Há décadas o ser humano busca descobrir se está sozinho no universo, em meio a incontáveis astros espalhados por infinitas galáxias, deste e talvez muitos outros universos. Apesar de sua intuição de que evidentemente deve haver uma miríade de outras formas de vida lá fora, e a Ufologia é uma iniciativa que defende isso, não há registros científicos disponíveis que ofereçam esta certeza à humanidade — que, quando confirmada, poderá mudar por completo a ideia que temos sobre a nossa existência. Os esforços mais consistentes e reconhecidos pela ciência neste sentido vêm do Projeto SETI, o programa de busca por vida extraterrestre inteligente, que desde a década de 60 tem o objetivo de analisar sinais de rádio provenientes de fora do planeta, captados por radiotelescópios.
Com o propósito de estabelecer a certeza científica de que há outras formas de vida inteligente fora da Terra e a intenção de estabelecer comunicação com elas, três eventos marcaram o início do projeto, desde seus momentos embrionários. O primeiro foi a publicação de um artigo histórico, por Giuseppe Cocconi e Philip Morrison, abrindo as portas da comunidade científica para a possibilidade de encontrarmos vida extraterrestre inteligente. Intitulado A Procura da Comunicação Interestelar e publicado na conceituada revista Nature, em 1959, Cocconi e Morrison ineditamente sugeriram que a pesquisa devesse ser conduzida por equipamentos capazes de receber ondas de rádio no comprimento de 21 centímetros. Estava dada a largada.
Progressos paralelos
Depois, no ano seguinte, outro marco importante do SETI foi o Projeto Ozma, idealizado por Frank Drake e iniciado em 1960, que conduziu a primeira busca de sinais de vida extraterrestre nesses parâmetros, usando para isso os instrumentos do Observatório Nacional da Radioastronomia em Green Bank, em West Virginia, Estados Unidos. Por fim, em 1961, tivemos também uma pequena, e agora legendária, conferência aberta sobre o tema, na qual foi discutida amplamente a possibilidade de uma pesquisa mais profunda sobre isso — e nela foi proposta a Equação de Drake como uma maneira de estimar a quantidade de civilizações que poderiam ser contatadas em nossa Via Láctea. Esses foram, enfim, os alicerces sobre os quais o SETI se fundamentou [Veja edição UFO 179, agora disponível na íntegra em ufo.com.br].
Como se vê, o que sabemos ser hoje o moderno Projeto SETI nasceu durante aqueles longínquos anos de 1959 a 1961, que estabeleceram a agenda que se tornaria a rotina de operações do programa pelas cinco décadas seguintes, algumas vezes com achados interessantes, noutras quase frustrantes. Mas, enquanto o programa de busca por vida extraterrestre inteligente engatinhava, ainda nos anos 60, a antropologia já era uma disciplina experiente com mais de 100 anos de existência — como indica a raiz grega da palavra, trata-se do estudo dos seres humanos.
E ao longo dessas várias décadas em que ambos os campos de estudos caminharam paralelamente, raramente eles se tocaram e raramente se questionou de que forma poderiam se relacionar. A pergunta que se fazia era: por que a antropologia teria aplicação na discussão sobre vida extraterrestre, que obviamente não é humana? A resposta para isso é que a antropologia desenvolveu vários métodos para analisar as culturas terrestres e sua evolução — e eles podem ser aplicados para entender culturas também não terrestres.
O SETI parte do pressuposto de que, se existem formas de vida inteligente fora da Terra, provavelmente são culturas mais desenvolvidas do que a nossa para serem capazes de lançar sinais ao espaço. E se, como seus proponentes imaginam, tais culturas tiverem milhões de anos de idade, seus integrantes conhecerão muito bem o processo de evolução, com todas as etapas envolvidas em seu desenvolvimento, como a comunicação, a difusão cultural e assim por diante. Ou seja, os membros de uma avançada civilização galáctica conhecerão todas as áreas de estudo que os antropólogos terrestres, junto com colegas de outras ciências humanas e comportamentais, avaliaram durante o último século para a população da Terra.
