Há um componente facilmente detectável e indiscutivelmente nefasto na Ufologia: o fanatismo exacerbado, que leva as pessoas a tudo aceitarem sem nada questionar. É por causa deste fanatismo que acontecem tristes e irreversíveis situações como a do suicídio coletivo de 39 pessoas da seita Portão do Céu (Heaven\’s Gate), ocorrido em 26 de março passado em San Diego, Califórnia. Não foi a primeira vez, não será a última. Infelizmente.Induzidas por um guru – na falta de qualquer outro termo melhor e tentando evitar chamá-lo de criminoso – centenas de pessoas comuns, de todos os tipos, níveis sociais ou profissões, já se reuniam há anos no Rancho Santa Fé, na paradisíaca região do mais ensolarado Estado norte-americano.
Tentavam “assimilar os ensinamentos” que lhes eram passados por seus mentores. Os temas que tratavam eram diversos, mas a tônica principal era uma só: os líderes da seita tentavam convencer seus seguidores de que eram “escolhidos” por extraterrestres e, por assim serem, quem os escutasse também receberia a mesma graça, supostamente.
Vez por outra, os seguidores da Portão do Céu tinham que passar por uma série de provações físicas e emocionais para mostrar a força de seu caráter. Uma dessas provações foi letal e definitiva, mas o estado de confusão mental das vítimas – 39 homens e mulheres de 17 a 72 anos – não os fez perceber o perigo que corriam. Para eles, era natural que pudessem tirar suas próprias vidas, já que só isso, segundo seus gurus, garantia que suas almas pudessem ser acolhidas no interior de uma nave espacial.
Fatos como esse suicídio coletivo são raros, mas o fanatismo se expressa das mais variadas formas pelo mundo afora, em maior ou menor grau. O caso do Rancho Santa Fé foi, evidentemente, um exagero brutal e desmedido. Mas exagero é justamente um dos fatores que compõe o coquetel de emoções que leva uma pessoa ao fanatismo. Em geral, todo e qualquer fanatismo é uma forma de se exagerar algo. No caso da Ufologia, seja negando o Fenômeno UFO tacitamente, como fazem os céticos, sem qualquer análise mais apurada do assunto; seja acreditando de olhos fechados em tudo o que se ouve, sem que se analise os fatos à luz da lógica ou, pelo menos, do bom senso.
As seitas ufológicas existentes em todo o Brasil e no mundo são muito mais numerosas do que se imagina. Estudiosos do assunto e psicólogos de várias correntes – estes nem sempre ligados à Ufologia – já detectaram mais de uma centena de seitas ufológicas apenas no Brasil. Todas reúnem pessoas aparentemente normais que manifestam algum tipo de crença cega em fenômenos ufológicos. Todas têm invariavelmente seus gurus “iluminando o caminho” dos seus seguidores. É uma situação de grande tristeza mas absolutamente real e que não pode ser ignorada.
Que tipo de mecanismo é responsável por essas manifestações de fanatismo é difícil dizer. Psicanalistas de peso têm atribuído a crença cega nos UFOs à necessidade de preenchimento de uma carência peculiar e íntima que cada seguidor dessas seitas carrega dentro de si. Muitas dessas pessoas são absolutamente normais em suas vidas profissionais, sociais, escolares etc. Mas intimamente carregam – muitos até sem saber – uma carência difícil de ser suprida normalmente com as coisas básicas da vida.
Dependência física – Argumentam os estudiosos que a dependência física que muitas pessoas têm com relação à bebida, ao cigarro, às drogas, ao videogame etc – para citar algumas – é apenas ligeiramente diferente da dependência emocional que leva indivíduos, aparentemente sãos, a abraçarem seitas de atuação duvidável e a defenderem os gurus que as lideram, crendo no que quer que eles afirmem sem o menor questionamento. A prova disso está lá na Califórnia, no cemitério que recebeu os 39 cadáveres da Portão do Céu. Muitas agremiações semelhantes atuam aqui, no Brasil, e podem estar alojadas na casa ao lado. Lembram-se das lavagens cerebrais que os discípulos do reverendo Moon praticavam em jovens da sociedade há uns 20 anos?
