Para falarmos de vida, precisamos entender duas questões básicas: o aspecto biológico, concreto e objetivo da vida, e seu aspecto espiritualista, esotérico e místico. Ambas as formas de existência estão interligadas, mas necessitamos entender e compreender onde se encontram e onde se encaixam, pois quando essas duas versões se cruzam, obtemos a conclusão.
Primeiro, devemos trabalhar no plano concreto e mais acessível com o aspecto biológico da vida, porque é com o qual temos maior contato. É este o estágio do qual nós, em primeira instância, fazemos parte. O lado transcendental, mais amplo e profundo, seria um degrau imediatamente superior à nossa forma de existência, a qual tentamos atingir. Pois bem, a vida pode ser entendida como uma condição, um estado da matéria onde se processa a animação. É quando, de uma certa forma, a matéria – ou um conjunto de elementos – possui uma ação independente, individual, que se reporta a determinados princípios, podendo também ter a capacidade de reprodução.
Em segundo lugar, se observarmos a vida dentro de um contexto mais amplo, num aspecto espiritualista, isso implica obrigatoriamente na condição universal de um nível de desenvolvimento. Ou seja, temos de entender que a vida é um estado específico do desenvolvimento – uma conjuntura evolutiva – em constante transformação, que vai ao encontro das necessidades e exigências do próprio “princípio criador”. A condição de vida é reportar-se à uma condição animada, de ação e interação, uma situação de aproveitamento de oportunidades. Podemos aqui observar a inter-relação e a existência de duas grandes realidades: o universo-vida e o universo-cenário, sendo que um não tem sentido sem o outro.
Até hoje, a origem exata da vida é um mistério e várias hipóteses foram formuladas para explicá-la, sendo que muitas puderam ser experimentalmente testadas. Porém, nenhuma pode ser considerada como definitiva. Talvez, várias teorias em conjunto e com determinado campo de ação possam, algum dia, explicar de forma final ou talvez mais detalhada como a vida surgiu e, quem sabe, fazer-nos entender uma questão ainda mais interessante e enigmática: por que ela existe?
Condições extremas de vida
Atualmente, as pesquisas da astrobiologia ou exobiologia procuram, com as missões exploratórias em nosso planeta e, mais recentemente, em Marte e no sistema Júpiter-Saturno, responder a várias questões. Dentre elas, poderíamos citar: como a vida surgiu na Terra e como a matéria se organiza em sistemas vivos? Como a vida evolui e como se deu a co-evolução da biosfera da Terra? Quais são oslimites para a vida e o que determina quais são os planetas habitáveis? Como encontrar a “assinatura” da vida em outros mundos? Qual é o modelo da vida no Sistema Solar e como se processa a mudança ambiental na Terra? E mais: como a vida terrestre se comporta no espaço e quais são os limites para uma zona espacial habitável?
Em nosso sistema estelar não encontramos nenhum planeta como a Terra. Para onde quer que se olhe, existe algo vivo, sob as mais variadas formas, cores, dimensões, características e condições. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que alguns corpos do Sistema Solar jamais poderiam abrigar qualquer tipo de vida e nossa pesquisa desses mundos era voltada somente aos seus aspectos rochosos, especialmente em Vênus e Marte. Nos anos 70, a descoberta de microorganismos vivendo sob condições extremas, aqui mesmo na Terra, começou a chamar a atenção de alguns cientistas, o que gerou controvérsias e discussões no ambiente acadêmico da biologia. Até então, o pensamento vigente e praticamente inquestionável era de que a vida era um evento extremamente raro e que ocorreria somente sob condições muito especiais, tornando este um processo restrito e delicado. Este pensamento mudou radicalmente com a descoberta dos organismos denominados de extremófilos.
Extremófilos são formas de vida biológica unicelular simples – arqueobactérias e bactérias – capazes de viver, sobreviver, evoluir e se reproduzir em ambientes que antes eram considerados extremos e impossíveis (daí a denominação) para a existência de qualquer forma de organismo conhecido. Foi a partir dos anos 80 que este tipo de pesquisa científica passou a ser o principal motivo para impulsionar a astrobiologia na busca pela vida, mesmo que microscópica, em ambientes fora da Terra – não nos planetas solares, mais especificamente em suas luas ou satélites. Nos anos que se seguiram, vários tipos de organismos extremófilos foram encontrados na Terra, pesquisados e classificados conforme o ambiente em que vivem. Eis alguns:
Acidófilos – Organismos que sobrevivem em ambientes de altíssima acidez, próximos a fontes termais ricas e em ambiente sulfurosos. Eles não se alimentam do meio ácido ao redor, que poderia destruir suas delicadas estruturas internas, mas produzem enzimas especiais que os protegem e que estão sendo muito estudadas pela medicina e outras áreas.
