O suicídio coletivo de 21 mulheres e 18 homens pertencentes à seita Higher Source (Fonte Superior) ou Heaven’s Gate (Portão dos Céus), numa mansão luxuosa nos subúrbios de San Diego, costa oeste dos EUA, revelado ao mundo no dia 27 de março último, às vésperas do feriado da Páscoa, já vinha sendo anunciado desde há muito, remontando à época em que o líder e mentor Marshall Herff Applewhite começou a apregoar suas idéias esdrúxulas, há 25 anos atrás. O fato culminante que serviu de pretexto e justificativa final para essa atitude extremada, por sua vez, passou a circular na Internet poucos meses antes, coincidindo com a aproximação do recém descoberto cometa Hale-Bopp.
Tratava-se de um boato que agradava em cheio ao ufólogo mais crédulo. Nas home-pages de Astronomia, Ufologia e esoterismo surgiram denúncias de que uma fantástica conspiração envolvendo o presidente norte-americano Bill Clinton e o papa João Paulo II estaria escondendo da população uma foto que demonstrava cabalmente a existência de uma cidade luminosa no rastro do cometa Hale-Bopp.
A NASA, como sempre, fazia parte do acobertamento. A informação teria sido obtida meses atrás por meio do telescópio espacial Hubble, sendo mantida em segredo porque envolvia uma questão de fé. O estranho objeto se assemelharia a uma enorme e luminosa cidade, uma reminiscência do Paraíso. Segundo as informações veiculadas, a mirabolante notícia só vazou porque um padre – funcionário do serviço de Inteligência do Vaticano – fugiu de Roma levando consigo um disquete com as informações da NASA. A descoberta do cometa – que repete, agora, uma visita ocorrida há quase quatro mil anos – anunciada pelos astrônomos amadores Alan Hale e Tom Bopp, em 22 de julho de 1995, acabou mesmo por mexer com o imaginário das pessoas. Enquanto que para alguns fundamentalistas cristãos o aparecimento do cometa no final do milênio prenunciava “o fim dos tempos”, profetizado no Novo Testamento, para certos ufólogos tratava-se de uma nave disfarçada, comandada por extraterrestres.
As especulações explodiram em novembro do ano passado, quando um astrônomo amador americano, chamado Chuck Shramek, comunicou, durante um programa de rádio noturno, que havia fotografado um estranho objeto no rastro do Hale-Bopp. A espantosa notícia provocou uma onda de boatos, entrevistas e debates. Chegou-se a falar que o objeto era quatro vezes maior que a Terra e emitia sinais de rádio. Seria uma gigantesca nave extraterrestre, cujo conhecimento vinha sendo ocultado da população. As fotos distribuídas pela NASA eram retocadas, para que não aparecesse a nave. Hale examinou a foto de Shramek e concluiu que ele havia confundido uma estrela comum, de oitava grandeza, com um objeto não identificado.
Ao soltar suas conclusões na Internet, no entanto, o astrônomo foi alvo de uma avalanche de irados e-mails. Até ele foi acusado de fazer parte da conspiração destinada a ocultar a verdadeira natureza do cometa. E, logo em seguida, o papa tornou-se alvo de suspeitas. Um agente da Inteligência do Vaticano, que se identificou apenas como “padre”, enviou uma carta ao programa de rádio de Art Bell – um popular animador americano, que durante as madrugadas abre a linha do telefone para ouvir histórias bizarras, como as de pessoas que foram raptadas por extraterrestres. Do rádio, a carta do “padre”, que se dizia ameaçado de morte, passou para a Internet.
Fotos camufladas pela NASA – O editor da revista inglesa UFO Magazine, Graham Birdsall, arriscou-se a proclamar que a mensagem do “padre” não era absurda. Entre os astrônomos, disse Birdsall, há meses corriam boatos de que a NASA estaria escondendo centenas de fotos do cometa. Mais ponderado, Alan Hale, o descobridor do astro, chamou essas ondas de boatos, medo e misticismo de “loucura de cometa”, lembrando que no passado todas as aparições de astros eram ligadas a mensagens celestiais e presságios. Era, então, um fenômeno compreensível, diante da ausência de informações. Hoje, porém, tais crendices não fazem mais sentido.
