubro de 2018, Loeb e seu estudante de pós-doutorado Shmuel Bialy, também israelense, publicaram um artigo na revista científica The Astrophysical Journal Letters [Cartas do Diário da Astrofísica] em que levantou, de forma séria, a possibilidade de que uma espécie alienígena inteligente tivesse enviado uma espaçonave à Terra.
Um mensageiro
A espaçonave em questão recebeu o nome de Oumuamua, um termo havaiano que significa “primeiro mensageiro distante” ou “observador”. Para aqueles que não acompanham notícias espaciais, Oumuamua é o primeiro objeto espacial a passar pelo Sistema Solar e ser taxativamente identificado como originário de fora dele, isso desde que começaram as observações celestes, séculos atrás. O primeiro “visitante interestelar” passou por nós vindo da direção da estrela Vega, a mais brilhante da Constelação de Lyra, que fica a 26 anos-luz daqui. Curiosamente, no filme Contato [1997], em homenagem a Carl Sagan, o sinal de rádio que é enviado à astrofísica Ellie, interpretada por Jodie Foster, vem justamente dessa estrela.
O asteroide foi descoberto por um astrônomo canadense chamado Robert Weryk usando o telescópio Pan-Starrs do Observatório de Haleakala, no Havaí, daí o nome dado ao misterioso artefato. O nome Pan-Starrs vem do inglês Panoramic Survey Telescope and Rapid Response System, ou Telescópio de Busca Panorâmica e Sistema de Resposta Rápida, um dos mais avançados da atualidade. A descoberta ocorreu em 19 de outubro de 2017, quando o suposto asteroide já se encontrava “perto” da Terra, astronomicamente falando — ele estava a 33 milhões de quilômetros de nós quando foi avistado, o que corresponde a 85 vezes a distância entre a Terra e a Lua.
O fabuloso telescópio Pan-Starrs do Observatório de Haleakala, no Havaí, responsável pela descoberta do Oumuamua
Enquanto todos os planetas, asteroides e meteoros que conhecemos e que se originam dentro do Sistema Solar mais ou menos circulam pelo que é chamado de plano eclíptico do nosso Sol, já que foram formados pelo mesmo disco de gás e poeira que gira em torno de si, o Oumuamua entrou no Sistema Solar ao norte do plano, com uma órbita hiperbólica extrema e a uma velocidade 26,3 km/s mais rápida em relação ao movimento do Sol. Isso deixou os astrônomos do mundo inteiro inquietos. Nunca algo assim ocorrera.
Uma reconstrução de sua trajetória mostra que o artefato atravessou o plano da eclíptica em 06 de setembro de 2017, quando a gravidade do Sol o acelerou para uma velocidade de 87,8 km/s. Em 09 de setembro, o objeto passou mais perto do Sol do que a órbita de Mercúrio, o que é um assombro. E em 14 de outubro, cinco dias antes de ser descoberto no Havaí, o Oumuamua passou a 24,18 milhões de quilômetros da Terra, ou 62 vezes a distância daqui até a Lua.
Cautela e coragem
Em dezembro do ano passado, logo após a publicação de seu estrondoso artigo, o professor Abraham “Avi” Loeb esteve de férias em Tel Aviv, Israel, e encontrou-se com jornalistas e outros astrônomos para tratar da polêmica que ele criara determinando que o Oumuamua fosse uma nave alienígena. Ele tratou do assunto com cautela, mas com igual coragem, jamais se desviando de sua conclusão. E expôs o assunto sobre diversos ângulos, muitos deles considerados sacrilégios pela ciência, como a vida inteligente em outros planetas, a exploração espacial feita por extraterrestres e nosso papel diante de tudo isso. Tive a oportunidade de acompanhar sua passagem pelo país e participar das entrevistas, e apresento aqui nosso interessante diálogo.
