A revelação feita por cientistas do CERN de que flagraram partículas viajando acima da velocidade da luz [Veja Velocidade da luz é batida por experimento] – algo até agora considerado impossível – pôs a comunidade científica em suspense. Entre a cautela e o assombro, muitos físicos apostam em um possível erro do laboratório europeu.
Mas, dada a respeitabilidade do centro científico que criou o acelerador de partículas Grande Colisor de Hádrons (LHC), todos aguardam o seminário que será realizado nesta sexta-feira para discutir as medições e, mais ainda, futuras tentativas de reproduzir o mesmo experimento. A cautela é compreensível: caso a descoberta se confirme, a física como a conhecemos poderá mudar para sempre.
Em entrevista ao site da Veja, o físico brasileiro Ernesto Kemp disse ser bem possível que esteja errada a velocidade dos neutrinos medida no trajeto de 732 km entre o CERN, em Genebra, na Suíça, e o detector de partículas OPERA, em Gran Sasso, na Itália. Contudo, o cientista está apreensivo porque conhece o trabalho do OPERA. Kemp trabalha no laboratório ao lado: é colaborador do Large Volume Detector [Grande Detector de Volume, LVD], um experimento que também mede neutrinos, mas vindos do espaço e não do CERN. “Conheço o trabalho dos pesquisadores do OPERA e eles não teriam publicado um dado assim se não tivessem certeza das medições que fizeram”.
De acordo com Kemp, apesar de o LVD não ter recebido o mesmo ajuste fino que o OPERA para analisar o feixe de neutrinos, seu experimento nunca detectou tamanha discrepância. “Pelo contrário, sempre percebemos que os neutrinos viajavam dentro da velocidade da luz, em concordância com a Teoria da Relatividade“, disse.
Incerteza e erro sistemático
Em entrevista à revista Science, Chang Kee Jung, porta-voz de outro experimento que faz a detecção de neutrinos, chamado T2K, explica que a parte complicada neste tipo de estudo é medir com precisão o tempo entre a criação da partícula e o momento em que ela atinge o detector. A medição depende do Sistema Global de Posicionamento (GPS), e a margem de erro pode chegar a dezenas de nanossegundos, diz ele, e não apenas 10, como o grupo do CERN afirma ter conseguido.
Em 2007, Philippe Gouffon, professor do Departamento de Física Experimental do Instituto de Física da USP, também observou neutrinos acima da velocidade da luz em uma pesquisa feita na universidade, publicada no Physical Review D, periódico da Sociedade Americana de Física. Ele afirma, contudo, que o resultado foi descartado por estar dentro do intervalo de incerteza, comum nesse tipo de experimento. “Vamos rever nossos experimentos”, disse ao site da Veja.
De acordo com Gouffon, o experimento do CERN ainda precisa ser confrontado: há uma série de erros possíveis. Assim como apontou Chang Kee Jung na Science, Gouffon também citou a possibilidade de um erro de sincronização no GPS. “E há outro problema: os próprios aparelhos de GPS são feitos baseados na Teoria da Relatividade”, disse. “É como tentar medir um erro no instrumento usando o próprio instrumento”.
Desvios metodológicos deste tipo acabam influindo em todo o experimento. É o que os cientistas chamam de “erro sistemático”, o que explicaria por que 16 mil medições feitas pelos cientistas do CERN podem estar todas erradas. De qualquer forma, adverte Gouffon, é preciso esperar pelo seminário que ocorrerá nesta sexta-feira para confirmar os resultados. “Será chocante se isso estiver correto”.
Revoluções e ficção científica
Kemp explica que se os resultados estiverem corretos, a revolução será profunda, mas não irá invalidar as descobertas já feitas a partir da Teoria da Relatividade, pilar da física moderna, em que Albert Einstein postulou que a velocidade da luz não depende de referencial e nada pode ultrapassá-la.
“Einstein não invalidou o mundo todo construído a partir da mecânica clássica”, disse Kemp. “Quando propôs a Teoria da Relatividade, ele estava tentando pacificar várias observações físicas que não eram compatíveis teoricamente. Agora, se for provado que o neutrino viaja acima da velocidade da luz, os teóricos terão que quebrar a cabeça para juntar essa observação a tudo que já construímos em uma teoria única”. O pesquisador lembra que tudo na ciência é feito com muita cautela e em passos de formiga. Daí a necessidade de replicar diversas vezes o experimento.
Se confirmada, a descoberta pode dar margem a desdobramentos que hoje só a ficção científica pode vislumbrar. “Quando você postula a existência de partículas que são mais rápidas que a luz, elas teriam acesso a regiões do espaço-tempo antes proibitivas. Aí é domínio da especulação e ficção científica: seria possível voltar no tempo, alimentando equações da mecânica quântica com partículas mais rápidas que a luz com acesso a regiões do espaço-tempo no passado”, disse Kemp. “Uma coisa é certa: se for verdade, é uma espécie de revolução. Muita coisa terá que ser revista e tudo isso é muito empolgante.”
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