A espécie humana tem, por característica intrínseca, a curiosidade e o desejo de exploração. Diferentemente de outros animais, nós não nascemos dotados de grande força física, velocidade ou agilidade para saltos e fugas rápidas — nossa defesa é nossa capacidade intelectual, nossa habilidade para criar ferramentas e, com elas, dominar os territórios. Somos exploradores desde sempre e são as perguntas sobre o desconhecido o que nos moveu pelo caminho da evolução. A curiosidade e a vontade humanas nos tiraram das cavernas e nos colocaram na exploração espacial, encurtaram as distâncias por meio das comunicações, criaram e aperfeiçoaram a medicina e todas as ciências. Hoje, sabemos muito sobre nosso planeta e praticamente não há lugares desabitados nele. Porém, muito embora os mistérios de terras desconhecidas já não existam mais, a figura dos corajosos aventureiros, desbravadores e exploradores está entranhada em nós.
A história da civilização está recheada de exploradores famosos que inspiraram e ainda inspiram legiões de pessoas a se dedicar ao estudo científico. A exploração dos mares, das cavernas, do espaço, das células, do clima e de tantos outros ramos do conhecimento está ligada de maneira umbilical aos grandes aventureiros de todas as épocas, que, ao se lançarem ao desconhecido, faziam história e talhavam lendas. Um desses nomes é Percy Harrison Fawcett, o homem que inspirou o personagem Indiana Jones, de Steven Spielberg, e que teria morrido em terras brasileiras enquanto buscava por uma civilização desconhecida.
Fawcett nasceu em 1867 na cidade de Devon e cresceu em Torquay, na Inglaterra. Como ele mesmo contou: “Houve também anos escolares em Newton Abbot que em nada alteraram a minha visão do mundo. Vieram depois os anos de cadete em Woolwich e, em 1880, aos 19 anos, fui enviado para a Artilharia Real, na guarnição de Trincomalee, no Ceilão [Hoje Sri Lanka]”. Fawcett cresceu órfão e ele atribuía a essa realidade seu ar circunspecto e a vontade de viajar, pois mesmo casado não se sentia preso à família. Mais tarde, regressou à Inglaterra e logo foi enviado para Famouth, na Cornualha, quando se casou em janeiro de 1901. Por sua vontade de explorar novas terras e por sua personalidade de lobo solitário, ele visitou o norte de África, Malta [Lá aprendeu topografia], Oriente Médio e regressou ao Ceilão onde, em 1903, nasceria seu filho mais velho.
Uma vida de aventuras
Sua agitação também o levou à Irlanda e, em 1906, surgiu a oferta para participar de uma expedição que buscava delimitar as fronteiras da Bolívia. Naquele momento, seu destino ligou-se à América do Sul e esse mesmo destino o levaria às desconhecidas selvas brasileiras, onde finalmente desapareceria em 1925. O encanto irresistível que Fawcett sentia pela região o atraiu desde o princípio, quando demarcava a Bolívia em um continente em que só a Argentina possuía os limites já estabelecidos. Em 1906, ele partiu para o Panamá, Equador, Peru e Brasil. Em 1908, embarcou de Buenos Aires a Assunção, passando ainda por Rosário, na Argentina. Em todos esses países e cidades Fawcett viveu experiências intensas, em especial entre a fronteira da Bolívia e o Brasil, que, um ano antes do seu desaparecimento, relatou em seu livro. A obra Fawcett Exploration [Exploração Fawcett, Hutchinson Editorial, 1953], de onde são extraídas todas as citações deste artigo, somente foi publicada em 1953.