Perguntei-lhe durante uma entrevista que pude fazer com o cientista: “Qual é a sensação de se sentar ao lado de colegas em um refeitório universitário um dia depois de publicar um artigo argumentando que Oumuamua pode realmente ser uma espaçonave de reconhecimento?” Não surpreso com a pergunta, Loeb explicou que o tal artigo foi escrito, em parte, com base em conversas que ele teve com colegas astrônomos que respeita cientificamente. “Cientistas de status sênior disseram que o Oumuamua era peculiar, mas estavam apreensivos em tornar público o que pensavam. Eu não entendo isso. Afinal, a atitude acadêmica tem a intenção de dar aos cientistas a liberdade de assumir riscos sem precisar se preocupar com seus empregos”, disse o cientista.
E se o Oumuamua não fosse apenas um asteroide, e sim uma espécie de nave ou sonda espacial extraterrestre, lançada por alguma civilização altamente desenvolvida há muitos milhares de anos para prospectar o universo e talvez a Terra?
Ele então admitiu que,
infelizmente, a maioria dos cientistas tem estabilidade e continuam cuidando de suas imagens. “Quando crianças nos perguntamos sobre o mundo e nos permitimos errar. O ego não faz parte. Nós aprendemos sobre o mundo com inocência e honestidade. Como cientista, você deveria desfrutar do privilégio de poder continuar sua infância e não se preocupar com o ego, e sim descobrir a verdade. Especialmente depois de que você conseguir estabilidade profissional”, disse.
Pode parecer uma posição ingênua, mas o homem que assim se manifestou é uma das maiores personalidades em astronomia do mundo. “Se o senhor não tivesse essa estabilidade, teria publicado o artigo atestando que o Oumuamua é uma nave alienígena?”, questionei. “Não é apenas meu cargo. Sou chefe do Departamento de Astronomia e diretor-fundador da Black Hole Initiative [Iniciativa Buraco Negro], um centro interdisciplinar de Harvard dedicado ao estudo de buracos negros”. Além disso, o doutor Loeb ocupa a direção do Conselho de Física e Astronomia das Academias Nacionais. “Então, se isso não estiver certo, pode ser que eu esteja cometendo suicídio de imagem. Por outro lado, se estiver correto, será uma das maiores descobertas da história humana”. Para ele, para que possamos progredir na compreensão do universo, precisamos ser confiáveis — e a única maneira de ter credibilidade é seguir o que se vê, e não a si mesmo, disse o cientista. “Além disso, a pior coisa que pode acontecer é perder os cargos administrativos e ter mais tempo para a ciência”.
Entusiasmo científico
Continuei com minhas perguntas ao doutor Loeb. Questionei-o se o primeiro visitante vindo de outro sistema estelar despertou grande entusiasmo entre os cientistas, e que várias outras questões sua forma e comportamento levantaram na comunidade acadêmica? “Sim, houve muita comoção porque ele não foi suficientemente observado. O objeto ficou sob observação consecutiva apenas por seis dias — de 25 a 31 de outubro — ou seja, uma semana após sua descoberta”.
O cientista completou que no começo se disse que o Oumuamua era um cometa, mas nenhuma cauda de cometa foi vista — cometas são feitos de gelo, que evapora quando se aproximam do Sol. “Nós não vimos um rastro de gás ou poeira em Oumuamua. Então, pensamos que fosse um asteroide, ou seja, simplesmente um pedaço de pedra. Mas o objeto girou em seu eixo por oito horas, e durante esse tempo seu brilho mudou para um fator 10, enquanto o brilho de todos os asteroides que conhecemos muda, no máximo, para um fator três”. Se assumirmos que a reflexão da luz é constante, isso significa que seu comprimento é pelo menos 10 vezes maior do que sua espessura.
Para o cientista, existem duas possibilidades em relação a essa geometria extrema. Uma é a de que o objeto tenha a forma de um charuto, e a outra é de que tenha a forma de uma panqueca. “A verdade é que os mesmos observadores que examinaram a variação de luz do Oumuamua chegaram à conclusão de que, se ele recebeu muitos impulsos gravitacionais durante a viagem — o que é razoável, porque passou muito tempo no espaço interestelar —, sua forma tem que ser plana”. Posteriormente, qualidades adicionais foram descobertas, como a sua origem.
