Se algum ambiente da Terra ainda pode ser considerado totalmente intocado, este é o caso do Lago Vostok. Até hoje “visto” apenas por radar, está escondido nas profundezas da Antártica, coberto por uma camada de quatro quilômetros de gelo.
Os cientistas acreditam que ele está assim, selado e isolado do restante do macroambiente terrestre, aí incluída a atmosfera, há pelo menos 14 milhões de anos. O que pode haver lá ninguém sabe, mas as especulações incluem formas de vida únicas, que evoluíram de maneira independente.
O fato é que, o que quer que viva ali, são organismos muitos antigos – ou, quem sabe, formas de vida totalmente desconhecidas. Mas esse suspense não vai durar por muito tempo.
O Secretariado do Tratado da Antártica, organismo supranacional que cuida da preservação do continente, autorizou a primeira captura direta de uma amostra de água do Lago Vostok. Os pesquisadores do instituto russo Arctic and Antarctic Research Institute (AARI) já estão a postos e esperam que sua perfuratriz atinja o até agora insondável do Vostok ainda neste mês de janeiro.
A grande preocupação do Secretariado era evitar qualquer contaminação das suas águas. Autorização foi dada depois que os russos idealizaram uma técnica de exploração bastante engenhosa, em que a pressão da água do próprio lago irá empurrar todo o aparato de perfuração para cima, congelando-se em seguida e selando-o novamente.
Na verdade, a proposta foi feita em 1998. Seguiram-se etapas exaustivas em que especialistas questionavam cada chance de erro do procedimento proposto pela equipe. Mas parece que eles conseguiram convencer a todos.
Fronteira desconhecida – Agora que a autorização foi concedida, os pesquisadores russos, sediados na estação que também leva o nome de Vostok, correm contra o tempo, à medida que se aproxima o fim da estação de pesquisas na Antártica.
Segundo Valery Lukin, do AARI, a base do novo poço está agora a 3.650 m, mais ou menos 100 metros acima do lago. “Nós primeiro vamos usar uma broca mecânica e [a mistura tradicional de] freon e querosene para atingir 3.725 m. Então, uma nova cabeça de perfuração termal especialmente desenvolvida, usando um fluido limpo à base de óleo de silicone e equipada com uma câmera, vai passar pelos últimos 20 a 30 metros de gelo”, informou Lukin.
Embora o Lago Vostok seja bem conhecido a partir de dados sismológicos e de radar, essas informações não são precisas o suficiente para determinar exatamente a que profundidade está a fronteira entre o gelo e a superfície líquida do lago.
Conforme Lukin, em entrevista ao jornal The Voice of Russia, os métodos geofísicos utilizados têm uma margem de erro de 20 m. “Assim, a fronteira gelo-água pode estar localizada entre 3.730 e 3.770 m. Nós esperamos, mas não temos certeza que será possível, alcançar o lago durante esta estação Antártica, porque não podemos avançar mais do que quatro metros por dia, dadas as circunstâncias”, relatou.
Com isso, os cientistas não conseguem prever com exatidão quando seu mecanismo automático entrará em ação e trará à superfície as amostras tão esperadas, uma verdadeira cápsula do tempo, isoladas da atmosfera e da biosfera terrestre por milhões de anos.
“Naturalmente, será um excelente material natural para desenvolver tecnologias, resolver problemas de engenharia e conduzir experimentos voltados para a busca de vida em outros planetas do Sistema Solar”, completou Lukin.
Lagos na Antártica – O glaciologista russo Igor Zotikov foi o primeiro a propor a existência de lagos abaixo da superfície da Antártica. Ele estimou que o calor do solo da regiãofundiria o gelo e a grossa camada acima funcionaria como uma espécie de garrafa térmica, fazendo com que a água em estado líquido se acumulasse.
Mais tarde, dados sísmicos e de radar confirmaram a existência de um gigantesco lago abaixo da estação russa Vostok, que herdou seu nome e tem 20.000 km quadrados de área, com profundidade de 740 m de água líquida.
Atualmente já são conhecidos mais de 150 desses lagos subglaciais.