Em 1910, Fawcett regressou à Inglaterra para procurar acompanhantes para uma próxima expedição. Retornou à fascinante América do Sul em 1911 e em 1915 foi incorporado ao Exército Inglês durante a Primeira Guerra Mundial. Interiormente acabou convencido de que a Grã-Bretanha como potência mundial estava em declínio — segundo suas próprias palavras — e via a Europa como um lugar que era preferível evitar. Assim, levou sua família para a Jamaica e embarcou sozinho para o Rio de Janeiro, chegando à cidade em fevereiro de 1920. Finalmente viria a sua última expedição antes do fatídico ano de 1925. Vejamos alguns dos pensamentos e aventuras que Fawcett viveu em toda essa jornada, como também as causas que o levaram a adentrar-se nas zonas inexploradas do estado de Mato Grosso.
Fawcett, quando no Rio de Janeiro, encontrou um documento com um estranho relato sobre a aventura do explorador Francisco Raposo, que o impressionou muito. Disse o inglês: “A história começa em 1743, quando um nativo de Minas Gerais, cujo nome foi preservado, decidiu procurar algumas minas perdidas na região de Muribeca, no estado de Sergipe. Francisco Raposo partiu para lá com seus intrépidos 18 companheiros, todos grandes e fortes, e talvez fosse esse o segredo da sua sobrevivência. Deve ter-se em conta que há relatos de Bandeiras [Entradas de soldados na selva] de até 1.400 homens, dos quais nenhum regressou”.
O grupo de Raposo vagueou durante 10 anos e não conseguia encontrar uma forma de voltar à civilização. Fawcett disse que “mais além dos pântanos apareceram montanhas recortadas. Quando os homens de Raposo as escalaram, observaram umas planícies para lá da selva virgem. A exploração dos índios do grupo levou-os a contemplar uma cidade completamente solitária. Porém, o grupo de Raposo não acendeu fogueiras e nessa noite ninguém dormiu. Muito cedo, ele enviou uma guarda avançada de quatro índios e chegou até a cidade com o resto de seus homens. Chegaram a uma enorme estrutura ciclópica [Edificação que se faz com grandes pedras sem que haja, entretanto, uso de argamassa ou cimento para fixá-las] de três arcos e enormes lajes em pedra, semelhantes às de Sacsayhuaman, no Peru.
Continuando a descrição das ruínas encontradas, Fawcett narrou que “no topo do arco central viam-se inscrições desgastadas desconhecidas e Raposo teve que fazer um esforço para manter a ordem entre seus homens. Avançaram por uma rua cercada de edifícios de dois pisos, com blocos de pedra, sem juntas e uniformes, de uma perfeição incrível. Atemorizados, como se fossem um rebanho de ovelhas medrosas, desceram rua abaixo até chegarem a uma grande praça. No centro estava uma coluna colossal, de pedra negra, e sobre ela a efígie de um homem com uma mão descansando em seu quadril e a outra apontando para o Norte”.
Fawcett disse que os portugueses ficaram impressionados pela magnificência da estátua e “fizeram o sinal da cruz em silêncio”. Continuando sua descrição, o inglês contou que “obeliscos esculpidos nas esquinas d
os quatro lados da praça se encontravam parcialmente deteriorados. Em um desses lados se erguia um magnífico edifício que era possivelmente um palácio. A figura de um adolescente estava esculpida na entrada principal, com caracteres e inscrições parecidas com as da Antiga Grécia. Mais além da rua e da praça, a cidade se encontrava em completa ruína, afundada em alguns lugares”.
Creio firmemente que esta figura provém da cidade perdida. Quando alguém a segura firme em suas mãos, é como se uma corrente elétrica subisse por um dos seus braços. Ocorreu-me descobrir um segredo que está por detrás da imagem
Segundo Percy Harrison, os portugueses imaginaram que um terremoto teria destruído a cidade e que as rachaduras estavam abertas aqui e ali. Mais adiante parecia se encontrar uma espécie de mosteiro com 15 aposentos que se comunicavam com um vestíbulo central. “Um dos homens encontrou uma moeda de ouro. Em uma das faces a moeda mostrava a efígie de um jovem ajoelhado e na outra, um arco, uma coroa e um instrumento desconhecido”, disse o desbravador inglês. Ele também presumiu que Raposo não tinha ideia de onde se encontrava, mas seguiu 80 km mais para baixo. Entretanto, enviou um grupo avançado para investigar o rio à jusante e depois de nove dias perceberam uma canoa conduzida por “dois homens brancos, com cabelo negro e vestidos
com uma espécie de pano”.