“Boia na superfície do oceano”
“A origem do Oumuamua seria a estrela Vega?”, indaguei o professor. “Dissemos que sim, mas isso não é completamente exato. O universo é um lugar vasto, e mesmo na velocidade de Oumuamua, algo que nenhuma nave humana alcançou, uma viagem de Vega para o Sistema Solar levaria 600 mil anos”. Entretanto, Vega está orbitando o centro da Via Láctea, como o Sol e todas as outras estrelas, e não estava naquela região dos céus há 600 mil anos. Assim, se o leitor calcular a média das velocidades de todas as estrelas na região, obterá um sistema que é chamado de padrão local de repouso.
“O Oumuamua estava em repouso em relação a esse sistema. Ele não chegou até nós, mas esperou no lugar, como uma boia na superfície do oceano, até que o Sistema Solar entrou em ação”. Para esclarecer as coisas, apenas uma das 500 estrelas no sistema está tão em repouso quanto Oumuamua. A probabilidade disso é muito baixa. Afinal, se estivéssemos falando de uma rocha que fosse simplesmente lançada de um sistema estelar diferente, esperaríamos que ela tivesse a velocidade de seu sistema de origem, não a velocidade média das milhares de estrelas nas proximidades.
Mark Zuckerberg, do Facebook [E], e o capitalista russo Yuri Milner anunciam o Breakthrough Starshot com o professor Loeb a bordo
No entanto, a maior surpresa veio em junho, quando novos dados do telescópio espacial Hubble mostraram que o misterioso objeto havia se acelerado durante a sua visita ao Sistema Solar interior, em 2017 — uma aceleração que não é explicada pela força da gravidade do Sol. “Acelerações desse tipo podem ser explicadas pelo ‘efeito foguete’ dos cometas. O corpo se aproxima do Sol, que aquece o gelo do cometa, e o gelo escapa para o espaço em forma de gás, com uma emissão que o faz acelerar como um foguete”, explica o cientista.
Mas as observações não revelaram uma cauda de cometa atrás de Oumuamua. Além disso, a emissão de gases provocaria uma rápida mudança na taxa de rotação do objeto, uma mudança que também não foi notada e que também poderia ter partido o artefato em pedaços menores. “Mas, se não foi o gás de cometa, o que causou a aceleração de Oumuamua?”, questiona o astrônomo de Harvard. E é precisamente aqui onde o professor Loeb entra em cena nesta polêmica — de acordo com seus cálculos, a aceleração de Oumuamua foi causada por um empurrão. Disse o eminente cientista:
“A única hipótese em que pude pensar é a de um impulso pela pressão da radiação solar. Para que isso aconteça, o objeto teria que ser muito fino, com menos de um milímetro de espessura, ou seja, um tipo de panqueca. Além disso, o telescópio espacial Spitzer não encontrou nenhuma evidência da emissão de calor do artefato, e isso significa que ele é pelo menos 10 vezes mais reflexivo do que um cometa ou asteroide típicos. Assim, o que temos é um objeto fino, plano e brilhante. Então cheguei à ideia de uma ‘vela solar’, que é uma nave alienígena que usa o Sol para propulsão. Em vez de utilizar combustível, é impulsionada para frente refletindo a luz. Na verdade, é uma tecnologia que nossa civilização está desenvolvendo neste momento”.
Garrafas no espaço
Abraham Loeb definitivamente sabe muito sobre as velas solares. Em 2016, o físico e capitalista de risco russo Yuri Milner, juntamente com o falecido astrofísico Stephen Hawking, o proprietário do Facebook Mark Zuckerberg e outros, fundaram o Breakthrough Starshot, uma iniciativa científica para lançar no espaço acelerar as velas solares a um quinto da velocidade da luz, a fim de explorarem o sistema estelar de Alfa Centauro, que está a quatro anos-luz de nós. O professor Loeb foi nomeado diretor científico do importante projeto.
“O que pode nos dizer sobre essa ideia?”, perguntei-lhe. “A primeira consideração que fizemos foi se uma vela solar como Oumuamua poderia sobreviver por bilhões de anos na Via Láctea, e descobrimos que isso poderia acontecer — ser atingido por poeira ou gás interestelar não a desgastaria. Depois, tentamos calcular a aceleração que uma vela solar causaria em um objeto como uma nave ou sonda, e descobrimos que ela é consistente com a de Oumuamua”.