Alcalófilos – São organismos que vivem no outro extremo da acidez, sendo encontrados em ambientes ricos em carbonato de sódio. Foram localizados em lagos gasosos e leitos secos de rios. Alguns foram descobertos sobrevivendo no Deserto de Mojave, na Califórnia.
Termófilos – Organismos que vivem em ambiente de temperaturas extremamente altas. Alguns, como a bactéria Pyrolobus fumarii, sobrevivem no fundo do mar, perto de colunas geotermais a 113° C. Outra bactéria, Thermus aquaticus, que habita os gêiseres do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, a mais de 80° C, foi a responsável pelo desenvolvimento de uma sofisticada ferramenta da biotecnologia denominada Reação de Cadeia da Polimerase [Polymerase Chain Reaction ou PCR]. Já a Methanocococcus jannaschii sobrevive a mais de 185° C, em ambientes sem oxigênio.
Halófilos – Sobrevivem em ambientes com altíssima salinidade e alcalinidade. Podem ser encontrados em locais inóspitos, como leitos secos de rios ou lagos, onde a evaporação deixou apenas sal compactado e lagos fechados com alto teor de sal. Um exemplo é o Mar Morto, que recebeu esse nome porque se acreditava que nada poderia sobreviver naquele meio. Alguns organismos, como as Halobacterium, residem em ambientes com uma salinidade 10 vezes maior do que a suportada por formas de vida convencionais. As recentes explorações das sondas MER I e II, da NASA, encontraram leitos secos e salinizados que outrora foram lagos e veios de água corrente e líquida em Marte. Alguns destes locais são semelhantes aos lagos hiper salinos ou alcalinos encontrados na Terra, e por isso estão sendo minuciosamente vasculhados na esperança de se encontrar vestígios de vida microbiológica ancestral.
Radiófilos – Ou poliextremófilos, são organismos que vivem sob condi&cced
il;ões de radiação de mais de 3.000 vezes a suportada por seres humanos. A bactéria Deinococcus radiodurans, encontrada no núcleo de usinas atômicas, sobrevive a cerca de 1,5 milhão de Rads de radiação ionizante [Rad é uma medida de radiação].
Litoquimioautotró-filos – Microorganismos que vivem no interior de rochas, vários quilômetros abaixo da superfície terrestre ou ainda em minas de carvão. Eles sobrevivem sem oxigênio e luz solar. Um organismo denominado Bacillus infernus foi encontrado a 2,5 km de profundidade.
Além desses estranhíssimos microorganismos há ainda os xerófilos, que sobrevivem em condições extremas de ambientes secos, e os psicrófilos, que resistem a temperaturas extremamente baixas, como os pinheiros da Sibéria, que sobrevivem a 20° C negativo. Interessantes também são os barófilos, organismos que vivem sob condições esmagadoras de pressão, como nas fossas submarinas Marianas, mais de 11 km abaixo da superfície e pressão de 1.100 vezes a do nível do mar, e os aerófilos, que vivem em altitudes de até 32 km, onde existe pouco oxigênio livre. Há outros organismos ainda mais bizarros e que se alimentam de forma nada convencional, descobertos recentemente. Uns se nutrem de ferro e outros convertem óxido de ferro em magnetita, sendo denominados de bactérias magnetoestáticas. Existem ainda os plamófilos, que vivem em ambientes de intenso magnetismo e plasma.
Os leitores devem estar se perguntando por que somente microorganismos unicelulares são encontrados nessas condições extremas, e não os multicelulares. A resposta é que os unicelulares conseguem manter sua viabilidade em pequenos nichos, devido à sua extrema capacidade de adaptação a variadas condições ambientais. Estes organismos estão praticamente incrustados em toda a biosfera terrestre e ainda constituem boa parte da biomassa do planeta Terra.
Variadas condições ambientais
Além disso, sabemos que estas sofisticadas nanomáquinas orgânicas [Máquinas vivas extremamente diminutas] crescem em ambientes temperados, aquáticos e terrestres, assim como dentro de outros organismos uni ou multicelulares, na litosfera e em meios letais e inóspitos a outras formas de vida. Eles possuem um mecanismo ativo e sofisticado de reparação de DNA e uma camada isolante que os protege da exposição à radiação eletromagnética e ultravioleta, além de uma cobertura contra radiações ionizantes. Ademais, estes corpos influenciam as reações geoquímicas dentro da biosfera e com muita freqüência desempenham papel fundamental na cadeia alimentar e na manutenção de ecossistemas complexos. Pode-se dizer, com segurança, que a vida extremófila é um passo fundamental para a evolução, adequação e manutenção de formas de vida superiores. Noutras palavras, sem este tipo de microorganismos, muito provavelmente não haveria o que chamamos de vida inteligente e superior no planeta Terra.
