Um capítulo incerto do provável passado molhado de Marte – cheio d\’água corrente, talvez com condições favoráveis à vida – acaba de ganhar novas evidências a seu favor. Um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos e do Canadá está propondo uma nova hipótese para explicar a aparente presença de uma “linha costeira” de mais de 2 bilhões de anos no planeta. A aposta deles: ela realmente marca um imenso oceano, que um dia cobriu as planícies do norte do planeta. A idéia é antiga, mas até hoje havia um problema sério para apoiá-la. Os oceanos seguem obrigatoriamente a distribuição da gravidade ao longo da superfície de um planeta: é essa distribuição, ligada à topografia planetária, que “diz” para a água onde e como ela deve se distribuir.
Os contornos do suposto litoral oceânico marciano se parecem muito com os da Terra, exceto por uma diferença suspeita: eles são irregulares demais e dão a impressão de não seguir esse “caminho mais fácil” ditado pela gravidade. Assim, aparentemente era necessário achar outra explicação para a origem do suposto litoral. No estudo na edição desta semana da revista “Nature” (www.nature.com), porém, a equipe liderada por J. Taylor Perron, da Universidade da Califórnia em Berkeley, parece ter resolvido o paradoxo. Eles propõem que o formato bagunçado do litoral pode ser explicado por variações no eixo de rotação do planeta – ou seja, a maneira como ele gira em torno de si mesmo. Essas mudanças fariam com que, ao longo do tempo, a posição dos pólos Sul e Norte de Marte migrassem. Com isso, a distribuição do oceano também ficaria “fora de esquadro”, distante do esperado num planeta estável.
Que tipo de cataclismo seria necessário para ocasionar isso? Os pesquisadores apostam nas imensas erupções vulcânicas que afetaram o planeta antes de 2 bilhões de anos atrás. Uma delas, a da região de Tharsis, lançou na superfície um volume de material 10 mil vezes maior que o maior dos vulcões da Terra, o Mauna Loa, no Havaí. A formação de uma pilha tão grande de material num só lugar seria o suficiente para afetar o equilíbrio da gravidade no planeta e criar o litoral irregular do suposto oceano.