Nos últimos 150 anos apareceram, seqüencialmente e com aumento de área e freqüência, dois tipos de manifestações ou fenômenos, discrepantes entre si, mas tão interessantes, controversos e fascinantes a ponto de dividir a opinião pública em duas alas opostas: a que considera tudo como sendo real e do bem, e a que considera tudo como sendo falso e, portanto, do mal. Refiro-me ao espiritismo e à Ufologia. Essa questão não deveria nos surpreender, já que está relacionada somente às reações e ao comportamento do público ante tais fenômenos e não diz respeito propriamente aos seus conteúdos, substancialmente distintos.
Assim que, em 1847, o moderno espiritismo surgiu a partir das experiências das irmãs Fox, de Hydesville, Nova York, diversos setores, até mesmo científicos, propuseram hipóteses para explicar os fenômenos ligados a tais práticas. O consenso maior que se estabeleceu foi o de que estavam sendo produzidos pelas almas dos mortos, ou, para usar um jargão mais apropriado, dos desencarnados. Em 1853, Robert Hare, professor de química da Universidade da Pensilvânia, pretendeu desmascarar “a ilusão dos fenômenos de Hydesville”. Após numerosas e meticulosas experiências, ele reconheceu sua autenticidade, publicando em 1855 o livro Experimental Investigation of the Spirit Manifestation [Investigação Experimental das Manifestações Espíritas]. Contra a hipótese espírita, os teólogos opuseram a chamada hipótese demoníaca.
Explicações naturalistas — Somente lá pelo fim do século XIX é que foram aventadas as primeiras explicações naturalistas [Doutrina que reduz todo conjunto de fenômenos a um encadeamento material e mecânico, sem intervenção de nenhuma causa transcendente], e, finalmente, em 1922, com o alentado livro do cientista francês Charles Richet (1850-1935), Traité de Mètapsychique [Tratado de Metapsíquica], inaugurou-se oficialmente a então chamada metafísica, nos dias de hoje mais conhecida como parapsicologia. Quando iniciei meus estudos demonológicos e metafísicos em 1950, revisitei um período, duas décadas anteriores, em que se negava a existência do fenômeno espiritualista – não somente por parte de alguns cientistas, mas também de uma ampla parcela da opinião pública –, que era justamente a que apresentava a maior quantidade de casos parapsicológicos.
O mesmo pode ser dito hoje em dia em relação à Ufologia. Antes de adentrar neste nosso assunto, cumpre-me fazer dois breves esclarecimentos. Em primeiro lugar, o termo UFO, da forma como o emprego aqui, compreende um sentido mais amplo, denotando a existência de seres vivos em outros planetas. Em segundo, devo sublinhar que acredito piamente na realidade do fenômeno, e penso que isso não vai de encontro com a religião cristã, uma vez que muitos teólogos o consideram seriamente e até em sentido positivo. Dividiremos o tema em três pontos: (a) alguma coisa real deve existir sobre a questão ufológica, (b) considerações bíblicas e teológicas sobre a habitabilidade de outros planetas e (c) alguns testemunhos favoráveis a tese da vida extraterrestre.
Algo de verdadeiro deve existir sobre a polêmica questão ufológica
Esta afirmação advém de assunções básicas apoiadas no senso comum, no racionalismo humano e no transcurso normal de nossas vidas, considerando não somente aspectos sociais e individuais, mas também religiosos. De fato, hoje em dia existe uma imensa e ainda crescente quantidade de casos relacionados aos tão falados discos voadores ou espaçonaves extraterrestres. A maioria vem de pessoas que afirmaram ter presenciado o fenômeno apenas uma vez. Alguns vêm de pessoas confiáveis, com elevado grau de cultura e inicialmente não crentes no fenômeno. Uma parcela menor vem dos tão controversos contatados. Levando-se em conta todos eles, é quase impossível negar, em termos racionais, que algo de real e concreto de fato exista. A descrença, portanto, é um comportamento que soa totalmente injustificável, próprio daqueles reacionários que não hesitam em recorrer aos apelos da elementar prudência sugerida pelo bom senso. É inverossímil supor que milhões de pessoas estejam sendo meramente acometidas por ilusões, alucinações e estados de intensa sugestão, embora haja, evidentemente, os enganos devido aos efeitos e às condições especiais de luz e fenômenos atmosféricos como nuvens lenticulares – que costumam apresentar uma silhueta similar aos dos discos voadores –, raios-bola ou flashes globulares de luz.