Mas é devido às velas solares que se deduziu que Oumuamua seja uma nave alienígena? O professor explica que não temos como saber se ele tem uma tecnologia ativa ou se seria uma nave alienígena que não funciona mais e continuaria a flutuar no espaço. “Mas se o Oumuamua foi criado junto com uma pop
ulação inteira de objetos similares que foram lançados aleatoriamente, o fato de descobrirmos isso significa que seus criadores lançaram um quatrilhão de sondas como essa para todas as estrelas da Via Láctea”.
Eu não ligo para o que as pessoas dizem. Eu digo o que penso e se o público se interessa por aquilo que digo, isso é um resultado bem-vindo, mas um resultado indireto. A ciência não é como política, não é baseada em pesquisas de popularidade
Ele completa: “É claro que a aleatoriedade é significativamente reduzida se assumirmos que Oumuamua era uma missão de reconhecimento que foi deliberadamente enviada para o Sistema Solar interior, isto é, para a região habitável e onde a vida é viável no Sistema Solar. Mas precisamos nos lembrar que a humanidade não transmitiu nada por dezenas de milhares de anos, quando o objeto já estava no espaço interestelar. Ninguém lá fora sabia que havia vida inteligente aqui. É por isso que acho que o Oumuamua é apenas uma espécie de ‘expedição de pesca’”.
Mas o que estariam pescando? Quem sabe? O professor faz uma comparação ao dizer que adora caminhar pela praia quando está de férias, como em Tel Aviv, e olhar as conchas com suas filhas, e que ocasionalmente encontra uma garrafa de vidro entre as conchas. “Na minha opinião, a ‘garrafa’ Oumuamua precisa ser investigada”. E prossegue: “Até agora estávamos procurando assinaturas de culturas alienígenas em transmissões de rádio, porque desenvolvemos essa tecnologia no século passado. Mas outra maneira é procurar uma mensagem em uma garrafa. A humanidade lançou as sondas Voyager 1 e 2, que já estão no espaço interestelar, que são como mensagens em ‘garrafas’. E neste século haverá muitos sistemas para os quais muitas ‘garrafas’ serão enviadas, e em velocidades muito maiores”.
Velas solares aos montes
Questionei o cientista: “O programa Starshot Breakthrough mandará garrafas, então”. “Exatamente”, disse. “Nosso objetivo é acelerar as velas solares a um quinto da velocidade da luz para que elas cheguem a Alfa Centauro em 20 anos. E a razão é clara: tenho 56 anos e Yuri Milner tem 57 anos. Nessa velocidade, ainda estaremos vivos para ver as fotos”, brinca. Milner é o financiador principal do projeto. É claro que as velas continuarão no caminho depois muitos anos após isso, talvez eternamente. É possível que o espaço esteja cheio de velas como essas e nós simplesmente não as vejamos.
“Nós só vimos Oumuamua porque essa é a primeira vez que temos uma tecnologia sensível o suficiente para identificar objetos de algumas dezenas a centenas de metros de tamanho no espaço longínquo”, explica o professor Loeb. Sabemos que em três anos a construção do telescópio LSST será concluída, e ele será muito mais sensível do que o Pan-Starrs. Assim, certamente veremos muitos outros artefatos que se originam fora do Sistema Solar passarem por aqui. “Então confirmaremos se Oumuamua é uma anomalia ou não”. Ainda necessitando de mais respostas, questionei o astrônomo de Harvard: “Por isso o senhor escreveu o polêmico artigo?”
Veja acima a curiosa trajetória do Oumuamua, completamente inusitada, conforme detectada em intervalos de apenas alguns dias. O misterioso corpo celeste entrou no Sistema Solar interno — onde estão Mercúrio, Vênus, Terra e Marte — em um ângulo que não encontra justificativa astronômica alguma. E da mesma forma saiu dele para se perder no infinito do espaço sideral.
Para o professor Loeb, a importância do texto estava em atrair a atenção dos astrônomos, para que eles usassem os melhores telescópios e procurassem os próximos objetos, e planejassem até mesmo um encontro com eles no espaço, explicou o cientista. “A atual tecnologia de propulsão não nos oferece a possibilidade de seguir Oumuamua. Ele é o visitante que vem para o jantar, vai embora e desaparece no escuro. É possível que nunca saibamos o que estava procurando”.
