Se você é um interessado no estudo dos discos voadores e das possíveis visitas extraterrestres a nosso planeta, estudo comumente chamado de Ufologia, já deve ter ouvido a clássica pergunta dezenas de vezes.“Por que eles não descem na frente da Casa Branca?”. A pergunta tem variações, incluindo o prédio das Nações Unidas, em Nova York, ou até mesmo a Praça dos Três Poderes, em Brasília. E inclusive já ganhou respostas bastante ácidas, amargas e divertidas de vários universos, como CSI e até mesmo os quadrinhos de Calvin & Haroldo. Nesta última, o garoto observa o toco de uma árvore recém cortada e comenta com seu fiel tigre: “Acho que a maior prova de que existe inteligência extraterrestre é que eles nunca fizeram contato conosco”. Pois essa pergunta, comumente feita por pessoas com visão muito estreita da realidade, acaba de ganhar uma resposta perfeita. Quando for questionado novamente, responda apenas: “Assista Distrito 9 e você saberá”. O filme, que estreou em 14 de agosto e é sucesso absoluto de público e crítica nos Estados Unidos, será exibido no Brasil em 16 de outubro. Novamente, o atraso dá margem a que o filme seja um dos campeões de download ilegal no ano.
A trama já é bem conhecida. O seboso e até patético funcionário da Multi-Nacional United, Wikus Van der Merwe, é encarregado de liderar uma operação de despejo dos alienígenas de Distrito 9, uma enorme favela no subúrbio de Joannesburgo. Os “camarões” (prawns no original), como os ETs são pejorativamente chamados, vivem em condições degradantes ali há 20 anos, desde sua inesperada chegada na gigantesca nave que paira ameaçadoramente sobre a cidade. Eles vieram totalmente por acaso, o que pode explicar porque isso ocorreu naquela cidade da África do Sul e não em Nova York, Moscou ou Londres. Arrancou risadas, mesmo no sério ambiente da cabine de imprensa, saber que Wikus foi designado para a tarefa por um alto executivo da MNU, que vem a ser seu sogro. Ecos da Terra Brasilis, certamente… Wikus não poderia ser mais nojento e desprezível no começo do filme, aquele típico burocrata que só pensa na próxima promoção. Tudo muda quando ele literalmente enfia o nariz onde não foi chamado, e começa a experimentar sintomas muito estranhos.
O ator Sharlto Copley, um sul-africano que também atua como diretor e produtor em outras produções, interpreta Wikus de forma absolutamente soberba, o que é ainda mais surpreendente por este ser seu primeiro trabalho atuando. Vale lembrar que D-9 também é o primeiro grande filme do diretor Neill Blomkamp, que também escreveu o roteiro ao lado de Terri Tatchell. E finalmente, o único grande nome em Distrito 9 é o de Peter Jackson, vencedor do Oscar por O Senhor dos Anéis, graças ao qual a história imaginada por Blomkamp pôde ser realizada dentro de sua visão original, em plena África do Sul e sem nomes hollywoodianos no elenco.
O resultado é um filme marcante, denso e muito original como há tempos não víamos. A violência tem níveis extremos, e ainda mais chocante é a crueldade dos seres humanos, o que na verdade não deve ser nada demais, comparada a violência real que ocorre todos os dias em favelas, mesmo em São Paulo, Rio de Janeiro ou outra cidade. Mas as maiores atrocidades são praticadas contra Wikus depois de sua contaminação, quando ele se revela capaz de operar as armas alienígenas. A tecnologia dos extras funciona apenas com seu DNA, e por 20 anos os técnicos da MNU tem tentado fazer funcionar suas armas. Daí vem outra das qualidades fantásticas do filme. Assim como progressivamente passamos a torcer por Wikus, vamos igualmente simpatizando com os aliens. Eles se parecem com insetos e não são nada bonitos, nem muito menos glamourosos como os vistos em algumas outras produções. Favelados e embrutecidos, acabamos, entretanto, a nos compadecer por eles, e sua péssima sorte ao terem naufragado justo neste planeta.