Por fim, segundo Fawcett, Raposo e seus homens dirigiram-se para o leste e depois de alguns meses de longa viagem chegaram à margem do São Francisco. De lá seguiram para Paraguaçu e, por fim, para a Bahia. “Da Bahia, Raposo enviou o documento ao vice-rei dom Luis Peregrino de Carvalho Menezes de Athaíde. Nada fez o vice-rei e nunca mais se ouviu falar de Francisco Raposo”, relatou o coronel. Fawcett alegava também que a cidade encontrada por Raposo não era a única daquele tipo. Segundo ele, “um ilustre brasileiro, homem de letras, escreveu que os autóctones da América viviam em eras remotas em um estado de civilização superior que, por uma causa desconhecida, degenerou e tendia a desaparecer, mas que o Brasil ainda possui esses vestígios”. Fawcett estava totalmente convencido da existência dessas cidades perdidas. Suas afirmações sobre outras ruínas, e mesmo a possibilidade de sua existência, são arriscadas, mas foram feitas com base em sua busca obstinada e em alguns indícios que ele possuía.
A estranha estatueta
Fawcett possuía uma imagem de cerca de 10 cm de altura que lhe fora entregue por Sir Rider Haggard e teria sido encontrada no Brasil — a estatueta tinha uma figura com uma placa no peito, com um grande número de caracteres. Sobre a figura, Fawcett declarou: “Creio firmemente que provém da cidade perdida. Quando alguém a segura em suas mãos, é como se uma corrente elétrica subisse por um dos braços. Ocorreu-me descobrir um segredo que está por detrás da imagem, graças à psicometria”. Aqui cabe explicar ao leitor que a psicometria à qual Fawcett se referia à época nada tinha a ver com o entendimento do termo feito pela parapsicologia. O termo designava um ramo da psicologia que se destina ao estudo e aplicação de testes de avaliação psicológica e ao desenvolvimento de conhecimentos estatísticos e outros processos matemáticos à psicologia. Mas Fawcett refere-se à acepção espírita do termo — psicometria seria, para ele, a capacidade que um médium tem de “ler” um objeto ao tocá-lo, podendo dizer sua procedência e quem o manuseou.
E certo de que um médium psicométrico conseguiria lhe dizer mais sobre o objeto, Fawcett levou a estatueta para ser examinada, tomando o cuidado de escolher uma pessoa que nada sabia sobre a procedência da figura. Disse-lhe o médium: “Vejo um grande continente de forma irregular, desde o norte de África à América do Sul. A vegetação é prolífica. Vejo cidades e sinais que revelam uma civilização avançada. Parece que me transportam para o lado ocidental do país. Vejo procissões de seres que parecem sacerdotes entrando e saindo dos templos e um alto chefe usando uma placa no peito, semelhante à que tenho em minhas mãos. Sobre o altar vejo a invocação de um grande olho por parte dos sacerdotes. A numerosa população das cidades é dona absoluta do mundo”.
Sobre o destino das tão avançadas civilizações, contou-lhe o médium: “Ouço uma voz que diz: ‘Contemplem o destino dos presunçosos!’ Então eu vejo vulcões em violenta erupção, o mar se levantar como um furacão, a maioria dos habitantes ser aniquilada. O sacerdote a quem foi dado esta efígie foge para as montanhas. A voz diz: a sentença de Atlanta será o destino de todos os que pretendem alcançar o poder divino. Não posso obter a data exata da catástrofe, mas foi muito anterior ao esplendor de Egito e foi esquecida, exceto nos mitos”.