O projeto Breakthrough Listen, outra recente inovação, usou um radiotelescópio para “escutar” o Oumuamua com tanta sensibilidade que poderia captar a chamada de um celular comum vinda do objeto, mas, no entanto, não se ouviu nada. Perguntei a razão disso ao professor. Sua resposta foi espantosamente simples e impressionantemente esclarecedora:
“Quando sugerimos a Milner que ‘ouvíssemos’ Oumuamua, em novembro de 2017, sabíamos que a chance de captar alguma coisa ia de mal ao pior. Porque, mesmo que um sinal tenha sido enviado, ele não teria necessariamente sido enviado em nossa direção, e seria na forma de um raio. Em outras palavras, mesmo que esse explorador transmitisse de volta para seus operadores, não teríamos necessariamente percebido isso. Também não saberíamos em qual frequência ele estava transmitindo. E é possível que não estivesse transmitindo o tempo todo, mas apenas em determinados momentos. E talvez seus possíveis tripulantes pensem que não haja mais ninguém a quem transmitir”.
Tripulantes no Oumuamua?
Outra questão que ainda paira no ar é a de que, se havia tripulantes no Oumuamua — no caso de realmente ser uma nave alienígena —, por que não ouvimos nenhum sinal de rádio proveniente deles e direcionado a nós? Temos escutado as extensões do espaço por décadas e ouvido apenas a nossa pulsação em nossos ouvidos. Isso não faz sentido. Mas faz para o cientista: “Se julgarmos pelo nosso próprio comportamento, parece-me que a explicação mais provável é a de que civilizações desenvolvem tecnologias que as destroem. Há um período de tempo durante o qual uma cultura ainda é cuidadosa, por exemplo, para não entrar em uma guerra nuclear”.
“Considere que, se os nazistas tivessem desenvolvido armas nucleares, a história humana poderia ter levado à destruição em massa. E há, claro, asteroides, o aquecimento global e muitos outros perigos. A janela tecnológica de oportunidades pode ser muito pequena. Velas solares como essas são lançadas, mas não têm mais a quem transmitir”, argumenta. Em outras palavras, isso significaria que a resposta para o chamado Paradoxo de Fermi — ou seja, a pergunta “onde está todo mundo?” — é algo ultrapassado. Para Loeb, definitivamente. “A maioria deles pelo menos. Nossa abordagem deve ser arqueológica. Da mesma forma que escavamos o solo para encontrar culturas que não existem mais, precisamos ‘escavar’ o espaço para descobrir civilizações que existiram fora do planeta Terra”.
Neste caso, não seria mais fácil, e, portanto, mais científico, assumir que estamos sozinhos até que se prove o contrário? Para o cientista, não. Para Loeb, qualquer um que afirme que somos únicos e especiais é culpado de arrogância. “Minha premissa é a modéstia cósmica. Hoje, graças ao telescópio espacial Kepler, sabemos que existem mais planetas como a Terra do que os grãos de areia em todos os mares do mundo somados”. E continua: “Imagine um rei que consiga assumir o controle de um pedaço de outro país em uma batalha horrível, e que então se considere um grande governante onipotente. E então imagine que ele consiga tomar o controle de toda a Terra. Ainda assim ele seria como uma formiga que tenha envolvido suas garras em torno de apenas um grão de areia, em uma vasta praia. É sem sentido. Presumo que não somos as únicas formigas na praia, que não estamos sozinhos”.
Matéria escura
Interpelei o cientista com uma certa energia: “Isso é especulação. Não se pode saber disso com certeza”. Ao que ele argumentou que a busca por vida extraterrestre não é especulação — é muito menos especulativa do que a suposição de que há matéria escura, uma matéria invisível que constituiria 85% do corpo no universo, explicou. “
A hipótese da matéria escura é parte da principal corrente teórica da astrofísica, e é especulação”. Ele afirma que a vida em outros lugares do universo não é especulação, por duas razões bem simples: a primeira é que nós existimos na Terra — por si só uma evidência — e, a segunda, que há muito mais lugares que têm condições físicas similares à da Terra. “A ciência tem muitos exemplos de hipóteses que ainda não foram confirmadas pelas observações, porque a ciência progride com base em anomalias, com base em fenômenos que não são passíveis de explicações convencionais”.