O Federal Bureau of Investigations (FBI) tem em seus registros dezenas de seitas de lunáticos prontos para fazer exatamente o mesmo, a qualquer hora. Há departamentos especiais dentro do Bureau para acompanhar passo-a-passo as atividades dessas seitas e intervir quando for necessário – se houver tempo. Eventualmente, antes de cometer suicídio, esses grupos podem vir a realizar atos de terrorismo, vandalismo e até crimes piores.
Para a Ufologia, o suicídio no Rancho Santa Fé, embora inesperado, foi um momento crucial e trágico. A opinião pública mundial – com a mais absoluta razão – se questiona sobre o que os ufólogos fazem em suas reuniões, sobre qual é o conteúdo de suas pesquisas e sobre o que pretendem fazer com os resultados que obtiverem. Pessoas leigas que desconhecem os detalhes da pesquisa ufológica, que vêem os ufólogos apenas à distância, não sabem separar o joio do trigo. Para a opinião pública geral, ufólogos e os ditos contatados são a mesma coisa. Não há nítida distinção entre quem vê e quem estuda os UFOs.
Esta é a razão pela qual é bem comum alguém perguntar ao ufólogo se ele “tem visto muitos discos voadores por aí”. A idéia que as pessoas têm é a de que, por lidarem com o assunto, os ufólogos passam seu tempo caçando naves extraterrestres e tomando café da manhã com seres de outros mundos. É difícil convencer alguém de que a pesquisa ufológica é algo totalmente diverso, que o ufólogo é uma espécie de investigador policial – um tipo de perito que, a partir das provas que encontrar, analisa a questão e expressa um parecer. É isso, em suma, o que faz o ufólogo: peritagem. Apenas alguns vão um pouco além, fazendo também um trabalho jornalístico, relatando os fatos à população.
O fanatismo é a pior forma de manifestação de uma predileção qualquer. Num exemplo claríssimo e atual, trupes de fanáticos que freqüentam estádios de futebol em todo o mundo estão prontos para voar sobre o pescoço da torcida oposta ao primeiro sinal obsceno recebido, ao primeiro olhar mal encarado que detectar. Tragédias homéricas estão registradas em vários países onde o fanatismo levou torcedores a atingirem seu ápice de violência em questão de segundos, fazendo com que alguns indivíduos um pouco mais desequilibrados se tornassem verdadeiros criminosos hediondos em instantes.
Deuses intocáveis – Na Ufologia Brasileira, felizmente, manifestações absurdas como a do Rancho Santa Fé estão – aparentemente – longe de acontecer. &ldquo
;O brasileiro é menos exagerado”, diriam alguns adeptos da teoria segundo a qual nossos conterrâneos não são muito esforçados no que fazem. Pode ser. Mas nada é tão garantido assim. Há centenas de seitas ufológicas no país e milhares de seguidores de algumas dezenas de gurus. Há anos acompanhamos o desenrolar de algumas dessas agremiações, comparando-as, analisando-as e, eventualmente, publicando algumas matérias a seu respeito. Em todos os casos, sem a menor exceção, uma coisa é notória: simplesmente é impossível manter um diálogo ou debate saudável com qualquer integrante dessas seitas sobre o que ou em quem crêem. Seus gurus são como deuses intocáveis, incontestáveis, irretorquíveis.
Pode-se pôr em discussão até a natureza de Deus, se Ele existe ou não, mas jamais se conseguirá discutir com um membro dessas seitas se o que seus “mestres” os ensinam é verdadeiro ou não. Estes senhores, para seus discípulos, estão acima de qualquer suspeita, dúvida ou contestação. São deuses na Terra! Numa ocasião, em determinada discussão já pouco amistosa com membros de certo “projeto” que se diz ufológico, dirigido em São Paulo por um estrangeiro radicado no Brasil, surpreendi-me quando constatei que, qualquer que fosse o argumento que empregasse – mesmo o mais banal e corriqueiro –, este não surtiria na mente de meu debatedor sequer uma faísca que, talvez, quem sabe, um dia, mais tarde, o impulsionasse a pensar no assunto…
A seita em questão, que declino em nomear por razões de ética, tem seu guru no mais elevado e inquestionável grau de estima, admiração e até adoração pura e simples. Tal pessoa parece reinar entre seus fiéis. O mais interessante e surpreendente é que tal agremiação não é composta por ignorantes ou desinformados, mas por pessoas com nível superior, inteligentes e, na maioria, profissionais liberais com bons salários. Que carência absurda e indescritível os move a tal ponto que não conseguem ver qualquer coisa além daquilo que seu mentor os ensina? Que cegueira é essa e por que é tão seletiva que ataca apenas certos tipos de pessoas enquanto outras ficam imunes?