Blomkamp revela uma direção impecável, e suas idéias resultaram num filme chocante, mas imprescindível. A idéia de fazer dos aliens criaturas até grotescas pode encontrar um remoto eco no inesquecível ET de Steven Spielberg. Vejam que também nesse clássico da ficção científica o garoto Elliot já dizia que “iriam cortá-lo todo”. Entendemos o que isso significa ao assistir Distrito 9! Todos os fãs de ficção científica tendem a encarar o primeiro contato como algo positivo, que traz consigo um potencial de crescimento e evolução, seja no conhecimento ou qualquer campo de experiência, inimaginável. Ver o que acontece em Distrito 9 nos lembra que existem muitos seres humanos mesquinhos, estúpidos, arrogantes por aí. São esses os verdadeiros inimigos da humanidade, com certeza!
Imaginar como seria essa mesma história se os aliens fossem um pouco mais parecidos conosco. Existe na Ufologia correntes que teorizam a existência dos “aliens nórdicos”, seres muito parecidos conosco, belos, loiros, altos, de olhos claros… E se fossem estes nórdicos os que encalhassem na Terra? Impossibilitados de fugir dos predadores humanos? Conseguiriam se integrar a sociedade terrestre? Ou, por outro lado, seriam ainda mais facilmente manipulados, oprimidos, e usados como cobaias? Quem iria saber, se não conseguimos distingui-los de nós mesmos? No livro De Roswell a Varginha [Tarja Editorial, 2008] um alien aparece na capa sob a mira de armas. Um simbolismo da pouca tolerância humana, incluindo obviamente para com seus próprios semelhantes. Também vale lembrar que no próprio Caso Varginha, houve rumores de dois alienígenas baleados por soldados por volta das 14h00 de 20 de janeiro de 1996, data de início dos eventos. Discutiu-se na época as implicações do assassinato de visitantes, e não surpreenderam os rumores de um temor militar por uma retaliação extraterrestre.
Hipocritamente, os aliens de Distrito 9 são convidados a assinar as ordens de despejo, com que os agentes da MNU lhes dão 24 horas de aviso antes de sua compulsória remoção para o Distrito 10. Que, sem surpresa nenhuma, é na verdade um campo de concentração. Certamente a mesma hipocrisia que muitos seres humanos mais próximos de nós, de nossa própria realidade, exercitam todos os dias. Ao destilar observações racistas motivadas apenas pela cor da pele de outras pessoas. Ou espancar alguém apenas por sua opção sexual. Ou… tantos outros “ous” se pode aqui colocar, mas creio que todos os que lêem estas linhas já entenderam. Surpreende que essa fantástica produção tenha sido rodada na África do Sul, lembrando que Blomkamp, diretor e roteirista, também é daquele país, assim como o protagonista Sharlto Copley. Prova de que o gênero é universal. Aqui no Brasil, inclusive, temos excelentes autores de ficção científica, e é inexplicável que suas obras ainda não tenham sido escolhidas para se
rem adaptadas a esse espaço mágico que é a tela grande do cinema.
Distrito 9 não é fácil de ser entendido. Tanto que, pela forma como alguns nigerianos são retratados no filme, o governo daquele país o proibiu. Claro, proibições de filmes ou seriados como essa normalmente são decretadas por quem não tem intelecto suficiente para entender o objeto de sua ira. A ficção científica é um gênero complexo, e Distrito 9 vem nos lembrar disso, trazendo de volta aquela preocupação social e mensagens de tolerância e amizade que já estavam fazendo falta nas recentes produções do gênero. De desprezo e puro racismo, o relacionamento entre Wikus e o alien Christopher passa a ser de uma comovente amizade, de irmãos de armas, e dessa amizade nasce a perspectiva de termos, dentro de algum tempo, o lançamento de Distrito 10. Sim, uma seqüência é mais do que previsível, e se a qualidade e o conteúdo forem mantidos por Blomkamp e sua equipe, teremos outro clássico da boa e velha ficção científica a caminho.
Porque isso, um novo clássico, é o que Blomkamp já conseguiu com Distrito 9, inspirado em seu curta Alive in Joburg. Um dos filmes do ano com certeza, uma extraordinária ficção científica simplesmente indispensável, daquelas que nos fazem pensar por dias a fio depois de sair do cinema (pensando especialmente em quem pode ser o último personagem a ser mostrado na tela). Quem sabe, também nos tornando mais tolerantes, e até nos preparando para o dia em que o aguardado contato com eles for uma realidade.