Em suas observações, Hale procurava de certa forma advertir aqueles que intentavam praticar algum ato inconseqüente, como se com isso pudesse desencorajar os mais fanáticos. Contudo, seus apelos para que as pessoas somente apreciassem descompromissadamente a beleza do cometa não surtiram efeito, tendo antes uma repercussão contrária, reforçando a ignara convicção de que uma nave extraterrestre estaria mesmo lá. Os membros da seita Heaven’s Gate, obnubilados pelas suas próprias convicções estúpidas, desprezaram os sábios conselhos do astrônomo, e acabaram então decidindo que valeria a pena se matar para se encontrarem com a nave.
As autópsias atestaram que o grupo se matou revezando-se em turnos ao longo de dez dias, usando uma mistura de drogas (entre elas o fenorbital), álcool e doce de maçã. A causa mortis de alguns membros apontava também para a asfixia. O suicídio em busca da transcendência comprova mais uma vez que, ao contrário do que se supõe comumente, as altas tecnologias contemporâneas são profundamente permeáveis a um misticismo irracional que resiste a todos os prognósticos científicos.
Numa fita de vídeo que o grupo de fanáticos enviou para um ex-membro do culto em Los Angeles, anunciando o suicídio coletivo, a maioria dos integrantes aparece bem-humorada, alguns rindo. “Vamos passar para o próximo nível evolucionário, acima do humano, pegando um veículo novíssimo que será usado no próximo nível”, afirmou ingenuamente um deles. Para o grupo, os corpos eram containers temporários, e a morte os levaria a uma vida melhor. Acreditavam que iriam encontrar um UFO atrás do cometa que os levaria para um outro planeta, onde viveriam numa civilização superior à humana.
Características elementares – Os membros da seita prestavam serviços de informática a empresas da região e compartilhavam crenças religiosas esotéricas. Era composta de dois negros, três hispânicos e 34 brancos. Vestiam roupas negras e brancas, que pareciam uniformes, e usavam todos, inclusive as moças, cortes de cabelo tipo escovinha. A seita era hostil às relações sexuais e seus membros, celibatários, tinham um aspecto andrógino. O líder Apple-white e cinco dos 18 homens encontrados mortos na mansão de Santa Fé eram castrados. Segundo um dos médicos legistas do Estado, os testículos desses seguidores tinham sido retirados havia muito tempo. A necessidade de abstinência de práticas sexuais para se atingir um “nível superior” de espiritualidade era muito enfatizada em seus textos. Applewhite passou a buscar o ideal da pureza sexual após ter sido demitido da universidade católica onde lecionava música, depois que os diretores descobriram que ele mantinha relações com um estudante.
Muitos dos
membros da seita tinham formação universitária e seguiam seu mestre há anos. Todos deixaram suas famílias e bens materiais – como o grupo exigia. Entre eles, estava o irmão de Michelle Nichols, famosa pelo papel de Uhura, a tenente negra da série de TV Jornada nas Estrelas. Thomas Nichols passou 20 anos desaparecido. Queria ele repetir as viagens interplanetárias de sua irmã extrapolando o campo da ficção? Uma das mortas, Susan Frances Storm, era filha de um juiz federal. Outro, David Cabot Van Sinderenn, filho do dono da Nova Inglaterra. Gail Renee Maeder era estudante de moda. Margaret June Bull era professora de Inglês. Yvonne McCurdy aderiu ao grupo após ter lido sobre ele na Internet.
A Higher Source especializou-se em criar publicações eletrônicas na World Wide Web. A empresa tinha seu próprio site, no qual oferecia os serviços desvinculados do interesse religioso do grupo. Um outro site, chamado Heaven’s Gate, era mantido pelas pessoas que trabalhavam na Higher Source. Esse espaço tinha ostensivo e declarado caráter religioso.
Numa das suas páginas estava escrito: “A alegria é que o nosso Membro Mais Velho no nível evolucionário acima do humano (o Reino do Céu) deixou claro que a aproximação do Hale-Bopp é o sinal que estávamos esperando. Estamos alegremente preparados para deixar este mundo”. Outras faziam referências a casos de suicídio coletivo ligados à religião, como o do Ramo Davidiano em Waco, Texas, em 1993, e o dos judeus que resistiram ao maciço ataque do Império Romano em Masada, em 73 d.C.