Construções inexplicáveis
Ainda não satisfeito, Fawcett decidiu tirar a prova e consultou mais médiuns psicométricos. Sobre os resultados, declarou: “Outros psicrômetros concordaram perfeitamente com o que acabo de transmitir. Em todo o caso, qualquer que seja a história da estatueta, eu a vejo como a possível chave que descobre o segredo da cidade perdida. A conexão de Atlanta com atuais regiões do Brasil não deve ser considerada depreciativamente”.
Fawcett estava convencido de que a cidade existia e sua inquietação de explorador estimulava seu espírito em busca da verdade. Disse ele: “Tiahuanaco foi construída como Sacsayhuaman e grande parte de Cuzco, por uma raça que manipulava rochas ciclópicas e que as esculpia para se ajustarem tão perfeitamente que era impossível introduzir a lâmina de uma faca entre as juntas. Contemplando estas ruínas, não é difícil crer na tradição que relata que foram construídas por gigantes”.
Em 1907, Percy Harrison Fawcett recebeu a confissão de um administrador de uma unidade de seringueiros, de origem francesa, que lhe disse: “Meu irmão subiu pelo Rio Tahuamanu em um barco e um dia ouviu dizer que estavam perto de índios brancos. De repente, ele e seus homens foram atacados por selvagens completamente brancos, bonitos, com cabelo vermelho e olhos azuis, que lutavam como demônios — meu irmão conseguiu matar um deles, mas os restantes carregaram o corpo e o levaram consigo. A gente diz que não existem tais índios, que são mestiços, mas quem já os viu pensa de maneira muito diferente”.
Poucos dias d
epois, Fawcett chegou à confluência de Rapirrar, antiga designação de um local indígena agora desaparecido, na barraca de um índio chamado Tumurasa, vulgo Medina, que tinha uma filha que Fawcett descreveu como “uma das índias mais formosas que havia visto em minha vida”. Era alta, com traços delicados e cabelos loiros e sedosos. Em cada exploração feita durante aqueles anos, Fawcett continuava acumulando informações. No início de 1913, encontrava-se em Antofagasta, no Chile, quando sua imaginação foi estimulada por seis figuras misteriosas de metal que um índio havia trazido para vender — tinham 6 cm de altura e lembravam figuras do Antigo Egito.
Tribo selvagem
Uma das mais perigosas aventuras do explorador aconteceu naquele mesmo ano de 1913. Vejamos o relato do protagonista: “Assim que chegou de La Paz, meu velho amigo Olive Manley e eu partimos em direção à fronteira brasileira. Atravessávamos a região dos índios yanaiguás, que às vezes atacam os viajantes, mas não nos encontramos com nenhum. Nas selvas baixas, caminhamos seis dias seguidos através de banhadas de lodo e de água. Nós ficamos na Estância San Diego e logo na selva São Matias. Depois de remar por 11 dias pelo Rio Meuquens, nos encontramos com o barão Erland Nordenskiold, que, na companhia de sua corajosa esposa, investigava as tribos do Rio Guaporé. A 18 km a leste havia umas colinas que o barão considerava imprudente visitar”.
Curioso, Fawcett quis saber mais sobre o assunto e o barão lhe disse que muitos falavam sobre “canibais grandes e peludos”. Fawcett lhe respondeu que logo saberia a verdade, pois estava indo justamente para a região que o barão dizia que não deveria ser visitada. Relatou Fawcett: “Carregados com pacotes pesados, deixamos o Rio Meuquens e dias depois chegamos a umas planícies com grama, as primeiras colinas da Serra do Roncador. Posteriormente, entramos na selva e três semanas depois chegamos a uma estrada larga que denotava muito tráfego. Depois de várias plantações, alcançamos uma clareira, onde havia duas cabanas em forma de colmeia — enquanto as observávamos, saiu delas um menino de cor de cobre com uma noz na mão e um machado de pedra na outra. Sentou-se agachado e começou a martelar a casca. O véu do tempo correu na minha mente para revelar um aspecto do passado distante, um olhar sobre a pré-história. A noz se partiu, o menino lançou um barulho de satisfação e jogou a semente na boca”.