Contato e intercâmbio com ETs
Sendo assim, por que os cientistas do SETI e os antropólogos ainda não estão caminhando juntos na empreitada de procurar por formas de vida extraterrestre inteligente? O presente artigo tenta examinar que papel a antropologia pode exercer nesse processo de busca e como duas formas de pensar distintas podem se auxiliar mutuamente no processo — uma interação que pode se mostrar reciprocamente benéfica para as relações entre os antropólogos e os membros do SETI no futuro. A princípio, o que falta atualmente é uma abordagem sistemática que aplique os conhecimentos antropológicos ao projeto de busca por sinais de vida provenientes do espaço exterior. Se alcançada, certamente tal abordagem mostrará que este estudo será compensador para ambas as disciplinas.
As ciências sociais, em particular a antropologia, têm o potencial de esclarecer um assunto em cujo centro estão, sobretudo, a sociedade e a evolução cultural, seja ela terrestre ou mesmo, como veremos, extraterrestre. Entretanto, sua atuação durante a primeira década de existência do SETI foi pequena, o que se deveu a vários fatores, entre os quais o que o químico e novelista britânico Charles Percy chamava de “fenômeno das duas culturas” — a segregação das ciências sociais e naturais, assim como a crescente especialização de ambas, que já ocorria desde 1960. Prova disso está no fato de que a citada conferência do SETI de 1961, que marcou o início das discussões sérias sobre o tema, incluía astrônomos, físicos, um bioquímico, um engenheiro e até um especialista em comunicação dos golfinhos — mas nela não havia nenhum representante das ciências sociais ou da antropologia. Ou seja, as coisas começaram erradas.
Equação de Drake
A participação da antropologia no Projeto SETI, na década de 60, aparentemente se limitou a duas situações. A primeira foi um artigo de 1962 intitulado A Comunicação Interestelar e a Evolução Humana, escrito por Robert e Marcia Ascher, respectivamente antropólogo e matemática da Universidade de Cornell, a instituição de onde saíram Cocconi e Morrison. Os autores sugeriram uma analogia entre o contato e intercâmbio entre povos pré-
históricos com um hipotético contato e intercâmbio com seres extraterrestres. E apontaram que, nos primórdios da história humana, quando populações hominídeas biologicamente distintas existiram, tal contato e intercâmbio “ocorriam entre segmentos tecnologicamente similares, porém biologicamente diferentes. Na pré-história tardia, o contato normalmente se iniciava pelas populações com tecnologias mais avançadas, e o intercâmbio equilibrado era raro”. Este fato, segundo os autores, poderia indicar como ocorreriam o contato e o intercâmbio com civilizações extraterrestres.
A segunda situação foi um estudo patrocinado pelo Comitê de Ciência e Astronáutica da NASA e publicado em 1961, que anunciou um possível papel para as ciências sociais no processo de busca por vida extraterrestre inteligente — a análise do impacto que teria sobre a sociedade a provável descoberta de inteligências extraterrestres aqui atuando. Em uma declaração desde então muito citada, os autores alertaram que um contato efetivo poderia ser seriamente desestabilizador. “Dados antropológicos contêm vários exemplos de sociedades que foram desintegradas quando tiveram que se associar a outras que não lhes eram familiares, expondo-as a diferentes ideias e estilos de vida. Outras que sobreviveram a tal experiência normalmente pagaram o preço da mudança de valores, atitudes e comportamento”, diz o relatório, que foi preparado pelo psicólogo social D. N. Michael.
Nos últimos 40 anos, a antropologia se concentrou na questão do contato cultural entre as diferentes sociedades terrestres, mas não estudou de forma sistemática as implicações que haveria a partir do contato da humanidade com civilizações extraterrestres
Nos últimos 40 anos, a antropologia se concentrou na questão do contato cultural entre as diferentes sociedades terrestres, mas não estudou de forma sistemática as implicações que haveria a partir do contato da humanidade com civilizações extraterrestres. Já no início da década de 60 chegou-se à conclusão de que duas novas funções teriam que ser delegadas para a antropologia no contexto da busca por inteligências extraterrestres: o estudo dos modelos de evolução humana quando no momento de um contato com espécies alienígenas e a análise do impacto de tal convivência entre as espécies traria.
Mas, durante a tumultuada década de 60, essas ideias permaneceram inativas e somente duas pesquisas sobre a procura de outras formas de vida inteligente foram conduzidas, uma nos Estados Unidos e outra na União Soviética. Apenas gradualmente, os proponentes do Projeto SETI foram percebendo que as ciências sociais poderiam ser úteis, e até mesmo essenciais, para suas discussões. Isso se tornou particularmente evidente em relação aos componentes culturais da Equação de Drake, que incorpora todos os fatores potenciais para a evolução cósmica — astronômicos, biológicos e, enfatize-se, culturais [Veja box na matéria]. Particularmente quanto aos dois últimos componentes da Equação, a probabilidade de evolução de civilizações com capacidade de comunicação via rádio e sua vida útil estão claramente no âmbito das ciências sociais.