É por essas e outras que a Imprensa em geral não pensa duas vezes antes de malhar os ufólogos, já que pessoas como essas que a Ufologia continua sendo rechaçada pelos meios acadêmicos, justamente onde poderia encontrar o mais forte apoio e subsídio para tentar novas e revolucionárias descobertas. É por causa da atuação de seitas como a descrita acima que a pesquisa dos UFOs está empacada e estagnada no mesmo lugar há anos. E tais seitas se proliferam a quatro ventos. Volta e meia, uma nova agremiação – com um novo líder – surge para complicar ainda mais as coisas e espalhar novas dúvidas. É nesse ponto da matéria que preciso fazer um relato de uma situação vivida por mim justamente no mesmo dia em que tomava conhecimento do suicídio coletivo nos Estados Unidos.
Na última Semana Santa tive a oportunidade de acompanhar as atividades de um novo movimento do tipo seita ufológica, coincidentemente radicado na cidade-sede de UFO, Campo Grande. A história é simples. A 70 km de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, está o município de Rochedo, rumo ao Pantanal. A quase 50 km de Rochedo, por terra, num ponto de difícil acesso, há um local de serras conhecido como Colônia Boa Sorte.
Descendentes de escravos – O local é envolto por mistérios seculares. A Colônia, por exemplo, é constituída exclusivamente por negros descendentes de escravos que decidiram lá permanecer com o mínimo de contato com o mundo exterior. Pessoas vivem na Colônia como viviam no Século XIX. É nesse cenário que surgiu tal seita. Até os fazendeiros que possuem propriedades na região respeitam essa opção dos colonos e se mantêm a certa distância. É para tal lugar que, há 13 anos, dirigiu-se o ex-diretor de teatro Lúcio Barbosa, em busca de uma vida mais tranqüila, decidido a lecionar e a ajudar de alguma forma aquela comunidade.
Alguns anos depois, Lúcio contaria com o apoio da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (hoje Federal), que promoveria no local um programa de extensão universitária visando elevar as condições de higiene, melhorar a saúde e ampliar a educação das crianças da Colônia. Lúcio, por razões pessoais, desgostoso da civilização, para lá se mudou alegremente e passou a cumprir sua tarefa. Tal foi o entrosamento do rapaz, então com 23 anos, com a região, que ficou mais de cinco anos sem voltar à civilização, vivendo numa tapera no meio do mato, sem água encanada ou luz elétrica. Religioso de pai e mãe, Lúcio gostava de subir nos morros em volta de sua propriedade, de pouco mais de 100 hectares, e rezar por horas a fio. Foi assim que começou a observar estranhas bolas de luz no céu, de várias cores, que os anciãos da Colônia Boa Sorte, seus amigos, descreviam.
Aos poucos, Lúcio foi acumulando – mas nunca relatando a ninguém fora de seu círculo íntimo de amizades – uma sucessão de experiências ufológicas, até que um dia teve um contato com extraterrestres, que também acontecia a outras pessoas da região. O rapaz evitava que tais fatos fossem conhecidos fora do local, por temer que alguém duvidasse de sua saúde mental. Mas, ao longo dos anos em que isso vinha acontecendo, em 1994, a história toda vazou e, conseqüentemente, atraiu a atenção de curiosos. Lúcio foi assediado por vários deles.
Uma dessas pessoas é o senhor Urandir Fernandes de Oliveira, um indivíduo controverso que se diz paranormal e ufólogo, com um repertório recheado de estórias suspeitas. O senhor Urandir numa tarde chega à sala de aulas de Lúcio para conversar com ele. Lúcio o recebe, é convencido a contar suas histórias ao forasteiro e acaba, com o passar do tempo e várias visitas sucessivas de Urandir, sendo seu amigo. Confia até demais no referido senhor que, um tempo depois, já estaria visitando com grande freqüência sua propriedade e tendo algumas visões de UFOs também – como aconteceria a qualquer um que passasse algum tempo em tal local, olhando para o céu.