Persuasão informatizada – Parece inconciliável a condição de peritos em programas de computador e fanáticos religiosos. O isolamento absoluto a que se condenaram e a esperança profunda que esses místicos cibernéticos alimentavam em relação a UFOs se complementam. A polícia informou que foram encontrados um revólver e um desenho de um alienígena dentro da mansão, talvez a imagem que os mortos achavam que os esperaria na outra vida. Algumas figurinhas de personagens do seriado Jornada nas Estrelas também foram achadas na casa. A confiança na tecnologia e a suspeita em relação aos demais seres humanos, na verdade, chega a ser típica dos surfadores compulsivos da Internet, que preferem a realidade virtual, asséptica e segura às dificuldades exasperantes do contato com outras pessoas, tão mais imperfeitas e imprevisíveis do que os computadores. De tanto viverem virtualmente, eles próprios, por morte voluntária, tornaram-se virtuais.
O Portão do Céu não era a única e nem foi a primeira seita a usar a rede como seu principal veículo de comunicação com o público. A Aum Shinrikyo, culto japonês que atacou o metrô de Tóquio com gás venenoso sarin, em 1995, por exemplo, também se valia da Internet, bem como centenas de outros grupos no mundo que passaram a explorá-la assim que tornou-se um poderoso veículo de disseminação de informações. O perigo que isso representa motivou, inclusive, o surgimento de entidades nos EUA especializadas em estudar o “ocultismo cibernético”. Como a Trancenet, de Nova York, que vem analisando as técnicas de convencimento usadas pelos diversos grupos religiosos que se valem dos computadores.
Não é preciso ser vidente para prever um aumento no número de casos de suicídio coletivo nos próximos anos. Já vimos e ainda veremos essa cena muitas e muitas vezes, mormente neste final de século. O número de seitas tende a aumentar cada vez mais
As seitas são muito organizadas, modernas e até mesmo pós-modernas. Na Califórnia, os suicidas não eram analfabetos ou pobres desesperados, como os milenaristas da Renascença européia ou do século passado no Brasil – da comunidade de Canudos, fundada pelo beato Antonio Conselheiro. A imagem do suicídio coletivo de fanáticos religiosos em Jonestown, Guiana, em 1978, em que se viam corpos amontoados desordenadamente pelos campos, foi substituída pelos suicídios New Age: limpos, ordenados, cuidadosamente arrumados, em mansões. No primeiro caso, os ca-dáveres jaziam nos campos em torno de um pavilhão com telhado de folha de zinco no meio da selva em um país miserável da América do Sul. No último, os mortos estavam protegidos do Sol pelo telhado de uma mansão de mais de US$ 1 milhão, em um refúgio de ricos no sul da Califórnia. Diante disso, somos obrigados a considerar que além dos tradicionais bolsões de miséria, deparamo-nos também com a alienação social e psicológica de pessoas bem nascidas, educadas, de classe média ou alta, que convivem com o conforto e com o que há de mais sofisticado tecnologicamente, mas que, apesar disso, estão perdidas no tempo e no espaço, deslocadas da realidade e vivendo numa zona nebulosa entre a fé cega e a alucinação.
Final de século – Não é preciso ser vidente para prever um aumento no número de casos de suicídio coletivo nos próximos anos. Já vimos e ainda veremos essa cena muitas e muitas vezes, mormente neste final de século. O número de seitas tende a aumentar cada vez mais. A atual geração de jovens e adolescentes está despreparada, sem uma causa pela qual lutar, como havia nos anos 60, e acaba partindo para outras alternativas. Uma delas é o ingresso numa seita mística. O suicídio, nestes casos, não é encarado como o fim. É diferente de situações de suicídio individual. Em casos coletivos, o suicídio acredita-se ser sempre uma passagem para outra existência.
