A famosa sequência de cinco fotos espantosamente nítidas mostrando um disco voador com um notável símbolo gravado em sua parte inferior — um H estilizado cortado verticalmente —, estampadas inúmeras vezes em grande quantidade de publicações ufológicas desde que foi obtida em San José de Valderas, em 01 de junho de 1967, é uma das que mais ressonaram no imaginário ufológico. Consultando antigos livros e revistas, acostumamo-nos a deparar com uma ou duas fotos da sequência, quase sempre desacompanhadas de maiores detalhes, exceto legendas como essa: “O objeto foi o mais fotografado de que se tem notícia. De todos os casos de contatos prolongados, nenhum é tão evidente e controvertido quanto o de Ummo. O tempo colocou em manifestação múltiplos truques e enganos, o que tampouco invalida totalmente o acontecimento. Ainda dará muito a falar e escrever, todavia”.
As fotos foram defendidas por muitos ingênuos, menos em virtude dos aspectos sensacionalísticos que as revestem do que propriamente pela omissão dos que optaram em referir-se a elas sem prestar praticamente nenhum esclarecimento, entregando o leitor à sua própria sorte — ou azar. Destarte, procuraremos aqui contribuir para desanuviá-lo. Um dos pesquisadores que mais se deteve na investigação do problema foi o ufólogo espanhol Javier Sierra [Correspondente internacional da Revista UFO na Espanha], e é em um artigo seu, extremamente elucidativo, que nos baseamos. Trata-se de Los Secretos Del Caso Ummo, publicado na revista Mas Allá de la Ciencia, de setembro de 1991.
Gestado no outono europeu de 1954, o caso nasceu no extinto jornal Madrid, que publicava uma série de artigos dedicados ao então incipiente enigma dos platillos volantes de autoria de um excêntrico personagem chamado Fernando Sesma, amigo íntimo de Alberto Sanmartin, junto com o qual urdiu um outro caso, o da “Pedra do Espaço”. Sesma, conhecido por contribuir assiduamente com seções astrológicas de publicações como La Codorniz, congregou em torno de si dezenas de curiosos que, reunidos inicialmente nos Cafés Gijón y Gambrinus, e finalmente no tradicional Lyon, fundaram a Sociedad de Amigos de los Visitantes del Espacio, a primeira voltada a esse tema em território espanhol. Por ironia do destino, isso ocorreu na tarde de 17 de novembro de 1954, poucas horas depois de Marte Colocar Sua Primeira Pedra em Madri, como noticiaria três meses depois o jornal El Alcázar, referindo-se ao caso de Sanmartin. No seio de despretensiosas e inofensivas reuniões de aficcionados por alienígenas, nasceria um dos mais sedutores e absurdos mistérios da Ufologia — um mistério que tomaria proporções inauditas, fugindo do controle de seus próprios criadores, os primeiros espanhóis que se atreveram a assumir publicamente que mantinham contatos diretos com os tripulantes dos platillos volantes.
Estranhas cartas sem sentido
Em 1957, Sesma inicia o que ele denomina de “experiências de campo”, desenroladas no transcurso de seus passeios, durante os quais desenhava no solo de praças e bosques, símbolos da pedra de Sanmartin ou combinações numéricas, na esperança de que fossem modificadas pelos alienígenas. Coisa que, obviamente, o próprio Sesma verificaria no dia seguinte. Tudo o que achava durante os passeios ganhava um significado especial: argolas de metal, porcas, parafusos e meias velhas eram encaradas como chaves capazes de abrir portas para dimensões superiores [Sic]. Os contatos de Sesma, demasiadamente subjetivos e sem nenhum valor empírico reconhecido, ganhariam alento a partir de 1961, ano em que começou a receber pelo correio estranhas cartas recheadas de frases sem sentido, creditadas desde logo aos alienígenas. Inferiu-se que o aspecto nórdico desses seres lhes permitia misturar-se livremente com os terráqueos sem serem notados.
No ano seguinte, Sesma recebeu o primeiro telefonema do ser — cuja voz era parecida com a do ditador fascista italiano Benito Mussolini —, que se apresentou como Saliano, procedente de Auco, um planeta de Alfa Centauri. Como se isso não bastasse, Sesma propalou que Saliano era um dos integrantes mais destacados de um Conselho de 189 membros incumbidos de assessorar uma Monarquia Eterna que regia os destinos de 18 planetas habitados. Entre outras pérolas, dizia que como Saliano era um ser quase eterno teria ajudado Cristóvão Colombo a descobrir a América. Afora os telefonemas, Sesma contava com os préstimos da médium Maria Victoria Iruretagoyena — sua cúmplice caía em transes autoinduzidos e transmitia as profecias de Saliano que teriam antecipado ondas de UFOs na América do Sul e até o assassinato de Kennedy.