Serra de Maracaju – Com o passar dos meses, o senhor Urandir mostrou-se mais do que interessado não só na vivência de Lúcio, como também nos fenômenos que ocorrem à exaustão em sua propriedade – como de quebra em toda a vasta extensão da Serra de Maracaju, no Estado, onde UFOs são freqüentes. Durou pouco até que o senhor Urandir visse que as histórias de Lúcio e do local poderiam ser melhor exploradas, de uma forma que ele aparentemente conhecia bem, já que vivia no circuito de espetáculos (já foi mágico). Aí as coisas se complicaram.
Lúcio e Urandir passaram a fazer conferências em seminários ufológicos freqüentados, principalmente, por integrantes da chamada Ufologia Mística, em várias capitais do país. Em pouco tempo, por divergirem quanto à forma de exploração do assunto – “Urandir me dizia seguidamente que só queria ficar milionário com os UFOs”, diz Lúcio a quem quiser ouvir – tiveram um desentendimento e Lúcio voltou para sua pequena propriedade, de mãos abanando. Mas o senhor Urandir preferiu continuar sua promissora carreira, explorando o assunto continuamente até hoje. Acontece, entretanto, que quem teve experiências mais profundas foi Lúcio, não Urandir. Era preciso, então, que este último arranjasse as suas próprias, para enriquecer suas apresentações em público.
Dito e feito. Em bem pouco tempo, o tímido, porém bem experiente, senhor Urandir já tinha seu próprio repertório de impressionantes – embora duvidosas – experiências ufológicas para apresentar aos muitos espectadores de seus seminários em todo o Brasil, num ritmo de atividade que aumentava a cada mês. Curiosamente – mas esse é um detalhe à parte – uma parte de seus “causos”, como se fala no Estado de Mato Grosso do Sul, é exatamente cópia carbono das experiências vividas por Lúcio, das quais já tínhamos conhecimento bom tempo antes de Urandir vir para o MS. “O Urandir simplesmente assimilou minhas histórias e até minha vida”, diz Lúcio, nem um pouco indignado, já que isso não parece que o abala.
O referido senhor passou então a se qualificar de contatado, o que equivale a dizer ser um “escolhido dos ETs”. Entre outras afirmações, em seus seminários – cada vez mais concorridos –, passou a dizer que possui a capacidade de atrair as naves dos extraterrestres na hora que bem entender. E promete isso às suas convictas platéias, sem que essas se questionem a respeito. Tal contatado chegou a criar uma terminologia para definir as naves que teria o poder de atrair. Algumas foram designadas de “planetárias”, outras de “dimensionais”, outras ainda seriam as “observadoras”… Há ainda outros termos que não me atrevo a descrever aqui por não julgar conveniente fazê-lo. No entanto, não me privo de nomear o seu movimento: Projeto Portal (lembro que, curiosamente, o nome da seita de fanáticos suicidas norte-americanos era Portão do Céu).
Escolhido dos ETs – Em pouco tempo, a partir da consagração de suas palestras perante o público já descrito, o senhor Urandir adquiriu uma propriedade na mesma Colônia Boa Sorte, exatamente vizinha à de Lúcio, embora esta seja bem mais humilde. Foi em suas terras que decidiu erigir o tal projeto. O termo portal vem de uma alusão a um espaço virtual que ele e seus seguidores dizem que conseguem enxergar no mato e através do qual teriam alegados contatos com ETs. Seria algum tipo de “porta dimensional” – segundo o próprio senhor Urandir – que faria a ponte entre este e outros universos…
Começaram, então, as caravanas que o senhor Urandir passou a trazer regularmente de vários pontos do país, geralmente de pessoas que freqüentam seus seminários e que são convidadas a vir ao Estado em ônibus fretados por ele. São muitas horas de viagem que só findam após os últimos e fatídicos 50 km em estrada de terra. Estas pessoas vêm até aqui esperando ter a sorte – como a que Urandir alega possuir com surpreendente naturalidade – de contatar “nossos irmãos extraterrestres”, como elas próprias descrevem.