Perante aquela observação, Percy Harrison Fawcett assoviou provocando um grande tumulto na tribo e instantes depois foi rodeado por homens com arcos, apontando-lhes flechas — mas, por meio de sinais, conseguiu convencer o chefe a estabelecer amizade com ele. Eram os maxubis. O explorador opinava a respeito: “Creio que este povo, igualmente como muitos outros do Brasil, descendem de uma civilização mais avançada. Em uma das suas aldeias havia um homem ruivo de olhos azuis que não era albino. Eles adoram o Sol e um ou dois homens têm a obrigação de saudá-lo a cada amanhecer com vozes musicais. Era a música de um povo desenvolvido, não de selvagens. Eles tinham nomes para todos os planetas e chamavam as estrelas de Vira Vira, curiosamente parecido com o Viracocha dos incas. Em todos os sentidos indicavam um estado de retrocesso de um estado superior, mais que da evolução da selvageria.
Gritos apavorantes
Fawcett compartilhou momentos com os maxubis, mas foi advertido por eles que, se seguisse viagem, encontraria canibais para o norte, os maricoxis. Os exploradores continuaram a viagem e perceberam logo, por causa do ruído de cornos e barulhos, que eram perseguidos por selvagens, talvez justamente os maricoxis. Refugiaram-se em uma espécie de canas de bambu, de onde podiam ouvir os gritos dos selvagens. Ao amanhecer, os canibais tinham se afastado, mas ao continuar a viagem, Fawcett e seus homens perceberam uma espécie de guarita de sentinela. Então nos conta:
“Repentinamente chegamos à selva aberta. Víamos uma aldeia de tocas primitivas onde se agachavam uns selvagens com o aspecto mais cruel que havia visto. Brutos, com aspecto de orangotangos, pareciam ter evoluído pouco das bestas. Assobiei e um enorme ser peludo como um cão saltou, pôs uma flecha no seu arco e cercou-nos bailando de uma perna a outra até chegar a 4 m de nós. De repente, a selva se encheu desses homens — todos gritando e colocando as flechas em seus arcos. Estávamos em uma situação delicada e eu pensei que aquele seria o nosso fim. Fiz proposições amistosas no idioma maxubi, mas eles não prestaram atenção. O chefe levantou-se e apontou para meu peito. Olhei de frente nos seus olhos e soube que não ia disparar, então saquei minha pistola Mauser. Disparei para o chão e o homem com expressão de terror se escondeu atrás de uma árvore. Começaram então a voar flechas, e disparamos alguns tiros e nos retiramos. Não nos seguiram, mas continuaram a fazer barulho durante muito tempo”.
Percy Harrison Fawcett assoviou provocando um grande tumulto na tribo e instantes depois foi rodeado por homens com arcos, apontando-lhes flechas — mas, por meio de sinais, conseguiu convencer o chefe a estabelecer amizade com ele
Em outra expedição, em 1920, Fawcett chegou à fazenda do coronel Hermeregildo Galvão. Ali lhe contaram que um chefe índio da tribo Nafaqua, cujo território ficava entre os rios Xingu e Tabatinga, assegurava conhecer a cidade em que viviam os índios que habitavam “casas iluminadas por estrelas que nunca se apagam”. Sobre isto, Fawcett escreveu: “Esta foi a primeira vez, mas não a última, que ouvi falar das luzes permanentes, encontradas em antigas casas dessa civilização esquecida. Este meio descoberto pelos antigos açun não foi desvendado pelos cientistas de hoje em dia”. A Estância Morro da Glória foi um novo lugar onde Fawcett ouviu falar sobre a Cidade Perdida. Lá se falava de um mestiço do Rio Peixe que se perdeu nas selvas da Serra Geral, a leste. Ele teria subido em uma colina e de lá teria visto, ao chegar à planície, uma grande cidade com entrada em forma de arco — a diferença em comparação à história de Raposo é que, nesse caso, o mestiço viu habitantes na cidade.