Foi nesse estágio embrionário das discussões que aconteceu uma reunião internacional de referência no Instituto de Comunicação com Inteligências Extraterrestres (CETI), na União Soviética, em 1971, na qual foram incluídos dois antropólogos e também o historiador William H. McNeill, da Universidade de Chicago. Eles argumentaram a favor da importância da presença de cientistas dessas áreas no processo de pesquisa e descoberta de outras avançadas formas de vida inteligente. Mas ainda não foi naquela data que se chegaria a alguma conclusão de como integrar conhecimentos de áreas naturais, humanas e técnicas, embora os cientistas sociais presentes ao encontro mostrassem interesse no que os de natureza técnica tinham a dizer, e vice-versa.
O debate não prosperou.
Cresce o interesse da NASA
A partir desse momento, no entanto, a participação de membros da área de ciências humanas se tornou gradualmente comum nas reuniões em que a busca por outras inteligências extraterrestres era discutida. Em 1972, por exemplo, quando a NASA patrocinou na Universidade de Boston o simpósio A Vida Além da Terra e da Mente Humana, o renomado antropólogo Ashley Montagu estava entre os palestrantes — o tema de sua conferência foi a reação do ser humano quanto à descoberta de vida extraterrestre inteligente. “A forma de comunicação que fizermos no encontro inicial será crucial para definir a futura convivência”, concluiu Montagu, fazendo um apelo para o estudo dos aspectos culturais do contato inicial.
Já na metade dos anos 70, o interesse pelo Projeto SETI estava ficando cada vez mais sério no meio científico, particularmente na NASA. O mentor do projeto na agência espacial norte-americana foi John Billingham, do Centro de Pesquisa de Ames, em Mountain View, na Califórnia. Foi ele quem organizou uma série de palestras, encabeçada por Philip Morrison, com o objetivo de transformar em realidade uma parceria entre a NASA e o Projeto SETI, financiadas pela agência. Parte desses esforços surgiu de uma conferência sobre evolução cultural ministrada pelo prêmio Nobel Joshua Lederberg, com a participação do antropólogo Bernard Campbell. A palestra focou na evolução da inteligência e da tecnologia, e seu sumário afirmava que “um novo conhecimento mudou a atitude de vários especialistas sobre a generalidade da evolução cultural planetária, indo do ceticismo para a crença de que é consequência natural da evolução o contato com outras formas de vida, sob diversas circunstâncias, em seu devido tempo”.
Um painel sobre evolução cultural terrestre no referido congresso também discutiu os fatores que poderiam ser a origem da inteligência dos hominídeos — guerra, comunicação e a linguagem —, assim como as exigências predatórias da vida nas savanas pré-históricas, como forma de avaliar a possibilidade de tais condições também terem se repetido no passado de outras espécies cósmicas. Apesar de outro cientista presente, o evolucionista George Gaylord Simpson, ter sido pessimista quanto à possibilidade de encontrarmos inteligências extraterrestres, o painel demonstrou várias probabilidades numéricas para o desenvolvimento de inteligência e tecnologia, assumindo que a vida tenha emergido em algum planeta da forma como pode ter evoluído na Terra — esta probabilidade, segundo os estudiosos, seria de um em cem.
Premissas enraizadas
As iniciativas da década de 70 de aproximar técnicos e antro
pólogos na busca por inteligências extraterrestres foram positivas, mas não surtiram efeitos práticos até anos depois. Mesmo assim, a relevância da antropologia para o SETI ficou confirmada pela comunidade científica, ainda que as iniciativas iniciais mal tivessem começado a explorar os ricos recursos que a antropologia podia oferecer ao projeto. Isso ficou evidente no simpósio da Associação Antropológica Americana (AAA), de 1974, que resultou em um livro publicado em 1975, intitulado Cultures Beyond Earth [Culturas Além da Terra]. Seu subtítulo, no entanto, The Role of Anthropology in Outer Space [O Papel da Antropologia no Espaço Exterior], é algo enganoso porque somente dois dos oito autores eram realmente antropólogos. Mas o lado positivo foi que a obra incluiu um prefácio estimulante escrito pelo futurologista Alvin Toffler e um posfácio redigido pelo antropólogo Sol Tax. No geral, a obra contém ideias novas e sofisticadas.