Várias caravanas já chegaram ao Projeto Portal e lá se fixaram por períodos de poucos dias. Em sua propriedade, o senhor Urandir mandou construir vários barracos feitos às pressas e, sem dúvida nenhuma, com bastante desconforto. É neles que acomoda os visitantes, que por isso e mais três refeições por dia pagam, evidentemente, uma diária. Mas parece que a experiência vale a pena, pelo menos para os que a realizam, que demonstram estar satisfeitos em pagar o que for necessário para terem o privilégio de ver UFOs. Alguns chegaram a dizer que tal experiência é uma verdadeira “graça divina”…
Somente neste ano, tive conhecimento de duas caravanas ufológicas que o senhor Urandir trouxe ao Mato Grosso do Sul. Uma teria sido realizada durante o Carnaval e a outra ocorreu em meio à Semana Santa. Ambas foram comunicadas à imprensa local, que há tempos vem dando espaço cada vez maior às atividades de tal contatado e paranormal, às vezes procurando-nos para saber qual é nossa opinião – evidentemente contrária a esse tipo de coisas que alega Urandir.
Perdi a oportunidade de acompanhar a caravana do Carnaval, mas, por sorte, pude acompanhar uma parte da que se realizou na última Semana Santa, iniciada justamente um dia após o suicídio em massa nos Estados Unidos, gerado pelo fanatismo já discutido. Compareci à fazenda onde está alojado o Projeto Portal juntamente com Lúcio e três profissionais da TV Educativa local. Nossa intenção era apenas a de fazer uma matéria na propriedade de Lúcio sobre as observações regulares de UFOs que acontecem no local. Mas as atividades na fazenda vizinha, do senhor Urandir, nos chamaram a atenção demasiadamente e para lá nos dirigimos.
Pessoalmente, aguardava uma recepção pouco calorosa, talvez indelicada, já que tinha manifestado
anteriormente, através da Imprensa, minha incredulidade aos fatos alardeados pelo suposto contatado. Mesmo assim, fomos recebidos razoavelmente bem, ainda que com suspeitas por parte do senhor Urandir e alguns de seus seguidores mais próximos. Das 21:00 h de 27 de março, quinta-feira, até 03:00 h da madrugada seguinte, testemunhei cerca de 70 pessoas do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul serem envolvidas num festival de absurdos e de demonstrações de fanatismo.
Logo de início, o senhor Urandir frisava que só consentiria filmagens do local ou entrevistas caso eu e Lúcio não estivéssemos envolvidos… Concordei, até porque estava ali para pesquisar a situação, e não para prejudicar o trabalho da Imprensa. Mas foi a equipe de TV que não concordou em me excluir, pois, sabedora de minhas posições céticas quanto ao trabalho do referido contatado, queria captar ambas as opiniões. Sendo convocado por ela, então, mostrei claramente, de novo, meu ceticismo em relação aos fenômenos que o senhor Urandir alegava produzir tão facilmente. Desafiei-o publicamente, então, a mostrar-me que estava errado. Fui enfático e claro: acreditarei se presenciar algo de fato acontecer.
Ceticismo desafiador – Tenho alguma experiência nesse setor, depois de ter me encontrado pessoalmente ou pesquisado intensamente dezenas de “urandires” por todo o Brasil e em vários países. Sempre estive absolutamente certo – como a Ufologia prova inequivocamente – de que ninguém consegue, como alegava tal contatado (entre outros), atrair ETs quando bem entendesse. Mantive e reforcei minha posição de desafiante, embora educadamente, para provocar uma reação – seja ela qual fosse. A essa altura, já conseguira “desarmonizar o local” com meu ceticismo, segundo alguns seguidores de Urandir, de quem atraí a ira. Como em outros movimentos do gênero, tampouco neste seus adeptos admitem que se conteste seu líder de forma alguma.
Em pouco tempo a situação beirou o absurdo, com uma pequena platéia exasperada e contrariada já imaginando que meu desafio era obra de satanás e que estava ali para denegrir o puro e abnegado trabalho do senhor Urandir. Qualquer estudante de Psicologia, até na mais capenga faculdade, notaria no ar um clima de exacerbado fanatismo e incontida manipulação. Fazendo a necessária ressalva de que pessoas esclarecidas e cultas também se encontravam presentes, entre os adeptos do tal contatado, novamente pergunto: que interesses os movem, que carências os invadem e de que forma seus gurus a preenchem? Posso não ter conseguido as respostas para tais indagações, mas aprendi bastante naquela noite sobre fanatismo ufológico.