O caso mais marcante de suicídio coletivo associado ao fanatismo religioso foi o do pastor americano Jim Jones e sua seita, o Templo do Povo. 913 pessoas (entre elas 275 crianças e 12 bebês) morreram ao ingerir uma mistura de suco de laranja com cianureto, na noite de 18 de novembro de 1978, em Jonestown, uma aldeia no meio da selva na Guiana. Os que se recusaram a beber veneno foram assassinados. Jim Jones, que vivera oito meses em Belo Horizonte, entre 1962 e 1963, mudou-se com seus adeptos para a Guiana em 1977, com a aprovação do governo local, depois das primeiras denúncias contra a seita, feitas por ex-adeptos. Em agosto de 1977, a imprensa americana documentou o crescente uso da violência por Jones para ser obedecido. O cadáver de Jim Jones foi encontrado ao pé de uma cadeira, com uma bala no crânio.
Na década de 80, as seitas continuaram a surgir – com muitas terminando, como não poderia deixar de ser, de modo trágico. Destarte, a década de 90 – justamente por ser a que antecede o próximo milênio – tem sido
sacudida por uma explosão delas, um número sem precedentes na história, com o agravante de incorporarem ao seu modus operandi o tecnoterror e a violência sem limites.
Em 19 de abril de 1993, um cerco policial de 51 dias comandado pelo FBI ao grupo de seguidores da seita Ramo Davidiano, em Waco, Texas, sul dos EUA, terminou com um incêndio que destruiu o Rancho do Apocalipse, sede do culto liderado por David Koresh, que se intitulava o novo Cristo. Pelo menos 70 fiéis morreram carbonizados. O modo como o FBI lidou com o problema, deixando a impressão de que eles também eram responsáveis pelas mortes, culminou, exatamente dois anos depois, no ataque à bomba ao prédio em Oklahoma City, sul dos EUA, matando 168 pessoas. Este foi o pior atentado terrorista da história norte-americana, levado a cabo por uma seita de cunho ultradireitista que planejou o ato como uma espécie de vingança contra o governo.
Analogias Bíblicas – Em 05 outubro de 1994, a seita Ordem do Templo Solar, fundada pelo médico suíço Luc Jouret – que igualmente se julgava um novo Cristo – levou 48 pessoas à morte: 23 em uma fazenda em Cheiry, no Cantão de Friburgo, e 25 em dois chalés em Granger-sur-Salvan, no Cantão do Valais, a 160 km de distância. O segundo ato da tragédia aconteceu dois dias depois do solstício de inverno, no dia 23 de dezembro do ano seguinte: 16 corpos foram achados baleados e carbonizados, dispostos em forma de estrela na clareira de um bosque numa das regiões mais majestosas dos Alpes franceses, o Vercors. O mais recente repetiu-se em 22 de março último, pouco antes do suicídio dos membros da Heaven’s Gate. Cinco pessoas foram encontradas mortas em uma casa em chamas na cidade de Saint Casimir, 60 quilômetros ao sul de Quebec, Canadá. O fato dos integrantes dessa seita optarem por se matar num ritual envolvendo a queima dos seus próprios corpos revela que eles acreditavam que somente o fogo poderia purificá-los, numa invocação envolvendo o Sol. A seita pregava que os humanos teriam vindo de outro planeta e também a iminência do apocalipse com a chegada da Era de Aquário.
A proximidade da passagem do século e as crises históricas que vêm precedendo esse marco temporal – na verdade uma convenção arbitrária imposta pelo calendário gregoriano, já que, segundo cálculos astronômicos mais rigorosos, já teríamos ultrapassado o ano 2000 – podem ser um pretexto para se evocar as crenças milenaristas que pontuaram um momento correlato, ou seja, a passagem do ano 1000. A concepção do milenarismo surgiu de uma heresia cristã baseada na interpretação errônea do livro dos Salmos e do Apocalipse de São João, o evangelista. Essas exegeses diziam que o primeiro milênio marcaria o início do reinado de Jesus na Terra. Este reinado duraria outros mil anos, culminando com o fim do mundo. Os cronistas da época falavam em sinais ameaçadores de cometas e meteoros, além de atribuírem à fome de 1033 (mil anos depois da Paixão de Cristo) um sentido escatológico.