Homens brancos barbudos
Fawcett tinha uma interpretação histórica de tudo isso, que sintetizou da seguinte maneira: “A tradição mexicana conta-nos que no passado chegou do Oriente um povo Tolteca, que se transformou em grande e próspera nação, a quem se atribuem as construções ciclópicas que precederam aos astecas. Eram os olmecas e os xicalancas, que buscavam ser uma raça muito antiga e se gabavam de haver destruído o último dos gigantes”. Ainda segundo Fawcett, Quetzalcoatl também vinha do Oriente e um ramo dessa gente ocupou uma ilha ao Sul. “Todos estes povos toltecas eram de traços finos, olhos azuis, cor de cobre, cabelo curto castanho-avermelhado e costumavam usar túnicas soltas. Entre o
s maxubis vi membros desta tribo com olhos azuis e cabelo avermelhado. Para os selvagens, os toltecas eram povos avançadíssimos. Mas então veio um grande cataclismo e a civilização Tolteca ficou em ruínas.
Ainda segundo afirmava o explorador inglês, Tiahuanaco deveria ter sido uma cidade sobre uma ilha — no tempo das conquistas os nativos atribuíam a reconstrução de Tiahuanaco a homens brancos barbudos que vieram muito antes do império Inca. Seguindo seu raciocínio histórico, na tentativa de explicar os mistérios que encontrava nas selvas sul-americanas, escreveu Fawcett: “Naquela época aconteceram as migrações para o norte e para a Polinésia. No cataclismo, muito poucos puderam escapar. Crônicas que datam do tempo das conquistas se referem à aparência daqueles povos, de raça formosa, que preservavam a tradição de descender da raça branca. Os molopaques, descobertos em Minas Gerais no século XVII, eram de tez clara e barbudos, e também os mariquitas, cujas mulheres lutavam como as amazonas”.
Percy Harrison Fawcett também tinha uma forma de entender as condições locais da época, e o afirmou nesta manifestação: “E igualmente na época do grande cataclismo, a ilha brasileira estava habitada por trogloditas negroides, dos quais podemos encontrar vestígios ainda hoje no interior, e que são temidos por sua ferocidade. Os incas herdaram fortalezas de uma raça anterior e hoje dizer que eles uniam as pedras por meio de um líquido que suavizava as superfícies, até que tivessem a consistência de argila, não tem sentido”.
Sobre a existência de cidades perdidas e registros de outras civilizações, Fawcett não duvidava um momento sequer da existência das tais cidades. Como poderia duvidar, se ele mesmo viu parte de umas delas e o que ali observou tornou imperativo seu regresso? “Os vestígios pareciam ser os postos avançados de uma cidade grande. Estou convencido que poderei descobri-las. Infelizmente não consegui convencer os cientistas a aceitar isso. Mas um fato é certo: entre o mundo exterior e os segredos da antiga América do Sul desceu um véu e o explorador que deseje retirá-lo deverá estar preparado para suportar perigos que porão à prova sua resistência a um limite incrível. É provável que não passe, mas, se conseguir, estará em situação de aumentar nosso conhecimento histórico”.
A última expedição
A dedicação de muitos anos para descobrir a cidade perdida foi fortalecendo a ideia de uma expedição definitiva ao Mato Grosso — durante anos, Fawcett sonhou com ela. A data da viagem iria ser 1925. Brian Fawcett, o filho que ficou na Inglaterra, descreveu o momento: “Em 1924 parecia que o financiamento da expedição nunca chegaria, eram decepções sobre decepções. Vi meu pai pela última vez em março de 1924, quando o trem de Liverpool partiu da estação Saint David, em Exeter, e sua alta figura se perdeu através da janela do carro”. Tal expedição final teria três integrantes: Percy Fawcett, seu filho Jack Fawcett, um gigante de 1,86 m que se exercitava e fazia culto do vigor físico, e um amigo deste último, chamado Raleigh Rimell, que era filho de um médico de Seaton.