Mas há uma grande diferença entre a busca por matéria escura e a busca por vida extraterrestre, reconhece o cientista. “A grande imprensa não entrevistaria o senhor se o seu artigo fosse sobre a matéria escura — ou seja, extraterrestres dão audiência”, considerei. “Sim, porque há extensa literatura de ficção científica sobre o contato com civilizações avançadas e não sobre a matéria escura. Mas, e daí? A maioria dos cientistas fala sobre a busca pela vida primitiva, mas existe um tabu na busca por vida inteligente. É difícil de entender isso. Afinal, o único lugar onde a vida primitiva existe, ou seja, a Terra, também tem vida inteligente, se é que somos realmente inteligentes”.
Oumuamua é o primeiro objeto espacial a passar pelo Sistema Solar e ser taxativamente identificado como originário de fora dele, isso desde que começaram as observações celestes, séculos atrás. É o primeiro visitante
Para o professor Loeb, nossa ciência não é saudável. Ele diz ter perguntado a um cientista que está pesquisando objetos celestes no Cinturão de Kuiper, um astrônomo experiente que descobrira um grande número de objetos ali, se ele havia descoberto mudanças de brilho originadas por luz artificial. Ele respondeu: “Por que pesquisar isso? Não há nada para procurar, e é claro que o brilho deles irá mudar como a luz que é naturalmente refletida de volta do Sol”. Assim se deduz que, se a pessoa não está preparada para encontrar coisas excepcionais, não vai descobri-las. “É claro que todo argumento precisa ser baseado em evidências, mas se as evidências apontam para uma anomalia, precisamos falar sobre tal anomalia. Quem se importa se essa anomalia apareceu ou não apareceu nos livros de ficção científica? Eu nem gosto de ficção científica…”
Problemas básicos da vida
Ao declarar não se interessar por ficção científica, o professor Loeb acrescenta que sequer leu um dos mais retumbantes clássicos do gênero, a obra Encontro com Rama [Aleph, 2011], de Arthur C. Clarke — a comparação da história do livro com o encontro com Oumuamua é mais do que apropriada. “Não. Ler o que contradiz as leis da natureza me incomoda. Sempre me ocupei dos problemas básicos da vida”. O professor se referia à vida em si, à nossa vida como seres humanos. “Eu escrevo artigos científicos que são publicados em periódicos científicos, a exemplo deste sobre Oumuamua. Eu sequer publiquei um comunicado de imprensa sobre minhas descobertas, que considero importantes e de interesse de toda a humanidade”.
Os cometas podem dizer muito sobre a natureza do cosmos e dos corpos celestes que nele existem, mas o Oumuamua não se enquadra no perfil
Para o diretor do Departamento de Astronomia da Universidade de Harvard a questão sobre a natureza do Oumuamua está resolvida e ele não pode ser dado como um corpo celeste qualquer, tal como um meteoro, uma asteroide ou um cometa. De fato, como asseverou no começo de nossa conversa, se o Oumuamua é mesmo uma nave alienígena, esta seria sem dúvidas a descoberta mais relevante para toda a humanidade em sua história. Mas o que faremos com ela? “Esperaremos que mais artefatos como o Oumuamua apareçam, agora que temos cada vez mais capacidade de detectá-los, e então teremos a resposta”.
Como se vê, as expectativas para o futuro da espécie humana são muitas e bem variadas. Quanto mais soubermos aproveitá-las, melhor será.
Uma conversa com o professor Abraham Loeb
O professor Abraham “Avi” Loeb é um apaixonado pela ciência e pelas descobertas astronômicas
Como o senhor se sentiu quanto a ser um “cientista viral” da noite para o dia, já que seu contundente texto sobre o Oumuamua foi obviamente o artigo espacial mais popular do ano passado?