Apesar do apocalipse não ter ocorrido, contrariando as próprias escrituras, as crenças milenaristas continuaram existindo ao longo da Idade Média e da Era Moderna. Hoje, alguns dogmas de seitas coincidem com a crença da vinda do Messias e do Apocalipse
Apesar do apocalipse não ter ocorrido, contrariando as próprias escrituras, as crenças milenaristas continuaram existindo ao longo da Idade Média e da Era Moderna. Hoje, alguns dogmas das seitas Testemunhas de Jeová, Mórmons, Congregação Cristã, e de milhares de outras denominações, coincidem com a crença da vinda do Messias e do apocalipse. Além disso, contrapondo-se à idéia de que um mundo dominado pela ciência não se coaduna ao universo da fé, o Século XX pôde assistir ao advento de um milenarismo secularizado: o nazismo, cujo Terceiro Reich deveria durar mil anos, segundo as palavras de Adolf Hitler.
Os livros dos historiadores franceses Georges Duby e Henri Focillon, com o título homônimo de L’An Mil (O Ano Mil), são as melhores obras sobre esse período. Eles nos ajudam a compreender o que vem se passando hoje, aproximando concepções mentais de épocas e culturas distintas, assentadas, não obstante, sobre uma mesma estrutura comum, inerente ao modo como o ser humano se comporta ante expectativas sociais e históricas. Focillon, por exemplo, afirma que “…no ano 1000, o homem do Ocidente atinge o cúmulo das desgraças que o perseguiram durante todo o Século X; a crença no fim do mundo é reavivada pela aproximação da data fatídica e estimulada por prodígios; um medo indescritível apodera-se da Humanidade; os tempos preditos pelo apóstolo chegaram. Mas o ano passa, o mundo não é destruído, a Humanidade respira aliviada. Tudo melhora, e antes de mais nada a arquitetura religiosa”. Num texto famoso, o monge Raul Glaber escreve: “Cerca de três anos depois do ano 1000, a Terra cobria-se de um branco manto de igrejas…”
Lista dos reprovados – Segundo os registros históricos, a maior parte da civilização ocidental não comemorou a passagem do ano 999 para o ano 1000. Ao contrário, foi um Reveillon tenso, em que a Europa contou os instantes para a chegada de um apocalipse que não veio. Esses anos foram o auge de um período marcado pela superstição, pela crença em sinais do céu e pelo medo de que chegasse o momento de Deus se vingar dos maus e de Jesus Cristo trazer a lista dos reprovados no Juízo Final. Eclipses solares, cometas, aparições de objetos estranhos no céu, bebês com anomalias graves, pragas agrícolas e epidemias viravam sinais claros da proximidade do fim do mundo – tal como acontece hoje.
Uma legião que varia entre 30 e 35 milhões de fiéis brasileiros acredita que o Juízo Final, ou o dia do apocalipse, pode acontecer entre hoje e o ano 2000. Esse coro – suficiente para lotar 185 Maracanãs – é estimado por entidades tão diversas como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto Cristão de Pesquisas (ICP). Os apocalípticos são compostos por uma horda de adeptos intitulada “evangélicos”, que inclui membros de igrejas como a Presbiteriana, Batista, Metodista, Assembléia de Deus, Deus é Amor e Universal do Reino de Deus.
Alienações necessárias – Um aspecto essencial pouco abordado diz respeito à invasão de seitas no Brasil e demais países da América Latina graças a organizações empresariais tuteladas, principalmente, pela Central Inteligence Agency (CIA). O compromisso dessas seitas – ramificações das agressivas sociedades transconfessionais norte-americanas – filiar-se-ia aos interesses de grupos privados, que intentariam infligir uma ação alienante frente ao social, de modo a evitar uma revolta organizada das populações pobres brasileiras, que poria em risco seus projetos capitalistas de dominação. Podemos constata
r isso facilmente ao analisar como agem essas seitas pertencentes às correntes fechadas do pentecostalismo, como a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã do Brasil. Os Mórmons, as Testemunhas de Jeová, os Adventistas, a Seita Moon e várias outras, que compõem o moderno painel religioso do país, também se incluem nesse complexo quadro.
Com o tempo, porém, a maioria delas adquiriu vida própria, dotando-se de características particulares, tornando-se, desta maneira, praticamente independentes de suas matrizes, as originais difusoras dos ditames que propiciaram sua fundação em território nacional. Depois de terem se consolidado e cumprido sua missão inicial, ou seja, afastar da população a idéia de uma participação social e política consciente, foram deixadas à própria sorte, nas mãos de seus líderes locais ou mais representativos, que trataram de explorar o filão que envolvia vultosas somas em dinheiro, doadas pelos fiéis.