Brian Fawcett descreveu Rimell como um palhaço nato, companheiro perfeito do grande Jack, tanto que entre ambos nasceu uma amizade íntima que os conduziu à aventura de 1925. Percy Harrison Fawcett pôde, por fim, reunir o dinheiro para financiar a expedição, despertando o interesse de várias sociedades científicas e também pela venda dos direitos de seus relatos à Aliança dos Jornais Norte-Americanos. Durante o tempo em que Fawcett e seu filho estavam separados, continuou a comunicação epistolar entre ambos. Assim, em janeiro de 1925, escrevia Fawcett ao filho: “Desaparecemos da civilização até o próximo ano, situa-nos com a tua imaginação a mais de 1.600 km a leste de ti, em selvas jamais vistas pelo homem. Nossa rota começará no acampamento do Cavalo Morto. Visitaremos o nosso caminho da Torre de Pedra — que é o terror dos índios vizinhos, pois de noite sai luz de suas portas e janelas.
Eles navegariam entre os rios Xingu e Araguaia e seguiriam seus leitos até o norte. Em seguida iriam a Santa Maria de Araguaia e, dali, cruzariam o Rio Tocantins em Pedro Alfonso. “Nosso caminho ficará em um terreno alto, nos estados de Goiás e Bahia, região totalmente desconhecida e habitada por selvagens. Lá espero encontrar vestígios das cidades, e visitaremos a que Raposo encontrou em 1753”. Em relação à rota traçada por Fawcett, seu filho sustentou que a mesma, segundo peritos, era impossível de ser feita, e dado que Fawcett jamais regressou, segundo ele, tinham razão. A região onde Percy Harrison Fawcett acreditava que estava a cidade perdida — ou “Z”, como também a denominava —, foi sobrevoada por aviões muitas vezes e nunca se pôde encontrar seus vestígios.
Construções pré-históricas
Por fim, os expedicionários se alojaram, em janeiro de 1925, no Hotel Internacional do Rio, a equipe foi testada e em fevereiro partiram para São Paulo. Jack Fawcett escrevia naquela altura: “Nossa viagem fluvial até Cuiabá demorará 8 dias. Deixaremos Cuiabá no dia 02 de abril e demoraremos quatro meses até chegar a “Z”, e quem sabe a localizaremos no dia do aniversário do papai, 31 de agosto”. Já Fawcett escreveria em 14 de abril: “Nós três nos sentimos bem. Temos dois cães bravos, um pastor e um chulim, dois cavalos e oito mulas. Um fazendeiro amigo comentou comigo que desde criança escutava sons estranhos que vinham das selvas do norte — ele os descreveu como assovios semelhantes aos dos foguetes ou grandes bombas se elevando no ar e logo caindo na floresta”.
Outro homem que vivia na Chapada contou a Fawcett que viu esqueletos de grandes animais, árvores petrificadas e, inclusive, construções pré-históricas. Ele pretendia visitar a famosa torre que os índios temem, pela luz nas portas e janelas, e suspeitava que seja a famosa luz que nunca se apaga. “Pouco tempo atrás, um brasileiro bem-educado e um oficial do Exército, ocupados em fazer topografia, souberam pelos índios que havia uma cidade ao norte. Os índios se ofereceram para levá-los até lá sempre e quando eles pudessem, e a protegê-los dos outros selvagens”. A cidade tinha muitos edifícios de pedra, com muitas ruas, um grande templo
e parecia ser construída em formato de “Z”, ainda que sua localização não estivesse de acordo com os seus cálculos. “Meu amigo fazendeiro me contou que levou a Cuiabá um índio de uma tribo remota e, para impressioná-lo, o convidou a percorrer as igrejas daquele povoado. O índio replicou: ‘Isto não é nada, perto do lugar onde vivo, onde há construções maiores e mais altas do que estas, com grandes portas e janelas e um grande pilar que sustenta um enorme cristal, cuja luz ilumina e faz os olhos piscarem’”.