Novas armas de guerra — Confusões também são geradas por certos tipos de aeronaves de formas arredondada e triangular, que começaram a ser desenvolvidas e construídas secretamente nos Estados Unidos e na extinta União Soviética a partir do advento da Guerra Fria, logo após o rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Disseminaram-se assim comentários de que os discos voadores nada mais seriam do que novas armas de guerra que invadiriam o espaço aéreo do inimigo sob a fachada de discos voadores extraterrestres. Há não muito tempo atrás, desvelou-se o segredo da existência da tão falada Área 51, no coração do Deserto do Nevada, nos Estados Unidos, um enorme campo de pouso que ocultaria uma construção ainda maior sob a sua superfície. Essas confusões, no entanto, explicariam somente uma parte dos casos, restando uma grande quantidade de inexplicados.
Cabe lembrar que em vários países existem institutos, organizações e associações que coletam evidências e testemunhos com o objetivo de submetê-los, se necessário, à análise e ao exame de experts e cientistas, após o que são catalogados e arquivados sob o rótulo explicável ou inexplicável. Na França existe o famoso Service d’Expertise des Phénomènes Rares Aerospatiaux [Serviço de Especialistas de Fenômenos Aeroespaciais Incomuns ou SEPRA]. Na Itália, o Centro Ufológico Nazionale (CUN), já no seu 40º ano de existência, presidido pelo doutor Roberto Pinotti. Também na Itália, existe há quatro anos o Consiglio della Federazione Internazionale di Studi Avanzati [Conselho da Federação Internacional de Estudos Avançados ou CIFAS], dedicado ao estudo das relações entre o homem e o espaço extraterrestre, presidido pelo general Salvatore Marcelletti.
Com referência à solidez do Fenômeno UFO, devo acrescentar uma out
ra consideração que deixei por último de propósito para melhor sublinhar sua importância. É a de que uma generalizada, sistemática e total incredulidade finalmente enfraqueceria e destruiria o valor do testemunho humano, com sérias e inimagináveis conseqüências, porque esta é a base da vida não só individual e social, mas também religiosa.
Testemunho humano — O testemunho é a forma de comunicação de nossa fé em nosso próximo a que mais recorremos em nosso dia-a-dia – como quando ouvimos notícias, fazemos compras, gastamos dinheiro etc. Imaginemos apenas por um breve momento o que aconteceria na vida individual e social de cada um, se o valor do testemunho humano fosse enfraquecido ou até eliminado. Estendamos tais inconveniências à vida religiosa. Como todas as outras, a religião cristã é baseada precipuamente no testemunho humano, sendo a Revelação Divina um fato histórico. Ao decréscimo e à desaparição daquela fé muitas vezes essencial à nossa vida diária, não há dúvida de que o quadro que se seguiria seria a de completo caos e anarquia! A propósito, o teólogo jesuíta e parapsicólogo inglês Herbert Thurston escreveu, em seu livro Igreja e Espiritismo, que, de um ponto de vista lógico, os cristãos que aceitam milagres e outros episódios relacionados ao Evangelho não podem rejeitar de maneira obstinada o testemunho reiterado de modernas e confiáveis testemunhas, que relatam o que seus olhos viram.
Todo o nosso sistema é baseado sobre a crença na verdade dita no Evangelho. Daí que, segundo Thurston, “a sistemática demolição e descrédito de testemunhos humanos referentes a um simples dado factual, parece para mim contrário, no princípio de toda crença, à seriedade histórica do Evangelho, e indiretamente, a todas as crenças na Revelação Cristã” [Milão, 1937].
Considerações teológicas sobre a habitabilidade de outros planetas
Antes de iniciar este tópico, um esclarecimento: não faz sentido a idéia de que os anjos pilotam naves espaciais, uma vez que eles são seres meramente espirituais. Eles estão onde querem estar e, em casos raros, quando se mostram, não possuem nenhuma dificuldade em assumir uma forma visível. O mesmo podemos dizer em relação às pessoas falecidas. A Virgem Maria, nas poucas e excepcionais ocasiões em que de fato contatou pessoas – excetuando aquelas que ainda precisam ser devidamente confirmadas pela igreja–, optou por maneiras bem diferentes de nos transmitir sua afeição maternal, de nos proporcionar suas doces aproximações e de manifestar suas urgências e seus clamores. Até em função de sua natureza angelical, jamais deveríamos pensar nos demônios como entes que causam malefícios. Por estarem conectados com Deus, dele depende a liberdade de realizarem suas extraordinárias atividades, de forma que estão impedidos de externarem seus terríveis ódios contra nós. Lembremos o que disse Santo Agostinho (354-430) – o “último dos antigos” e o “primeiro dos modernos” –, o primeiro filósofo a refletir sobre o sentido da história e que se tornou, sobretudo, o arquiteto do projeto intelectual da Igreja Católica: “Se o demônio, por sua própria iniciativa, pudesse fazer alguma coisa, nem mesmo um único ser vivo estaria na Terra”. Agostinho é corroborado pelo teólogo italiano São Boaventura (1221-1274): “É tão grande a crueldade do demônio, que nos engoliria a todo o momento, se a Divina Proteção não nos guardasse”.