Paralelamente ao círculo de transes e premonições desatavam-se fatos não menos estupefacientes. Em uma manhã de inverno, Juan Aguirre, contumaz frequentador do Lyon que integraria a elite receptora das cartas ummitas, conduzia seu automóvel Seat 600 pela estrada madrilena de La Castellana. De repente, várias bolas d’água caíram sobre seu para-brisa formando um S, letra com que Saliano assinava suas mensagens. Ao chegar a casa, Aguirre recebeu a ligação de Isabel Nido, uma das frequentadoras da casa dos protagonistas, que garantiu que pouco antes Saliano lhe telefonara fazendo-se responsável pelo efeito no vidro do carro. Em uma tarde, uma mariposa entrou no recinto de La Ballena, escritório dos protagonistas, e pousou sobre o relógio de uma senhora. Pouco depois, Saliano telefonou a Sesma assegurando que havia descido ao sótão do Café Lyon transfigurado em mariposa. Indubitavelmente, cultuava-se o nonsense.
Textos em linguagem cabalística
A partir de 1965, as sessões de leituras de cartas recebidas por Sesma tornaram-se um programa habitual. Infantilmente os frequentadores perdiam horas preciosas tentando decifrar as mensagens implícitas naqueles textos escritos em linguagem cabalística e jocosa. Em 1966, no ápice de sua popularidade, Sesma — que colaborava com publicações populares como Diez Minutos e aparecia esporadicamente na TV — recebeu o telefonema de um personagem que se identificou como Deii98 e anunciou que iria lhe enviar documentos de origem extraterrestre. Um mensageiro foi quem lhe entregou uma série de fotografias acompanhadas de dezenas de cartas datilografadas trazendo a inscrição Ummoaelewe, o governo geral de Ummo, um planeta que orbitaria em torno da estrela Iumma, catalogada pelos astrônomos com o nome de Wolf 424.
Essa nova etapa cativou sobremaneira os frequentadores da casa dos protagonistas, pois agora despontavam extraterrestres mais de acordo com os estereótipos comumente atribuídos a eles. As mensagens eram uma antítese das de Saliano, o alter ego de Sesma. Exce
tuando as de nível primário, sobravam informações precisas — de variados campos como a biologia, a medicina, a filosofia e a religião — que deixaram alguns cientistas particularmente intrigados. Sóbrias e racionais, sem o tom de brincadeira das anteriores, essas mensagens obrigaram Saliano a reformular seu estilo. Entretanto, substituir as cartas manuscritas e adornadas com desenhos por datilografadas não bastou para evitar seu desgaste — tanto que poucos meses depois não se comunicaria mais. No início da década de 90, entrementes, tomados talvez pela nostalgia, alguns dos mais desvairados crentes do grupo voltaram a receber cartas com o teor das mensagens iniciais, no velho estilo Saliano.
Ummo adquiriu alguma consistência aos olhos do público no final de maio de 1967. Uma carta avisava que muito em breve três naves discoides — “oawooleas” — penetrariam na atmosfera terrestre e aterrissariam em San José de Valderas, limite municipal de Alcorcón, perto de Madri. Sesma e seus seguidores arregimentaram pessoas dispostas a flagrar a nave ummita, mas um “erro de cálculo” os afastaram das coordenadas corretas. Enquanto isso, um fotógrafo anônimo captava sobre os castelos dos marqueses de Valderas um disco voador exibindo o emblema de Ummo.
Para alegria de Sesma, as fotos foram publicadas na edição de 02 de junho de 1967 do jornal madrileno Informaciones. A certeza da existência dos ummitas nunca fora tão reforçada. Ademais, aproveitou-se para vinculá-las à aterrissagem ocorrida em 06 de fevereiro do ano anterior, na localidade de Aluche, Madri, de um disco com um símbolo similar em sua parte inferior. José Luis Jordán, uma das testemunhas — junto com Vicente Ortuño —, era um dos mais assíduos frequentadores de La Ballena e mais tarde se tornaria membro da Sociedad Española de Parapsicologia. Javier Sierra e José Juan Montejo apuraram que Jordán provavelmente convencera seu amigo Ortuño a corroborar sua história de modo a acalentar os ânimos dos seguidores da fé ummita.