No prefácio, por exemplo, Toffler pontua que “o que pensamos, imaginamos ou sonhamos sobre culturas fora da Terra não apenas afeta nossos medos e desejos escondidos, como também os altera”. Ele considerou o livro que prefaciou importante porque “nos força a rever premissas profundamente enraizadas em nós mesmos sobre nossa sociedade”. Esse é um item importante a ser notado, o de que contemplar culturas extraterrestres nos forçará a observar a nós mesmos, levando-nos à crítica à nossa presunção cultural para um novo nível. Isso é algo para um futurista dizer! Mas, no posfácio, Sol Tax, professor de antropologia da Universidade de Chicago, endossou e elaborou estas ideias: “Somente quando tivermos comparações com espécies que são culturais, mas de maneira não humana — algumas das quais talvez muito mais avançadas do que nós —, teremos total entendimento das possibilidades e limitações da cultura humana”. Para ele mesmo, se não tivermos contato com culturas não humanas no futuro imediato, os modelos que temos hoje sobre nós mesmos exigem que refinemos as perguntas que fazemos sobre os próprios seres humanos.
O livro também abordou outra área sensível da ciência, uma que possivelmente soe lógica hoje. “Como um exobiólogo, que corre o risco de ser chamado de ‘ex-biólogo’, assim os antropólogos com interesses em assuntos extraterrestres se encontram rodeados de suspeitas de seus colegas mais conservadores”, escreveu Roger Wescott, da Drew University. Ele também chamou a atenção de todos para a relevância antropológica do estudo das possíveis culturas e subculturas que irão um dia existir na órbita terrestre e na superfície da Lua — aspecto que ganhou particular ressonância 30 anos depois, sob a luz dos planos da NASA para o retorno do homem ao nosso satélite natural e a caminho de Marte.
O Paradoxo de Fermi
No fim da década de 70, uma crise no Projeto SETI que teve um impacto maior que a reunião da AAA de 1974 foi o chamado Paradoxo de Fermi. Ele postula a ideia de que, se a galáxia tem inúmeras formas de vida inteligente, dada à escala de tempo de um bilhão de anos que isso requereu, qualquer forma de vida avançada que nela existisse estaria estabelecida há tanto tempo que já poderia tê-la colonizado, certamente também chegando à Terra — e o paradoxo está em que nós não vemos esta presença aqui, pelo menos não abertamente. Muitos estudiosos veem que este argumento é o que basta para se dizer que discos voadores e extraterrestres não existem de forma empírica — e “empírica” porque não são observados aqui na Terra, a não ser que se considere o Fenômeno UFO como evidência, o que a maioria dos integrantes do SETI cuidadosamente evita fazer.
Mas se entender a forma com se difundem as culturas, terrestres ou extraterrestres, é um problema para os cientistas sociais, é familiar para os antropólogos culturais, e um deles aceitou o desafio. Ben Finney, professor de antropologia na Universidade do Havaí, conhecido por seu estudo sobre migrações polinésias, iniciou seu trabalho com a comunidade de cientistas da NASA ligados ao SETI em meados da década de 80, e talvez seja o antropólogo com mais tempo de atividade dentro do programa de busca por vida extraterrestre inteligente. O mais importante de seus trabalhos foi o livro que lançou com Eric Jones, Interstellar Migration and the Human Experience [Migração Interestelar e a Experiência Humana, Editora Universidade da Califórnia, 1985]. Em uma conferência sobre como seria a migração de povos entre planetas, realizada em Los Alamos, em 1983, Jones tratou ineditamente da possibilidade de colonização interestelar como parte dos procedimentos evolutivos de algumas espécies.
Caminhamos para as estrelas
Embasando suas conclusões no passado histórico e evolutivo da humanidade e nas suas características expansionistas, tecnologicamente inovadoras e de natureza inquisitiva, Finney e Jones escreveram no epílogo da obra: “A humanidade se encaminha para as estrelas. Nossos descendentes um dia viverão em outros planetas do Sistema Solar e talvez desejarão colonizar outros sistemas estelares e até mesmo o espaço interestelar. Problemas imensos — técnicos, econômicos, políticos e sociais — terão de ser resolvidos para que isso ocorra e a vida humana possa se espalhar pelo espaço”. O resultado da conferência de Los Alamos sugeria duas vias de investigação da questão: o problema da razão de os extraterrestres não estarem aqui agora — segundo o Paradoxo de Fermi — e a possibilidade de os humanos explorarem o universo. Seja a vida fora da Terra alienígena ou descendente de humanos, isso implica que antropólogos e cientistas sociais deverão ter um papel ativo no estudo
de tais culturas.