Quanto aos extraterrestres, devemos tomá-los como seres iguais a qualquer ser vivo, pois, como nós, possuem uma parte espiritual, associada à material. A única vantagem é que seus corpos seriam superiores aos nossos. Ainda não existe um consenso em torno dessa questão. No que tange ao aspecto teológico e bíblico, podemos assinalar três pontos a favor da existência de ETs. O primeiro deles, certamente, é o fato quase certo que haja outros planetas habitados. A Bíblia não faz alusões diretas e explícitas a outras formas de vida fora da Terra, tampouco exclui a possibilidade. Se para Deus, que é onipotente e cuja sabedoria é infinita, a questão permanece em aberto, então é bem possível que de fato haja outros seres no universo além de nós.
Destruição de muitas divindades — Em segundo lugar está o fato de que os anjos, em sua diversidade, não passam de meros seres espirituais, enquanto nós somos compostos tanto de espírito como de matéria, ou de alma e carne. Mas a alma não pode atuar sem se valer de um corpo como instrumento. O corpo, com suas paixões e vícios capitais, pode condicionar a alma a ponto de fazer com que o ser humano, mesmo em sua condição tão frágil, devote-se ao mal superando o poder de destruição de muitas divindades. A enorme distância que há entre nós e os anjos se reduz tanto mais nossas almas não se deixem condicionar pelos nossos corpos – ainda que próximos da perfeição – e seus atos volitivos. Conforme asseverou o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), “natura non facit saltus” [A natureza não dá saltos].
Um conceito várias vezes reiterado na Bíblia diz respeito ao âmago da criação, ou à Glória de Deus. O Salmo 18 começa por dizer, textualmente: “Os céus cantam a Glória de Deus”. Mas somente os seres humanos podem dar essa glória a Deus de forma consciente, justamente porque são possuidores de inteligência e livre arbítrio. Daí o motivo de vários teólogos admitirem ser não só possível, mas altamente provável, que no espaço distante, inacessível e incomensurável para o homem e seus instrumentos científicos existam outros seres vivos capazes de reconhecer a Deus como seu Criador. Estes seres também lhes dariam a sua Glória, louvando o Senhor da Criação.
Caminho espiritual — Nesse tocante, o padre jesuíta Domenico Grasso, professor de teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana, pergunta por que toda a perfeição que Deus espalhou tão largamente no universo deveria ser mantida escondida sem cantar a Glória de Deus? “Não seria uma discordância imprópria para Deus? Quem escreve um livro que nunca será
lido por ninguém, ou bem pinta para esconder da vista de outros?”, questiona. Com referência às afirmações feitas pelo teólogo alemão Joseph Pohle, em um de seus livros de 1904, Grasso avalizava que “parece em concordância que o propósito do mundo que corpos celestiais habitáveis são localizados por criaturas que reconhecem a Glória de Deus nas belezas físicas de seus mundos, da mesma forma que o homem faz com seu pequeno mundo”. Finalmente, Grasso conclui que nós devemos pensar nos anjos para conhecer de onde Deus recebe a glória desses mundos. “Porque eles, que são puramente espíritos, não são capazes de conhecer a matéria mais indiretamente, da mesma maneira que o homem faz com o espírito”.
Por fim, em terceiro lugar, além de ser algo possível e crível, eu diria que é desejável a habitabilidade de outros planetas. No futuro, ainda que remoto, esses eventuais habitantes, superiores a nós, poderiam ser de grande auxílio, especialmente em nosso caminho espiritual. Talvez eles já estejam nos protegendo e nos ajudando desde muito tempo atrás. Comprovando-se a existência de seres inteligentes em outros planetas, ficará mais fácil entender como conciliar sua existência com a salvação de Cristo. Como disse o apóstolo São Paulo (5-67 d.C.), “Cristo é o centro e a cabeça da criação do universo”. A Bíblia assegura que Cristo, como Verbo Encarnado, tem influência total sobre todos os possíveis planetas habitados.