Maquete suspensa por um fio
O grupo norte-americano Ground Saucer Watch [Observadores Terrestres de Discos Voadores, GSW], analisou as fotos de San José de Valderas e demonstrou cabalmente que o disco não passava de uma pequena maquete suspensa por um fio. A quase totalidade dos que se detiveram sobre elas corroboraram o GSW. Um dos primeiros a apontar a farsa foi Oscar Rey Brea, meteorologista de Galícia, o mesmo que no final dos anos 50 formulou a teoria segundo a qual a posição astronômica do planeta Marte relacionava-se com a maior ou menor incidência de ondas ufológicas. O engenheiro Claude Poher, chefe da Divisão do Sistema de Projetos Científicos do Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), em Toulouse, França, assinalou que em nenhuma das fotos o disco aparecia centralizado, mas sempre nos limites superiores e laterais — o enquadramento impreciso não combinava com a precisão das imagens. Poher comprovou que, ao contrário do alegado, todas eram de autoria de um único fotógrafo.
Os clichês de Antonio Pardo, que se dizia o segundo fotógrafo, encontravam-se justapostos com tal exatidão no que concerne à paisagem que para terem sido produzidos as objetivas deveriam estar necessariamente ocupando o mesmo ponto do espaço. A maquete, cujo diâmetro era de cerca de 20 cm, fora pendurada por um fio ligado a uma vara de pescar próxima ao limite inferior da profundidade do campo, a cerca de 3,5 m da câmera, segundo apurou o pesquisador e consultor da Revista UFO Jaime Lauda, tendo publicado o artigo Caso Ummo Revisado: Uma Farsa e Tanto na revista Ufologia Nacional & Internacional, uma série precursora da Revista UFO, de maio de 1985.
O grupo norte-americano Ground Saucer Watch analisou as fotos de San José de Valderas e demonstrou cabalmente que o suposto disco voador dos alegados ummitas não passava de uma pequena maquete suspensa por um fio
O símbolo fora pintado na superfície de plástico translúcido da maquete com tinta spray comum. Utilizou-se um filme Valca, de fabricação espanhola. Já havia transcorrido mais de 10 anos desde as fotos de San José de Valderas, quando, para surpresa geral, o episódio foi reeditado. O diário Ideal Gallego noticiou: “Aterrizaje UFO en el Monte de A Zapateira, La Coruña”. Como asseverou o ufólogo Manuel Carballal, tão perniciosos quanto os “assassinos em série imitadores”, são os que, nos meios ufológicos, deslumbram-se com um livro, um caso ou um relato e decidem recriar ou aumentar a história à sua maneira, semeando ainda mais confusão.
Estranhos artefatos metálicos
Em 1978, os ufólogos de Galícia entraram em comoção com uma nova sequência de quatro fotografias mostrando um disco com o emblema de ummoaelewe destacado em sua parte inferior. Três profundas marcas dispostas triangularmente no meio de um pasto queimado marcavam o local da aterrissagem. E no centro desse triângulo aparecia, em relevo, o inconfundível emblema de Ummo. Para completar, encontraram nos arredores estranhos artefatos metálicos cônicos e piramidais. Essa profusão de elementos, somada à vegetação amassada e às diversas mensagens gravadas nas pedras, convenceram a maioria dos ufólogos da época de que o caso era absolutamente autêntico.
Em 1989, graças à colaboração de investigadores como Fernando Magdalena, Sierra conseguiu localizar o autor das fotografias. José Peralta confessou que urdira a grotesca fraude inspirado na leitura de um artigo sobre as fotos de San José de Valderas. O disco não passava de duas calotas de carro unidas pelas bordas. O símbolo Ummo foi pintado com tinta spray, as marcas no solo escavadas com uma pá de jardineiro e o pasto queimado com gasolina. O resto foi uma questão de engenho, manha e uma dose de imaginação. Não só as fotos desvirtuaram Ummo — atividades ilegais puseram aquele reduto de pessoas que diziam receber mensagens obscuras na mira da polícia. Em 1971, Isabel Nido, acusada de representar perigo social por estar vinculada a uma comunidade católica fanática dirigida por Antonio Saiz, outro frequentador da casa dos protagonistas, amargou 40 dias na prisão. No entanto, em vez de minarem definitivamente a popularidade dos ummitas, episódios como esses, paradoxalmente, reverteram-se em favor dos mesmos, já que por tabela divulgavam as ações do grupo.