Escreveu o explorador Percy Fawcett: ‘Creio que este povo, igualmente como muitos outros do Brasil, descendem de uma civilização mais avançada. Em uma das suas aldeias havia um homem ruivo de olhos azuis que não era albino. Eles adoram o Sol’
Na época destas cartas trocadas entre pai e filho, ocorreu um fato complicado em plena selva. Rimell foi mordido gravemente por carrapatos e a ferida, com o correr dos dias, complicou-se. Em 20 de maio, Fawcett escreveu: “Jack suporta tudo bem, mas Rimell me põe nervoso — não sei se poderá suportar a parte mais difícil da viagem, porque tem a perna ulcerada e inchada por causa dos carrapatos. Enviaremos uma carta do último posto de onde regressem nossos dois peões. Espero chegar em agosto ao objetivo principal. Em todo o caso, nossa sorte está nas mãos dos deuses”.
Por fim, a última carta enviada por Percy Harrison Fawcett, datada de 29 de maio, que os dois peões levaram à civilização, era mais sintética. Ali se tiraram as últimas fotos dos três exploradores: “Continuaremos com oito animais, Jack está em perfeito estado, mas sinto ansiedade por Rimell, que não quer regressar. Calculo que entraremos em contato com os índios em 10 dias, estamos na localidade de Cavalo Morto. Não temas que fracassemos”. A partir dali, o mesmo véu de silêncio que Fawcett citava em muitos escritos desceu sobre ele e sua expedição, como se a terra os tivesse tragado. Outras explorações seguiram o mesmo destino.
Confraternizando com as tribos
Durante anos, numerosos foram os alegados encontros de vestígios de Percy Harrison Fawcett. Falava-se de relatos dos três homens capturados por selvagens e presos por toda a vida ou mesmo massacrados. Outros opinavam que Rimell morreu por causa da febre ou da infecção e que Fawcett e o filho seguiram viagem, mas que logo foram mortos pelos índios — o filho Brian crê que isto pode ter acontecido e que foram mortos pelos índios morcegos, selvagens temíveis. Mais de 100 expedicionários desapareceram à procura de Fawcett em 13 expedições posteriores.
Albert de Winston e Steffan Rattin foram os primeiros exploradores que, ansiosos para saber a verdade, entraram na selva e jamais regressaram. Parece claro que os últimos a observar os exploradores entrando na floresta foram membros da tribo Kapalo, que haviam avisado aos homens para não fazê-lo, já que havia etnias ferozes a poucos dias de viagem. Outra versão da história diz que os mesmos kapalos foram os que mataram os três homens — embora Fawcett levasse presentes para confraternizar com as tribos. Os kapalos avisaram que os exploradores não lhes davam a totalidade dos presentes e eles tomaram isso como ofensa.
Nada disto pode ser confirmado nem sequer com restos humanos que os kapalos tinham enterrado perto da sua aldeia, já que a altura não correspondia à de Fawcett. Como disse este autor no V Fórum Mundial de Ufologia, realizado pela Revista UFO em Foz de Iguaçu, em dezembro de 2013, em outra oportunidade será feito um escrito destacando um grande homem, um desses únicos que também adentrou por essas selvas: o humanista e inolvidável marechal Cândido Rondon.
Quanto à Fawcett, as palavras de suas últimas cartas dão a sensação de uma forte segurança em seu projeto, mas também a inquietação quanto ao seu êxito: “Se não regressarmos, não desejo que se organizem grupos de salvamento. Se eu, com minha experiência, fracasso, não fica esperança do triunfo de outros. Ou seja, que passemos e voltemos a sair da selva ou deixemos nossos ossos para apodrecerem nela, uma coisa é certa: a resposta ao enigma da antiga América do Sul, e quem sabe do mundo pré-histórico, será encontrada quando se houver descoberto as antigas cidades e quando elas forem abertas à investigação científica. Porque as cidades existem, disso estou certo”.