O cirurgião e tenente médico que procedeu à punção do abscesso em uma das axilas do policial Marco Eli Chereze foi indiciado em inquérito pelo delegado de Polícia Civil de Varginha. Mas o processo recebeu do promotor de Justiça parecer no sentido de que a competência para julgar a ação seria da Justiça Militar, uma vez que a operação tinha sido efetuada por um militar, em outro militar. Somente esse médico cirurgião tornou-se réu no Caso Varginha. O processo contra ele durou mais de oito anos, de 20 de fevereiro de 1997, quando o delegado enviou o inquérito ao fórum de Varginha, até a sentença na Justiça Militar, em 25 de fevereiro deste ano.
O tenente médico foi absolvido por ter ficado provado que a bactéria que matou o soldado não foi a encontrada na axila, no local da intervenção. O advogado que o defendeu, Hugo José de Oliveira Filho, declarou à Revista UFO que o fundamento da sentença realmente foi a total inexistência de prova do alegado crime. O promotor de Justiça que atuou no processo chegou a pedir a absolvição do médico denunciado, por haver dúvida entre os laudos colhidos, no tocante ao procedimento cirúrgico. Porém, o advogado de defesa defendeu a tese de que, mais do que isso, ficara provada a inexistência de nexo causal entre a cirurgia e a morte. Portanto, total falta de prova do crime.
As provas do processo — A inexatidão é fato comum em atividades científicas, assim como procedimentos médicos são diversificados no tocante a certos tipos de intervenções cirúrgicas, desde as mais simples. Por isso que, no inquérito policial destinado à apuração das condições em que se deu a morte de Chereze, um dermatologista prestou depoimento informando que uma infecção pelo sangue – onde os glóbulos vermelhos foram infectados e atacados pelos glóbulos brancos – a presença de granulações tóxicas finas poderiam denotar sim um contágio pela pele. Ou seja, um contágio pela pele de eventual substância tóxica que atacou os glóbulos vermelhos. No entanto, o doutor Cesário Lincoln Furtado, que também atendeu ao policial falecido, não concorda com a tese. Ele acredita não haver qualquer relação entre essas coisas. Discordou também da afirmação de que poderia demorar alguns dias para se concretizar o processo, mas que, quando este ocorre, é fulminante.
Para ele, isso não é verdade, muito pelo contrário. “Se um contágio assim ocorresse pela pele, as pessoas estariam fulminadas todos os dias”, disse Furtado. Chegou a haver dúvida sobre a culpa do médico cirurgião do Exército, por não ter providenciado a raspagem dos pêlos próximos da axila do policial, o que poderia ter desencadeado uma infecção grave. Porém, os pareceres de médicos e de peritos, colhidos nos próprios autos da ação penal, divergiram quanto a isso. O Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais, através do conselheiro Raul Franco Filho, respondeu a indagação do juiz que presidia o processo, informando que a boa técnica cirúrgica prevê que, para a execução da drenagem de abscesso na axila, inicialmente proceda-ser à anti-sepsia da região com limpeza da mucosa e raspagem de pêlos – tricotomia.
O juiz auditor da primeira auditoria militar estadual de Belo Horizonte, que presidiu o processo, nomeou então o tenente-coronel da Polícia Militar José Ricardo de Paula Xavier Vilela, da junta central de saúde da PM mineira, como perito. Respondendo aos quesitos apresentados, o médico Vilela atestou que o consenso na literatura cirúrgica, quanto à raspagem de pêlos no campo operatório, é de que ela deve ser feita em cirurgias limpas, o que não foi o caso de Chereze. Mesmo assim, não é obrigatória, devendo ser realizada imediatamente antes do ato operatório para evitar colonização de pele em locais de micro-lesão, que acontece com a raspagem.
Raspagem não aconselhada — O perito afirmou ainda que em cirurgias infectadas, como a do caso do policial, vez que se tratava de abscesso, deve-se evitar a raspagem. “Isso porque as micro-lesões da pele, causadas pela raspagem, podem facilmente se contaminar pelas bactérias que estão drenando do foco de infecção”, afirmou. O uso de antibióticos, não obrigatório em cirurgias limpas, ocorre em procedimentos infectados e podem ser ministrados antes, durante ou logo depois do procedimento. Ainda segundo o perito, nos casos de drenagem de abscesso a utilização de antibióticos não é sempre obrigatória, “uma vez que o abscesso forma como que um ‘cisto’ que o separa do tecido são, ficando sua utilização a critério do que o profissional observa durante a drenagem, em relação aos tecidos que o circundam”. De fato, portanto, ficou evidenciado em todos os procedimentos médicos que a incisão para retirada do abscesso já estava cicatrizada, com coloração normal e sem inchaço, quando Chereze deu entrada no hospital.
Ficou também confirmada a origem das bactérias que levaram o policial à morte. A perícia médica no processo destacou que, nos dados disponíveis, foram identificadas duas bactérias de caráter patogênico – causadoras de doenças. A enterobacter sp, na urina, e a enterobacter aerógenes, no pulmão. Além delas, foi encontrada a staphylococus scheleferi, na lesão da axila. Neste ponto, o perito foi claro e objetivo: a bactéria encontrada no pulmão, a mais suspeita de ter causado a septicemia, foi a mesma da urina, e não a da axila. Segundo o perito, a cicatrização no local da intervenção é um forte indício de controle da infecção. “Ora, se houvesse manutenção do dano aos tecidos, causado pela infecção, seria de se esperar que houvesse drenagem de secreção em pelo menos algum ponto de cicatrização”, encerrou o perito. Por fim, o laudo pericial esclareceu que o controle da infecção no interior do tecido de Chereze só se pode confirmar após a cultura de material retirado.