Sob a fachada de Ummo camuflavam-se interesses comerciais inconfessáveis. Em 1988, Jorge Barrenechea encabeçava o chamado Grupo de Madrid de
receptores de cartas ummitas e organizava sessões de leitura em seu próprio domicílio, seguindo as instruções dos extraterrestres. O engenheiro Juan Domínguez e o próprio Barrenechea interceptaram uma carta contendo instruções precisas e sigilosas para a abertura de empresas. Incluíam-se dados de empresas estrangeiras — principalmente alemãs — que deveriam ser contatadas para o lançamento do empreendimento ummita. Apontava-se Rafael Farriols — empresário catalão que em 1969 publicara com o ufólogo Antonio Ribera a obra Un Caso Perfecto, dedicada às fotos de San José de Valderas — como o principal articulador de operações comerciais na área de eletrônica. O projeto, se consolidado, levaria à criação de duas empresas: a Ibozoo, em referência a uma suposta teoria física ummita, e a Oemmi, que significava “homem” na tal linguagem ummita.
Milhares de páginas
O negócio não prosperou devido à falta de consenso dentro do “grupo de Madri”. Planos escusos como esse demonstram o quanto pretendiam estender o alcance dos pegajosos tentáculos de Ummo. As cartas foram, sem dúvida, os recursos mais poderosos do grupo para perpetrar “contatos” tão duradouros. A partir de Sesma, a febre se espalhou entre dezenas de pessoas de Madri, Barcelona, Sevilha e Bilbao. A coleção soma milhares e milhares de páginas. Até meados da década de 90, inúmeras pessoas em todo o mundo, principalmente na Europa, continuavam recebendo misteriosas cartas e até telefonemas, o que fez de Ummo um dos mitos mais inquebrantáveis e duradouros da Ufologia.
Convém equiparar a fábula ummita a uma “peça de teatro” dividida em três grandes atos. No primeiro (1954-1964), concebeu-se o roteiro, montou-se o palco, a cenografia, reuniu-se os atores e atraiu-se a plateia. No segundo (1965-1974) desenrolou-se o drama que, se de um lado causou comoção, de outro colocou em risco a própria estabilidade do grupo enquanto tal. O ressurgimento, após um longo período de ostracismo, ocorreu por ensejo de um Congresso em Alicante organizado pelo jornalista Luis Jiménez Marhuenda. Começa aí, em 1980, a terceira e última etapa em que se retomou a recepção das mensagens. Cada vez mais delirantes, assumiriam de vez, no início dos anos 90, um caráter messiânico.
Armação bem concatenada
Segundo o ufólogo Enrique López Guerrero, pároco de Mairena del Alcor, em Sevilha, e autor de Mirando a la Lejana del Universo, o primeiro livro a tratar dos textos ummitas, “Propõe-se uma religião alternativa às terrestres, baseada na crença de Ummowoa, uma espécie de Jesus Cristo que teria vivido em Ummo”. Em uma carta escrita em janeiro de 1991, chegaram ao cúmulo de se autointitularem os responsáveis pelas mudanças políticas em curso no Leste Europeu. A prioridade, portanto, era consolidar um novo tipo de culto religioso. Para Ignácio Darnaude, autor do Catálogo Documental del Criptogrupo Ummo, em que lista mais de 1.500 documentos relacionados ao caso, tudo não passou de uma rocambolesca e bem concatenada armação para satisfazer a vaidade de personagens como Sesma. Alguns aventaram que pelo fato das mensagens muitas vezes se anteciparem às decisões tomadas pela Igreja, setores da cúpula católica andavam testando as reações em um grupo restrito de indivíduos antes de efetivá-las junto à massa.
Encontraram nos arredores estranhos artefatos metálicos cônicos e piramidais. Essa profusão de elementos e as diversas mensagens gravadas nas pedras convenceram a maioria dos ufólogos da época de que o caso era autêntico
Outros desconfiavam que um grupo secreto de estudos de uma universidade norte-americana vinha conduzindo experiências de cunho psicossocial. Depois de vários anos investigando o mito Ummo junto a pesquisadores como Antonio Ribera, Juan Aguirre, Ignácio Darnaude, José Juan Montejo e Enrique de Vicente, Sierra inferiu que se urdiu uma montagem colossal, inicialmente para sustentar as mentiras cósmicas de Sesma, e posteriormente para que pesquisadores da área de comportamento prosseguissem suas experiências secretas que visavam testar até que ponto chega a credulidade humana.