Depois de tanto desafiar, tive finalmente a minha resposta: o senhor Urandir decidiu provar que eu estava errado e me mostrar os tais extraterrestres com quem tem contato e suas maravilhosas naves resplandecentes. Reuniu seus seguidores em um grupo, fez um pequeno discurso e iniciou um ritual qualquer de simular telepatia. Produziu uns gestos aqui e outros ali – alguns até impressionantes aos leigos –, e apontou para um matagal a uns 40 m, mostrando à platéia uma determinada luz vermelha no meio da mata. “Os observadores chegaram”, disse o senhor Urandir para comemorar a presença do que ele e seus adeptos descrevem como seres alienígenas que vêm ver se há condições para as naves baixarem…
Eu nada vi de extraterrestre acontecer, ao contrário da platéia extasiada. Mas, de um ponto mais longe, saquei sorrateiramente minha caneta a laser e projetei na mata à frente do público uma bolinha de luz vermelha exatamente igual a dos tais observadores do contatado. Sem que percebesse minha manobra, a maioria dos presentes foi às alturas: “Oh, que lindo!”, disse uma bancária. “São eles que estão chegando”, disse um estudante. “Essa é a prova”, disse o senhor Urandir, enquanto o público ia às alturas. Por mais alguns segundos emiti o foco de minha lanterna a laser – de luz vermelha – em direção ao mato.
Um minuto depois, voltei ao meio da platéia e mostrei àquelas pessoas que tudo não passou de um truque. Mostrei como fiz o ponto de luz vermelha, repeti a dose agora com eles à minha volta, e disse-lhes que só fiz aquilo com a intenção de mostrar-lhes como é fácil iludir-se. Mas quase nem me ouviram: preferiram crer que o que viram foi mesmo os tais observadores, embora estivesse repetindo à exaustão o truque, para ver se acreditavam. Sem resultados! Como poderia eu contestar o senhor Urandir, amigo dos ETs? Nem o fato de que seus observadores e o meu foco de caneta a laser eram absolutamente idênticos em gênero, número e grau, cor e formato, tamanho e movimentos, conseguiu convencer viva alma entre os presentes… Mais uma vez: que cegueira é essa?
Noutra fase de meu desafio, já altas horas da noite, depois do contatado quase desistir de mostrar-me suas provas, insisti tanto – e tão pesadamente – que o mesmo reuniu novamente seu grupo para dar-me outra demonstração. Aconteceu tudo de novo: o suposto contatado fez os mesmos sinais em meio ao “ritual de aproximação dos ETs”, segundo ele. Gesticulou um pouco, emitiu algumas palavras etc. E garantiu: “Estou sentindo uma ‘energia boa’ no local”. Embora sem definir o que seja essa energia boa, complementou dizendo que “…agora estão chegando os observadores dourados&rdq
uo;. Nisso, apontou para uma mata uns 20 metros à nossa frente e disse, tácito: “Eles chegaram. Fotografem e filmem à vontade”.
Supostamente, todos deveriam ver luzes idênticas à anterior, porém desta vez de cor dourada – “…que são mais raras”, como me alertava alguém ao lado. Pois bem, dezenas de câmaras fotográficas simples e sofisticadas foram disparadas por vários minutos em direção à mata. Os flashes a tudo iluminaram. As filmadoras rodaram sem parar por vários minutos. Ao que eu saiba, dos 70 e tantos presentes, aparentemente todos viram os tais observadores dourados – já chamados de “caneplas” por alguns. Quanto a mim, Lúcio e os três profissionais da TV Educativa, nada, absolutamente nada, vimos em momento algum… Assim, disse indignado ao líder: eu não vejo coisa alguma. Ao que ele respondeu: “É porque sua energia está baixa…” Essa é uma explicação bem conveniente!
Frequência da vibração da energia – Nessa altura, o contatado já se confundia um pouco, embora ninguém notasse ou quisesse perceber. Ora era a minha energia que estava baixa, ora era a vibração da minha energia que não estava adequada ou era insuficiente… Fiquei pasmo: todos os presentes, que seguem seus ensinamentos à risca, viram a tudo por terem a vibração da freqüência de suas energias alta, seja lá o que for isso. Mas eu, Lúcio (que conhece o local como a palma das mãos, por ter vivido lá pelo menos 11 anos) e três profissionais treinados e capacitados de uma estação de televisão nada vimos. Por que só nós teríamos a energia tão baixa?