Aproveitei a exposição na mídia para explicar a incerteza do processo científico. Os movimentos populistas nos Estados Unidos e na Europa dependem, em parte, do fato de que o público perdeu a fé no processo científico. É por isso que as pessoas negam o aquecimento global, por exemplo. Um dos meus entrevistadores na Alemanha disse: “Há cientistas que afirmam que é errado ir a público quando você ainda não tem certeza”. Esses cientistas pensam que, se revelarmos situações de incerteza, não seremos acreditados quando falarmos sobre as alterações climáticas. Mas a falta de credibilidade se deve justamente ao fato de mostrarmos ao público apenas o produto final. Se um grupo de cientistas se trancar em uma sala e depois aparecer para fazer uma palestra sobre o resultado, como se fosse para os alunos, as pessoas não acreditarão neles, porque elas não terão visto as dúvidas, elas não terão visto que não havia dados suficientes nos estágios anteriores.
E como seria melhor agir, então? Temos alguma opção melhor?
O jeito certo é persuadir o público de que o processo científico é uma atividade humana normal, que não é diferente do que aquilo que um detetive de polícia faz ou de um encanador que vem consertar um cano de esgoto na sua casa. Os cientistas são considerados uma elite porque eles mesmos criam essa torre de marfim artificialmente ao seu redor. Veja, se eles dizem que o público não entende de nada mesmo, e que por isso não há necessidade de compartilhar a pesquisa com ele, e que eles, cientistas, decidirão entre si o que é certo e depois comunicarão aos políticos o que precisa ser feito, abrem uma porta que devia permanecer fechada. Porque, então, o político populista diz: “Só a elite diz isso e ela está escondendo outras coisas de nós”. As diferenças de opinião na comunidade científica são o que empresta humanidade ao processo científico, e a humanidade traz credibilidade.
Se realmente descobrimos que não estamos sozinhos no universo, que efeito o senhor acredita que essa descoberta teria em nossa vida? Estamos diante de cenário de pânico?
Um efeito enorme. Estas outras inteligências cósmicas provavelmente serão mais avançadas do que nós, dado que nossa tecnologia foi desenvolvida apenas recentemente. Poderemos aprender muito sobre conhecimentos que foram alcançados por elas ao longo de milhões ou bilhões de anos. E pode ser que essa seja a razão pela qual ainda não identificamos vida inteligente extraterrestre — porque ainda somos uma espécie primitiva que não sabe ler os sinais. Assim que sairmos do Sistema Solar em voos espaciais prolongados, acredito que veremos muito movimento lá fora. Possivelmente receberemos uma mensagem dando-nos boas-vindas ao clube interestelar. Ou descobriremos várias civilizações mortas, ou seja, encontraremos seus restos mortais.
Se há muitas civilizações mais desenvolvidas do que a nossa, que foram liquidadas ou que se liquidaram, isso não é seria um mal sinal para o futuro da espécie humana?
Acho que será um excelente sinal. Isso nos fará questionar o que estamos fazendo aqui e agora, para que não compartilhemos o mesmo destino. Precisamos nos comportar de maneira muito mais decente
e menos militante uns com os outros, e também cooperar, prevenir a mudança climática e nos instalar no espaço. Isso deve levar a um bom lugar. A questão básica é se as pessoas, no fundo, realmente são boas.
E qual é a resposta, em sua opinião?
Eu acredito que as pessoas são boas. Assim que ficar claro que realmente houve muitas civilizações que se extinguiram, acredito que as pessoas aprenderão a lição certa. E se descobrirmos remanescentes de tecnologias avançadas, eles nos mostrarão que estamos apenas no começo da estrada — e se não continuarmos nela, perderemos muito do que há para ver e experimentar no universo. Imagine se tivessem mostrado aos homens das cavernas o smartphone que você está usando para me gravar. O que eles teriam pensado sobre essa ‘pedra especial’? Agora imagine que o Oumuamua é um iPhone e nós somos os homens das cavernas. Imagine cientistas que são considerados os visionários da razão entre os homens das cavernas olhando para o dispositivo e dizendo: “Não, é apenas uma rocha. Uma rocha especial, mas uma rocha. De onde você saiu com essa história alegando que não é uma rocha?”