O debate sobre microorganismos espaciais que chegam à Terra ganhou força em setembro, depois da queda de um meteorito na localidade de Caranca, perto de Puno, no Peru. Na tarde do dia 15, o bólido produziu uma cratera de 6m de profundidade por 30m de diâmetro e fez com que dezenas de pessoas tivessem mal-estar. A tese mais provável é de que elementos químicos no solo de Caranca tenham causado os problemas de saúde. No entanto, para alguns cientistas, é possível que objetos espaciais tragam microorganismos ao planeta, e seus efeitos sobre os seres humanos sejam desconhecidos. O caso mais eminente é o da bactéria Deinococcus radiodurans. Descoberta em 1956, ela ainda é um mistério para a ciência. O microorganismo, batizado de Conan, pode suportar até 5 mil grays de radiação (unidade de dose absorvida de raios gama), enquanto 10 grays são suficientes para matar uma pessoa.
Em entrevista ao Correio, o astrônomo russo Alexander Pavlov, professor do Laboratório Planetário e Lunar da Universidade do Arizona (Estados Unidos), sugeriu que Conan tem origem extraterrestre. Ele acredita que ela teria chegado à Terra por meio de um meteorito proveniente de Marte. Apesar de ser criticado por vários colegas, Pavlov garante que sua tese tem consistência. “Há um número de bactérias que vivem na Terra e apresentam qualidades bem bizarras. Um exemplo é a radioresistência, incomum por aqui por não existirem fontes naturais de radiação ionizante na superfície terrestre”, sustenta.
Simulação – Uma linha da astronomia credita essa habilidade ao efeito colateral da não-absorção de líquidos. O estudioso russo não aceitou a hipótese e conseguiu provocar radioresistência em bactérias comuns expostas à simulação das condições da superfície marciana, durante estudos em laboratório. “Foi comprovado, por diferentes grupos de pesquisadores, que os esporos de várias bactérias são capazes de resistir aos perigos do espaço sideral”, lembra Pavlov. De acordo com ele, não há razão para que o processo de troca de biota — conjunto dos seres animais e vegetais — entre a Terra e Marte, por meio de meteoritos, seja inexistente. Ao analisarem fragmentos dessas estruturas, Pavlov e sua equipe detectaram a presença de aminoácidos, compostos básicos para o desenvolvimento da vida.
Para Chandra Wickramasinghe, professor do Centro de Astrobiologia da Universidade de Cardiff (Reino Unido), as evidências indiretas de micróbios vindos do espaço são fortes. Nos últimos anos, o especialista cingalês desenvolveu a tese da panspermia — segundo a qual “sementes de vida” já existiam no universo — e propôs que microorganismos entram na atmosfera terrestre para provocar surtos, epidemias e novas doenças. Em 2002, Chandra e cientistas da Organização de Pesquisa Espacial Indiana (ISRO) coletaram amostras das bactérias Bacillus simplex e Staphylococcus pasteuri e do fungo Engyodontium album na estratosfera, a 41km de distância da Terra. “Esses micróbios estavam vivos e foram detectados a uma altitude muito grande para pressupor que tivessem sido lançados da superfície da Terra”, comenta o cingalês.
No caso do meteorito que caiu no Peru, matando um boi, a hipótese de efeitos colaterais causados por algum organismo extraterrestre é praticamente descartada. Horas depois da explosão, o peruano Honorio Campoblanco Díaz, coordenador do Departamento de Engenharia Geológica da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, foi até a região para estudar o fenômeno. Por telefone, ele contou ao Correio que, ao entrar na atmosfera terrestre, o meteorito produziu temperaturas muito altas, acima de 500 graus centígrados, e caiu numa região plana que formava um lago 2 mil anos atrás. “O impacto produziu reações termoquímicas de diferentes naturezas, levando à vaporização de muitos elementos químicos, como alumínio, cálcio, magnésio e ferro”. A liberação de gases fez com que entre 20 e 22 pessoas reclamassem de dores de cabeça, diarréia e problemas respiratórios. Díaz revela ceticismo ao ser questionado sobre uma suposta ligação entre meteoritos e microorganismos. “Uma bactéria ou vírus teria de passar por uma série de processos termodinâmicos no traslado até a Terra. Os raios ultravioletas e as radiações cósmicas afetariam qualquer microorganismo”, afirma.