Segunda-feira, 23 de junho de 1969. Passava da meia-noite, chovia fino e ventava fraco quando Dayse Arantes Carneiro, 42 anos, dona-de-casa e ex-datilógrafa, chamou a atenção do filho para um ponto que brilhava no céu sem estrelas do centro-norte de Minas Gerais – mais precisamente entre as cidades de Guaraciama e Bocaiúva, a cerca de 400 km de Belo Horizonte.
A bordo de uma caminhonete Rural Willys, a 40 km/h, Dayse notou um objeto flutuando sobre as árvores, a 500 m de distância, no pé do morro. “Era algo semelhante a uma fogueira”, relatou na época. “Ou a um edifício redondo com as janelas iluminadas à noite”.
No dia seguinte, a dona-de-casa acordou com os olhos inchados e doloridos. Caminhou até o espelho e percebeu que estavam opacos. A sensação desapareceu depois de alguns dias. Nunca sentira algo parecido.
Um mês e meio depois, Dayse relatou o caso para um funcionário do Sistema de Investigação dos Objetos Aéreos Não Identificados (Sioani), órgão da Aeronáutica criado em abril de 1969 e extinto três anos depois pelo governo Médici.
O rapaz analisou as características físicas e psíquicas da depoente – considerada sã – e preencheu um relatório de 22 páginas, arquivado sob uma sigla de informação classificada das Forças Armadas.
Hoje, o documento está entre as quase 5.000 páginas abrigadas no Arquivo Nacional, em Brasília, disponíveis ao público, que detalham aparições de objetos voadores não identificados, supostos extraterrestres e casos de pessoas infectadas por focos de luz registrados no Brasil de 1952 a 2009. É possível acessar boa parte do material pela internet [No Portal da Ufologia Brasileira].
Idealizado pelo major-brigadeiro José Vaz da Silva e pelo major-aviador Gilberto Zani de Mello – ambos falecidos – o Sioani reuniu e investigou todos os casos relacionados a UFOs no Brasil durante os três anos de existência. Por não ser uma atividade prioritária para o governo, o órgão encerrou as atividades.
A Aeronáutica explica que não dispõe de equipamentos ou recursos para fazer investigações de UFOs, por isso se limita a fazer o registro de episódios relatados. Esse registro continua a ser obrigação das Forças Armadas. A Força Aérea Brasileira (FAB), por exemplo, desenvolveu um questionário padrão que até hoje é preenchido por quem afirma ter presenciado algum fenômeno extraterrestre.
A abertura dos documentos começou em outubro de 2008, depois de insistentes pedidos de ufólogos brasileiros. Contudo, só no fim de 2010, por meio da portaria 551/GC3, o tenente-brigadeiro-do-ar Juniti Saito regulamentou o acesso aos papéis, definindo como seriam recebidos, catalogados e arquivados.
Assim como ocorre em todos os países, Ufologia e teorias da conspiração também andam de mãos dadas no Brasil. Enquanto a Aeronáutica garante que 100% dos documentos foram liberados, os ufólogos falam em menos de 5%.
“Estimo que 2% ou 3% do total de documentos existentes foram revelados pelo governo”, diz Ademar José Gevaerd, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores (CBPDV) e editor da Revista UFO. “Eles liberaram menos de 400 páginas relativas a toda a década de 2000. Eu, sozinho, produzo isso em três meses”.
Fernando de Aragão Ramalho, vice-presidente da Entidade Brasileira de Estudos Extraterrestres (EBE-ET) [Coordenador da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) e co-editor da Revista UFO], concorda: “Com certeza absoluta as Forças Armadas escondem parte do material”. A dupla afirma que durante anos teve acesso a documentos que não constam do lote disponibilizado pelo governo.
A Aeronáutica nega. “Em cumprimento à determinação do Comando da Aeronáutica, desde agosto de 2010, o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA), que tem como missão realizar a defesa do território nacional contra todas as formas de ataque aeroespacial, passou a enviar anualmente todos os seus registros sobre avistamentos para o Arquivo Nacional. Todos os registros, sem exceção, estão sendo repassados”, afirmou, em nota, o Centro de Comunicação Social da Aeronáutica.