A Bíblia não faz alusões diretas e explícitas a outras formas de vida fora da Terra, tampouco exclui a possibilidade. É bem possível que de fato haja outros seres no universo além de nós
Aos colossenses [Habitantes da cidade de Colosso, na Ásia Menor], São Paulo disse que através Dele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as criaturas visíveis ou invisíveis, tronos, dominações, principados, potestades: “Tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele existe antes de todas as coisas, e todas as coisas Nele subsistem. Ele é a cabeça e o corpo da Igreja. Ele é o princípio, o primogênito, dentre os mortos, de maneira que tem o primeiro lugar em todas as coisas. Porque aprouve a Deus fazer habitar Nele toda a plenitude e serem reconciliadas por Ele, que restituiu a paz ao preço do sangue de sua cruz, todas as criaturas, tanto as da terra, como as do céu” [Colossenses, 1:16-20]. A igreja celebra o último domingo do Ano Litúrgico como Banquete de Cristo, Rei do Universo, e em sua liturgia a universalidade de Seu reino é lembrada, o que é também expressado na missa diariamente.
Alguns testemunhos a favor da tese da vida extraplanetária
Inúmeros cientistas, teólogos ou servidores de Deus que já se qualificaram para o processo de beatificação ou canonização emitiram declarações favoráveis à habitabilidade de outros mundos. O cientista francês Charles Richet, que era um materialista, em seu supracitado Tratado de Metapsíquica, pergunta se nós, em nossos sentidos limitados e confusa inteligência, temos direito de pugnar que o homem é o único ser inteligente de todo este imenso cosmos. Ele próprio conclui que “a existência de outras forças intelectuais, diferentes de nós, não é somente possível, mas tremendamente provável”. O cardeal, filósofo e cientista Nicolò Cusano (1401-1464) disse que “nós não estamos autorizados a excluir que em outras estrelas existam seres inteligentes, ou mesmo se eles são completamente diferentes de nós”. O padre jesuíta e astrônomo Angelo Secchi (1818-1876) proclamou que “é um absurdo considerar que os mundos que nos cercam são desertos inabitados e que o imenso universo foi feito apenas e tão somente para nosso pequeno planeta”. O pregador dominicano Jacques Marie Louis Montsabré (1827-1907) referiu-se ao princípio “a natureza não dá saltos”, de Leibniz, para defender a existência de outros seres inteligentes além do homem e dos anjos. O já citado padre jesuíta e parapsicólogo Thurston afiançou que ninguém pode afirmar que não haja no universo outras categorias de seres inteligentes além dos anjos, dos demônios e dos homens, e desafiou: “Quem pode estar certo a respeito disso?”
ETs para a glória do Senhor — O teólogo alemão Giuseppe Pohle assegurou que a hipótese da pluralidade de mundos habitados é totalmente favorável à glória do Senhor: “Deus cria para Sua glória, e nenhuma glória é possível sem seres inteligentes, capazes de saber da criação do Senhor”. O padre salesiano Don Andrea Beltrami (1870-1897), cujo processo de canonização está em pleno andamento, pugnava abertamente pela possibilidade da existência de outros planetas habitados. Dos 16 livretos que escreveu, um parece tratar deste assunto – digo “parece” porque infelizmente não tive acesso à sua obra integral.
O já santificado padre Pio, beatificado pelo papa João Paulo II em 02 de maio de 1999 e canonizado em 16 de junho de 2002, travou um interessante diálogo, documentado e oficialmente publicado pela Ordem dos Capuchinhos. Ao ser perguntado sobre as chances de haver criaturas de Deus em outros planetas, respondeu que “a onipotência de Deus não poderia se limitar unicamente a este pequeno planeta”. Questionado se acreditava que houvesse outros seres que amam o Pai, retrucou dizendo “a Terra é nada comparada com outros planetas e estrelas, e que nós terráqueos somos nada também”. Para o padre Pio, “O Senhor certamente não limitou Sua glória a este pequeno planeta. Em outros planetas, existem outros seres que não pecam e não caem em tentação como nós” [Don Nello Castello, Cosi Parlò Padre Pio, Vicenza, 1974].