Mas depois dessa verdadeira pantomima, a situação já beirava o absurdo e a insanidade. Urandir agora já propunha uma nova mentalização para passar a receber novas mensagens dos ETs. Segundo ele, agora havia clima – aparentemente detectado pelos observadores – para as naves maiores baixarem. Desta vez os ETs iriam aparecer por cima do morro à nossa frente, segundo ele. Dito e feito: novamente o ritual, mais uma simulação e aí vinham novos contatos telepáticos – e com que facilidade! Urandir se distancia do grupo uns 10 metros. Durante uns minutos, faz uns gestos quaisquer e lá em cima do morro, num local evidente, surge uma nova luz vermelha…
Ao ver aquilo, logo de começo, não tive dúvidas de que se tratava de mais um truque com caneta a laser, pela aparência, cor, formato e modo de piscar – sem contar que ficava imóvel e que seu tamanho era bastante reduzido, o que é incomum para um UFO. Um truque primário
Ao ver aquilo, logo de começo, não tive dúvidas de que se tratava de mais uma caneta a laser, pela aparência, cor, formato e modo de piscar – sem contar seu reduzido tamanho e que ficava imóvel, o que é incomum para um UFO. Mais algumas centenas de fotos são batidas quando, em alguns minutos cronometrados, o contatado diz que a luz vermelha – outro UFO – iria se dividir em duas. Passam-se alguns segundos e lá aparece uma nova luz, bem ao lado da anterior, a não mais do que uma braçada de distância. A platéia fica completamente satisfeita. Afinal, era isso que ela queria. Fiquei com dúvidas se o êxtase era devido mais à visão daquilo em si ou se originado pela sensação que tiveram ao ver seu guru mostrar-me sua verdade. Estou inclinado em crer na segunda hipótese.
Mas ainda ocorreriam mais coisas. Convencido de ter me influenciado e achando que estivesse impressionado – já que propositadamente não emiti opinião contrária em relação àquilo – o senhor Urandir imaginou ter-me feito um grande bem mostrando as tais luzes. Assim, convidou a mim, Lúcio e a equipe da TV para subirmos com ele o morro – uns 200 metros de distância e cerca de 100 acima de onde estávamos. O resto do pessoal viria depois. No caminho, tenta mais uma forma de convencimento: “Essa vai ser a chance de sua vida, Gevaerd. Não a desperdice. Você vai ser um novo homem depois dessa noite”. Insistia, quase que complementando com um “me agradeça depois”. Não é à toa que aquelas pessoas agem com tamanha credulidade! As palavras de Urandir, em meio àquelas circunstâncias, realmente influenciariam um incauto.
Vultos na mata – Ao subirmos o morro, no entanto, Lúcio estava à minha frente e viu, claramente, quando nos aproximávamos das duas luzinhas – dispostas num local separado de nós por alguns obstáculos, mas não mais do que uns 30 metros –, dois vultos segurando canetas a laser. Estes vultos se abaixaram e se esconderam na mata tão logo Lúcio os notou e me chamou para vê-los. Apagaram então as canetas e colocaram-se a correr silenciosamente, com a prática que já adquiriram de andar no mato à noite, engajados no trabalho já consolidado do senhor Urandir. Quando Lúcio me chamou para vê-los, já era tarde. Mesmo assim, até o fim da escalada morro acima, nada falaríamos a respeito com o líder e seus adeptos, que vinham logo atrás. Esperamos para ver o desfecho.