As divergências entre ufólogos, militares e cientistas são tão antigas quanto a existência de pessoas que afirmam ter visto UFOs e ETs. Em 27 de junho de 1986, por exemplo, o ufólogo Claudeir Covo e o físico da Universidade de São Paulo (USP) Luiz Carlos Menezes protagonizaram um debate nas páginas do Jornal da Tarde.
“É sério, os discos voadores existem, e os ETs estão interessados na Terra”, declarou Covo. Menezes rebateu: “Ah é? Então, por que não descem para um café?”. Uma das primeiras referências da humanidade a discos voadores, segundo os ufólogos, aparece registrada na Bíblia. Em 60 a.C., o profeta Ezequiel parou às margens do Rio Quebar, na Mesopotâmia, e avistou “uma roda dentro de outra roda, toda cheia de olhos, que desceu do céu numa nuvem de fumaça”. Os teólogos atribuem a imagem a “uma visão divina”.
Desde então, o formato de objetos voadores como os descritos por Ezequiel tornaram-se um clássico. No Brasil, o mais célebre deles entrou para a história depois da Operação Prato [Veja edições UFO 114, 115, 116 e 117, como também os documentos oficias da OP, prontos para baixar em http://ufo.com.br/documentos/] – que deslocou militares da FAB até o Pará para investigar estranhas aparições.
Em outubro de 1977, no município de Colares, perto da ilha de Marajó, um misterioso objeto luminoso era visto sempre depois das 19h00 voando a poucos metros do solo. Nos documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) o caso aparece descrito como um UFO que emitia um intenso foco de luz na direção das pessoas que, trêmulas, perdiam os sentidos e amanheciam doentes.
Wellaide Cecim de Carvalho, na época médica da Unidade Hospitalar de Colares, confidenciou aos agentes do SNI que havia atendido homens e mulheres com pequenos orifícios na pele, paralisia generalizada e queimaduras. Prestes a enviar relatórios à Secretaria Estadual de Saúde, Wellaide preferiu conter-se, com medo de cair no ridículo.
Alfredo De La Ó, pad
re da cidade, e Ildone Favacho Soeiro, prefeito de Vigia, município vizinho, também declararam ter visto o UFO: “Um objeto que cruzava o céu em espantosa velocidade, lançando uma luz amarela e em absoluto silêncio”. O SNI enviou uma equipe para fotografar o que a população ribeirinha chamava de “bicho”.
Munidos com uma câmera Minolta SRT-101, os oficiais conseguiram registrar a imagem: “uma mancha clara, como uma luz, não permitindo que se faça qualquer conjectura sobre a sua forma”. Entretanto, quando voltaram a Belém, mantiveram-se lacônicos, também com receio de serem ridicularizados pelos colegas.
Durante dias, no crepúsculo, os moradores de Colares continuaram a organizar procissões, acender fogueiras e soltar foguetes com o objetivo de espantar o “bicho”. O caso ganhou proporções mundiais e o assunto foi destacado nas capas de vários jornais.
Igualmente emblemático, outro episódio que impressionou ufólogos do mundo inteiro foi A Noite Oficial dos UFOs no Brasil, em 19 de maio de 1986: um controlador de tráfego aéreo de São José dos Campos detectou luzes desconhecidas nos céus da região e avisou a FAB. Rapidamente, caças supersônicos foram deslocados para perseguir os UFOs, sem no entanto localizá-los [Veja edição UFO 160].
No entanto, o caso Roswell brasileiro aconteceu em Varginha, meio século depois do mais famoso episódio extraterrestre da história dos Estados Unidos. Enquanto os ufólogos americanos acusam o governo de ter apreendido artefatos e corpos de alienígenas, capturados depois da queda de um disco voador no Novo México, em 1947, os brasileiros acreditam que o ET mineiro (por adoção, é bom ressaltar) só parou de visitar a região depois de ter sido aprisionado pelo Exército em 20 de janeiro de 1996.