Decidimos revolver esse terreno porque é notório que as seitas atuais, em sua maioria, beberam na fonte do protestantismo, no que se relaciona aos ditames básicos de pensamento e atuação. A capa moderna que vestem faz com que se pareçam inteiramente contemporâneas. Ledo engano. Do ponto de vista teológico, as seitas que aí estão nada modificam ou acrescentam ao que já conhecemos historicamente. Reforçam, contudo, a busca pela experiência transcendental, revitalizando seus princípios doutrinários.
O Adventismo (Igreja Adventista do Sétimo Dia), por exemplo, forneceu boa parte dos fundamentos. Contando com mais de 6 milhões de adeptos espalhados em 190 países, é uma religião forjada e retocada ao modelo de vida da classe média americana, tipicamente conservadora e puritana. Nascido nos Estados Unidos no começo do século passado, é um movimento de dissidentes da Igreja Batista, então insatisfeitos com alguns dogmas de fé do protestantismo histórico. Prega obstinadamente a segunda vinda de Cristo, quando os falecidos justos ressuscitarão e – juntamente com os justos que estiverem vivos – serão glorificados e revestidos de imortalidade, enquanto os pecadores, os ímpios, só o farão mil anos mais tarde, para serem destruídos para sempre. É a teoria do milenarismo. Ao seguidor adventista é proibido o uso de estimulantes, como álcool, fumo e café, mas obrigatório trajar-se sobriamente e abster-se de passatempos mundanos, tais como cinema, baile e jogos.
As Testemunhas de Jeová formam um movimento religioso iniciado em 1872 em Pittsburg, Pensilvânia, nos EUA, por Charles Taze Russel, antigo presbiteriano e adventista. Em pouco mais de um século, as Testemunhas chegaram a cooptar perto de 300 mil adeptos no Brasil, conhecidos por encherem nossa paciência ao tentar vender seus livretos. Apesar do nome, a doutrina distanciou-se muito dos cristãos. Para eles, o nome de Deus é Jeová e a Bíblia é vista, segundo sua exegese, como a única fonte de verdade. Negam, assim, a divindade de Jesus, a imortalidade da alma, a existência do inferno e a crucificação de Cristo. Acreditam ainda, entre outras estultices, que as igrejas cristãs, sobretudo a Católica, são obras de Satanás, que Maria não é mãe de Deus e que constitui violação das leis divinas a assimilação de sangue pela boca ou pelas veias (transfusão). Interpretando literalmente o Apocalipse, as Testemunhas de Jeová pregam que, ao fim do milênio, iniciado em 1914, haverá o Juízo Final e que somente se salvarão 144 mil eleitos, os quais irão para o “ar superior”, onde viverão e reinarão com Cristo.
Uma segunda classe de salvos da morte eterna será deixada em carne e osso, sem, contudo, necessitar de alimento, vivendo na Terra em paz perene, livre das doenças, medo e pressão. O restante dos homens, aqueles sabida e voluntariamente maus, serão impiedosamente aniquilados, já que não existe inferno ou purgatório.
Reverendo Moon – A Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial, conhecida por Seita Moon, fundada por Sun Myung Moon, acumula um poder político e econômico que chega a suplantar a de vários pequenos países. Tudo começou aos 16 anos, quando Moon orava numa montanha perto de sua casa, na Coréia, e teve uma visão de Jesus que lhe confiou a missão de continuar a obra de restauração da Humanidade deixada incompleta por Ele, em virtude de sua morte prematura e injusta. Partindo desse absurdo, Moon montou sua sinistra transnacional político-religião, que acumula bens e propriedades de valor praticamente incalculável.
Como vimos, não é difícil identificar inúmeros pontos em comum com as seitas mais modernas. O que as coloca em campos diametralmente opostos é que todo fiel, afinal, considera a sua crença como sendo a única verdadeira e triunfante sobre todas as demais. No geral, todas tentam satisfazer ou, pelo menos, acenar com a expectativa de satisfação aos anseios espirituais e físicos da multidão sofredora. A manipulação dos que buscam uma nova perspectiva de vida, via de regra, segue os padrões já testados como eficazes e encontra sua principal arma nos meios de comunicação. É a apropriação do outro com o apelo da fé.