Uns 20 minutos foi o suficiente: mais uma luz vermelha produzida por uma caneta a laser usada num truque primário e mal feito brilhava estática no meio de uns arbustos. Tempo bastante para muita gente acreditar que estava diante de fenômenos ufológicos genuínos
Quando chegamos ao topo do pequeno morro – uns quinze minutos depois se unia a nós o resto do grupo, já visivelmente emocionado –, o senhor Urandir nos acomodou sobre uma laje de pedra e começou tudo de novo, mas cada vez mais confiante de sua influência sobre nós. Fez um discurso tosco em que não disse absolutamente nada: “A freqüência da vibração da energia” e coisas do gênero. Falou com a mesma propriedade de quem fala dos gorgulhos dos rios de Marte na época das cheias e sua influência na produção de bolo de chocolate no noroeste norte-americano, por exemplo…
Caneta a laser – Nesse ponto, garantiu que veríamos mais alguns fenômenos. Já estava bastante incrédulo, mas aguardei paciente – embora nem tanto –, ainda dando-lhe um voto de confiança e mantendo-me o mais neutro possível. Por incrível que pareça, esperamos apenas o tempo necessário para que os associados do senhor Urandir (possivelmente os mesmos que já haviam sido vistos antes com as canetas a laser) chegassem ao topo de outra elevação da região, uns 200 m à frente de onde estávamos agora, para que os tais fenômenos voltassem. Uns 20 minutos foi o suficiente: mais uma luz vermelha produzida por uma caneta a laser usada num truque primário e mal feito brilhava estática no meio de uns arbustos. Pouco tempo, mas o bastante para que a multidão realmente imaginasse que estava diante de fenômenos ufológicos genuínos. Urandir, que já foi mágico, arrancou suspiros da platéia.
Minha reaçã
o foi imediata, mas vou poupar o leitor de descrever o que se sucedeu. Apenas quero narrar que Lúcio, também já sem paciência, levantou-se no meio da multidão e acusou o senhor Urandir: “Eu vi duas pessoas na mata, segurando as luzinhas”, disse-lhe decisivamente. Com uma calma surpreendente – essa sim de outro planeta – o contatado Urandir perguntou meio que afirmando: “Ah, você viu dois seres energéticos?!”, numa estranha alusão de serem extraterrestres os vultos que Lúcio teria visto se escondendo na mata. Mais um absurdo gritante, ainda mais que Lúcio retrucou: “Não senhor, o que eu vi foi gente de carne e osso, como eu e você. E vi com meus próprios olhos, claramente”.
Quando Urandir teve a péssima idéia – ou a imprudência – de também perguntar a mim o que achava dos tais observadores, não me contive mais. “Estes truques são primários e risíveis. Dei uma chance para ver se você tinha mesmo algo a mostrar, mas você tentou me fazer de idiota com truques colegiais”. De fato, os truques com canetas a laser eram simplórios e espantei-me ao ver que, mesmo reproduzindo-os na frente dos adeptos do contatado, com meu próprio instrumento, nenhum sequer admitia a verdade. Foi um absurdo esmagador, resultando numa discussão de mais de hora com o senhor Urandir e alguns de seus mais chegados. Simplesmente não ouvi qualquer informação que fosse aproveitável. Seu repertório, pelo menos o apresentado nessa fase do debate, foi completamente vazio e – pior – obscuro. O homem não me convenceu de absolutamente nada e sequer teve o trabalho de elaborar algo melhor.
Talvez seja desnecessário dizer que quase fomos linchados por um grupo ensandecido de indivíduos contrariados que não suportaram ver uma verdade diferente da sua ou daquela que o homem que os influencia lhes mostrava. Foi um festival de absurdos o que se passou depois, com os mais diversos tipos de reação – todos típicos de pessoas fanáticas que, se estivessem um pouco mais nervosas ou exasperadas, certamente poderiam repetir conosco o feito dos Hooligans nos estádios ingleses. Em situações assim, gente mais louca repete o ato dos membros da seita Portão do Céu… Saímos de lá assim que pudemos, mas não sem antes ouvir os maiores disparates e ofensas, característicos de quem não tem mais nada a falar – e alguém ainda gritou: “Vai embora, satanás. Você perdeu 70 leitores de sua revista”.
“Casualística” – Resultado: de tudo o que falou em horas de rituais estapafúrdios e não convincentes, o referido contatado não conseguiu provar uma única vírgula. De tudo o que nos mostrou, como as tais luzinhas, não nos convenceu de absolutamente nada – pelo contrário. De tudo o que afirmou, a Ufologia clássica – ou “casualística”, como diz – não comprova coisa alguma. Mas será a palavra dele contra a minha, ou a palavra dele e de seus seguidores contra a minha e de meus acompanhantes. Seja como for, fecho essa matéria com um desafio público ao senhor Urandir e a todo e qualquer ser humano que se ache um escolhido dos ETs, a exemplo do guru do outro projeto a que me referi no início da matéria: mostrem-me ser capazes de realizar 1% dos feitos que alardeiam e aceitarei l00% do que disserem, sem contestar. Mas não tentem me converter às suas seitas. Isso seria uma grande perda de tempo!