Benefícios?
A interação entre o Projeto SETI e as ciências sociais nos últimos 15 anos se manteve em um nível informal, sem grandes avanços. Nas reuniões da Federação Astronômica Internacional (FAI) e da União Astronômica Internacional (UAI), além de conclaves de bioastronomia, cientistas sociais se tornaram uma companhia ocasional para outros especialistas na questão da vida extraterrestre. Mas, no início da década de 90, tivemos outros esforços substanciais para integrar estes grupos. Foi quando John Billingham, da NASA, liderou uma série de palestras sobre os aspectos culturais do Projeto SETI — pela primeira vez cientistas sociais foram plenamente integrados na discussão das
implicações do contato com extraterrestres. Entre conclusões alcançadas nestas ocasiões estava que a NASA deveria estudar analogias desenvolvidas a partir das experiências humanas prévias de evolução para tentar compreender como poderiam ter se desenvolvido possíveis civilizações que encontraremos um dia — um estudo assim poderia facilitar nosso futuro encontro com elas.
Mas ainda há indivíduos talentosos em outros campos do saber tentando prestar uma assessoria aos cientistas do SETI, uma contribuição que vai além do espectro das ciências sociais. Em After Contact: The Human Response to Extraterrestrial Life [Depois do Contato: A Resposta Humana à Vida Extraterrestre, Perseus Books, 1997], o psicólogo Albert Harrison indicou um caminho mostrando como campos de estudo como a psicologia, a sociologia e a antropologia podem contribuir na construção de uma ideia de contato com outras avançadas inteligências cósmicas — uma abordagem que pode ser transposta para a astrobiologia.
Oportuno também é o trabalho de Douglas Vakoch na construção de um modelo de mensagem interestelar, com ênfase na relação entre a linguagem e a cultura humanas, que tem muito em comum com a antropologia linguística. Vakoch, um dos diretores do Projeto SETI, também foi instrumental em movimentar a comunidade antropológica para a busca de vida extraterrestre inteligente. Sua conferência Antropologia, Arqueologia e Comunicação Interestelar, proferida na reunião anual da Associação Antropológica Americana, em 2004 — 30 anos depois da primeira do órgão sobre o assunto —, demonstra o potencial para uma atuação mais destacada para os antropólogos no processo de perscrutação, descoberta e assimilação de vida extraterrestre inteligente. Possivelmente, a maior contribuição da comunidade antropológica para o SETI sejam os textos de ficção da antropóloga Mary Doria Russell The Sparrows, Children of God [Os Pardais, Crianças de Deus, Transworld, 2010], que oferece hipóteses para os temas que devem ser realmente estudados neste trabalho.
Inteligências artificiais
Em sentido mais amplo, enfim, concluímos que é a evolução cultural que comanda as relações entre o Projeto SETI e a antropologia. Se, como acredita a maior parte dos cientistas que buscam formas de vida extraterrestre no universo, elas têm milhões ou bilhões de anos de idade, só há uma certeza: elas devem ter passado por uma evolução cultural neste espaço de tempo. Isso quer dizer que sociedades galácticas devem ter surgido, evoluído, se expandido e talvez até migrado para outros pontos do espaço, colonizando planetas longe ou perto dos seus. Alguém poderia argumentar também em outra direção — por exemplo, a de que o universo pode ser pós-biológico, cheio de inteligências artificiais, precisamente porque se deve ter em conta a evolução tecnológica das espécies, que fatalmente, assim como ocorreu na Terra, levaria à descoberta da inteligência artificial.
Enfim, como se vê, com suas ideias e conceitos, a antropologia tem feito contribuições variadas à iniciativa de busca por formas de vida inteligente no cosmos, todas as quais mereceriam um desenvolvimento sistemático mais aprofundado. Entre os principais subsídios está a Teoria da Evolução das Civilizações Tecnológicas, que pressupõe que, usando dados empíricos obtidos do estudo de culturas terrestres, podemos estimar como poderia ser a evolução de civilizações tecnologicamente mais avançadas. Essa é uma questão para a antropologia sociocultural e física, e o potencial dessa abordagem tem sido percebido desde a década de 60.