As pessoas se vêem cada vez mais desorientadas, perdidas e infelizes. Os apelos de uma sociedade consumista, em busca de segurança e conforto, de algo que atenda às suas necessidades, não respondem de maneira objetiva às suas indagações
Seitas como as de Jim Jones e dos protestantes conquistam adeptos com relativa facilidade, sobretudo nas camadas mais pobres das populações urbana e rural – a massa aflita –, alargando os flancos à consolidação de idéias defendidas pela situação dominante. Manter é bem menos complicado do que mudar. E os movimentos religiosos de grande apelo popular ajustam-se sob medida a essa estratégia, porque, na sofreguidão de engrossar suas fileiras de crentes, preocupam-se exclusivamente com o transcendental, deixando o social como sempre esteve, repleto de injustiças. Conquanto a fé ostente pujança, dados os termos em que foi colocada a disputa de crentes, o que conta nessa corrida é, pois, o número de ovelhas conquistadas por cada um.
Em meio à onda neo-conservadora que vivemos, as pessoas procuram se agarrar a conceitos reacionários, na linha da ult
radireitista organização TFP (Tradição, Família e Propriedade). A geração que precede a atual pode ser considerada, em muitos aspectos, mais avançada, principalmente no que tange aos ideais de mundo realmente livre, justo e ético. Busca-se hoje somente a satisfação pessoal, o status, o dinheiro, mesmo que isso signifique a desgraça da maioria e a degradação moral. A selvagem competitividade a que estamos submetidos (a pretexto de uma falsa globalização) tem gerado um sem número de violências físicas e psicológicas.
Terra prometida pelos aliens – Nesse círculo vicioso de conquista e poder, as pessoas se vêem cada vez mais desorientadas, perdidas e infelizes. Os apelos de uma sociedade essencialmente consumista, em busca de segurança e conforto, enfim, de algo que atenda às suas necessidades mais gritantes, embora falem mais alto, não respondem de maneira objetiva às suas indagações mais angustiantes e profundas. É aí que entram as seitas, aproveitando a brecha aberta pelas religiões tradicionais como a Igreja Católica, que não conseguiu acompanhar as mudanças.
Na área ufológica, desde a década de 50, contatados como o norte-ame-ricano George Adamski, o italiano Eugênio Siracusa e outros “escolhidos” já antecipavam a enxurrada de seitas envolvendo extraterrestres que iria inundar o mundo. Em 1974, o peruano Sixto Paz Wells começou suas atividades que levariam à fundação da Missão Rama, a qual arrastaria milhares de pessoas a concentrações destinadas a encontrar extraterrestres – algo parecido com que Apple-white, da Heaven’s Gate, fazia. Da mesma forma, entre os adeptos da Rama proibia-se o fumo e o álcool, devendo o séquito seguir um controle alimentício severo, já que, segundo os títeres da seita, estes seriam os fatores fundamentais que propiciariam uma boa meditação e uma conexão mais pura com os extraterrestres.
Ora, qualquer um que tenha conhecimentos mínimos sobre o metabolismo do corpo humano sabe que esse tipo de dieta provoca alucinações, além de deixar a pessoa mais suscetível a influências externas, como a hipnose. Torna-se mais penosa uma volta à realidade do cotidiano após os momentos de êxtase. Hoje, parte da seita está estruturada no Brasil com o nome Amar, presidida pelo irmão de Sixto, o publicitário Carlos Paz Wells – que chegou até a declarar que viaja, com freqüência, para outros planetas através de um portal.
Muitos ainda insistem em encarar a possibilidade de contato com extraterrestres como se isso constituísse uma experiência religiosa, aceitando-a como tal, mesmo que não haja nenhum tipo de prova que ateste algo definitivo. A Cultura Racional e a seita de Trigueirinho são outros exemplos típicos da manipulação de pessoas incautas que procuram a salvação e acabam com as mentes lavadas.
Não sejamos omissos a ponto de obliterar as sérias desconfianças quanto à possibilidade de percepção de vultosas comissões por cúpidos intermediários. Não estaríamos sendo coniventes com alguma forma de corrupção ao tolerarmos a ação desmedida dessas seitas criminosas?