Nos últimos anos, avanços consideráveis também foram realizados na reanimação de organismos pré-históricos, aprisionados em âmbar ou congelados nas profundezas do gelo ártico. Existem exemplos de bactérias que estavam no interior de abelhas presas em peças de âmbar cuja idade beira os 135 milhões de anos, e bactérias de 250 milhões de anos aprisionadas em lagos de sal. Amostras de vida que se revelaram extremas foram descobertas pela NASA após o lançamento da Apollo 12, que, devido a uma falha no processo de esterilização, foi enviada ao espaço com uma bactéria comum, a Streptococcus mitis. Cerca de 50 a 100 organismos sobreviveram ao lançamento do foguete, ao vácuo espacial, à exposição à radiação gama e energia cósmica, ao frio congelante etc.
Falsos indicadores positivos
A bactéria também permaneceu viva com brutais diferenças de pressão, sem energia ou nutrientes e ainda durante o processo de reentrada da Apollo 12 na atmosfera. Noutro caso, durante a missão Surveyor III, que não foi esterilizada propositalmente para saber se organismos terrestres resistiriam ao programa de dois anos e meio, os cientistas ficaram surpresos ao encontrar uma colônia da bactéria Streptococcus mitis sobrevivendo dentro de um dos equipamentos utilizados no espaço. Atualmente, as atenções na Terra têm se voltado a dois ambientes extremos. Um deles é o Lago Vostok, na Antártida, descoberto em 1977 e que possui 510 m de profundidade. Ele está a cerca de 4 km da superfície, cobrindo uma área de 14.000 km2. Suas águas, presas neste ambiente, datam de 500 mil a um milhão de anos.
Já foram conseguidas amostras de até 100 m de gelo deste lago, cujo material tem um passado de 400 mil anos. A dificuldade encontrada é pesquisar a presença de vida – ativa ou latente – sem contaminar a água com organismos de nosso tempo. Este lago e toda a tecnologia nele empregada servirão para as futuras missões de exploração das luas Europa e Calixto, de Júpiter, onde se acredita que existam oceanos líquidos abaixo de quilômetros de camadas de gelo. Aliás, este é o maior obstáculo encontrado ao se explorar novos planetas e luas: como não impregnar tais locais com a extrema variedade de vida terrestre? Ainda mais sabendo que os atuais métodos de esterilização podem não funcionar nos organismos extremófilos. Por isso, a atual pesquisa em Marte está sendo conduzida com cuidados redobrados, justamente para não gerar os “falsos indicadores positivos” na detecção de vida alienígena.
Outro ambiente extremo na Terra é o Rio Tinto ou Vermelho, localizado na Espanha. Seu nome é devido à coloração causada
pela presença na água de ferro e minerais sulfurosos, que tornam o rio extremamente ácido. Nele foram encontradas diferentes células eucariontes (heliozoa, dinoflagelatos, diatomeas) e procariontes. Acredita-se ainda que existam organismos extremófilos sobrevivendo sob a superfície do rio – e é por isso que as atuais pesquisas de vida orgânica noutros planetas estão focadas abaixo da superfície. A vida como a conhecemos necessita de água líquida e uma fonte de energia. Na Terra, as formas de vida mais comuns estão na superfície, onde o Sol fornece a energia necessária. Em Marte também temos energia solar, mas ausência de água líquida em abundância.
As recentes observações orbitais do Planeta Vermelho mostram que sob sua superfície existe água congelada em boa qualidade e, acredita-se, alguma em estado líquido. É por isso que está sendo preparada nova missão, que irá perfurar o solo de Marte à procura de vida. O Rio Tinto está servindo para aprendizado desta tecnologia de perfuração. Se aqui, na Terra, a água abaixo da superfície somada a reações que geram energia química possibilitam a existência de vida, mesmo que primitiva, por que não em Marte?
Outro candidato promissor a abrigar condições para o desenvolvimento da vida em estágio pré-biótico é Titã, satélite de Saturno e a segunda maior lua do Sistema Solar – a primeira é Ganímedes, de Júpiter. Titã possui uma atmosfera densa e, apesar de muito longe do Sol, há um sistema de efeito estufa em sua atmosfera, composta por hidrogênio, metano e nitrogênio. Cientistas crêem que Titã possua oceanos de metano varridos por chuvas de etano. A espaçonave Cassini, lançada ao espaço em 15 de outubro de 1997, deverá chegar a Saturno nos próximos meses e, em 25 de dezembro, lançará a sonda Huygens na direção de Titã para estudá-lo de perto. O que este distante e intocável mundo irá nos revelar?