Também vem da antropologia em auxílio ao programa de busca por vida extraterrestre inteligente o Conceito de Contato Cultural, que postula que, usando estudos análogos de contatos entre culturas da Terra, podemos desenvolver cenários de contato com inteligências extraterrestres, estendendo a antropologia cultural para a realidade extraterrestre. No entanto, já que o SETI busca contato remoto com outras inteligências cósmicas apenas via rádio, em vez do contato direto, a transmissão de ideias mais elaboradas e complexas pode ficar comprometida devido às circunstâncias — se um contato físico com culturas extraterrestres pudesse ser feito em um algum momento do futuro, a antropologia cultural e até mesmo a arqueologia se tornarão mais relevantes para compreendê-lo e lidar com ele.
Mensagem Interestelar
Outra importante contribuição da antropologia para o SETI está no processo conhecido como Decifração e Construção de Mensagem Interestelar. O citado Philip Morrison argumentou que descriptografar uma mensagem interestelar pode ser um problema tão grande quanto recebê-la, algo que pode requerer — como de fato ocorre — décadas de esforços de equipes multidisciplinares e com pouco ou nenhum resultado prático. Pois também aqui a antropologia linguística tem um papel a desempenhar para abreviar as dificuldades, tanto na decifração quanto na construção de mensagens interestelares.
Por fim, temos na chamada Difusão Cultural mais uma forma de colaboração da antropologia à questão da procura por vida extraterrestre inteligente. Estudos análogos da migração humana sobre a Terra podem guiar o Paradoxo de Fermi de forma a compreendermos a razão da ausência de outras espécies cósmicas se mostrarem ativas em nosso planeta — e não de forma subliminar, como a Ufologia documenta há seis décadas e meia. Enfim, todas essas linhas de estudo caem diretamente na esfera do SETI para iluminar o terceiro componente da Equação de Drake, exatamente o cultural, que lá atrás enfatizamos. De tudo isso se depreende que, se os antropólogos têm qualificação ideal para contribuir com a busca por formas de vida inteligente, por seu conhecimento e treinamento, também a perspectiva extraterrestre tem muito a oferecer à antropologia, não apenas expandindo suas fronteiras, mas desenvolvendo ferramentas e fornecendo um novo ponto de vista sobre as nossas próprias culturas terrestres.
Finalmente, a participação dos antropólogos no programa de busca por vida extraterrestre inteligente é parte de um problema maior que consiste em trazer as ciências sociais e humanas para sua alçada e participarem ativamente do processo. O empreendimento poderia ser importante para o que o entomologista Edward Osborne Wilson denominou “consil
iência”, ou seja, a unidade do conhecimento. O citado Ben Finney também declarou seu ponto de vista sobre o SETI, argumentando que ele tem “o potencial para ir além de um conjunto de antenas ouvindo estrelas e desempenhar um papel maior para transcender as fronteiras do conhecimento humano”. Para isso, ele precisa dos antropólogos. Em 35 anos trabalhando nesta área, descobri que nada tem potencial maior para unificar conhecimento do que a ideia de inteligência extraterrestre — e isso tem que ser visto com naturalidade.
A equação de Frank Drake
A chamada Equação de Drake, proposta por Frank Drake em 1961, foi formulada com o objetivo de fornecer uma estimativa do número de civilizações em nossa galáxia, a Via Láctea, com as quais poderíamos ter chances de estabelecer comunicação. Seu maior problema, segundo os críticos, é que a equação, na época em que foi concebida, não previa que civilizações pudessem sair da sua galáxia original para colonizar outras. Assim sendo, entrariam também em conta as equações da dinâmica populacional. A equação da fórmula é:
N = R* . fp . ne . fl . fi . fc . L
N Número de civilizações na Via Láctea cujas emissões eletromagnéticas são detectáveis.
R* Taxa de formação de estrelas apropriadas ao desenvolvimento de vida inteligente.
fp Fração dessas estrelas com sistemas planetários.
ne Número de planetas por sistema estelar com ambiente propício à vida.
fl Fração de planetas propícios onde a vida realmente surge.
fi Fração de planetas onde a vida inteligente pode ter início.
fc Fração de civilizações com uma tecnologia capaz de emitir no espaço sinais detectáveis de sua existência.
L Espaço de tempo em que essas civilizações enviam sinais detectáveis ao espaço.