Poucas figuras na história da ufologia exerceram impacto tão profundo, duradouro e transformador quanto Jacques Fabrice Vallée. Astrônomo, matemático, cientista da computação, arquivista de dados, escritor e pensador independente, ele se tornou o protagonista de uma das maiores revoluções conceituais da pesquisa dos UFOs, rompendo com paradigmas, propondo hipóteses ousadas e levando o fenômeno a ser discutido em universidades, laboratórios e até em Hollywood. Seu legado é tão vasto que atravessa mais de seis décadas de investigação rigorosa, diálogo interdisciplinar e refinamento contínuo de ideias, consolidando-o como uma das mentes mais brilhantes e fundamentais do estudo ufológico.
Jacques Vallée nasceu em 24 de setembro de 1939, em Pontoise, França, e desde muito cedo demonstrou fascínio pelos astros. Aos poucos, tornou-se astrônomo amador e, ainda adolescente, colaborava com observatórios franceses, recolhendo dados celestes e acompanhando as descobertas da nova era espacial. Foi nesse período que testemunhou seu primeiro avistamento de um objeto voador não identificado, experiência que marcou profundamente sua vida acadêmica. O episódio ocorreu enquanto trabalhava no Observatório de Paris, onde registrou um objeto que se deslocava de forma inteligente, deixando claro que aquilo não se tratava de fenômeno astronômico ou aeronáutico convencional.
Mais tarde, outro fato contribuiria para moldar sua visão: durante seu trabalho com rastreamento de satélites militares, Vallée observou, no radar, um objeto que se movia de maneira anômala. Quando tentou preservar os dados, um superior ordenou que eles fossem destruídos, alegando que “não era assunto oficial”. O episódio despertou em Vallée a convicção de que existia um esforço institucional para ocultar registros inexplicáveis, e que a ciência precisava assumir seu papel investigativo.
Formado em matemática, física e astronomia, Vallée logo daria um salto decisivo em sua carreira ao mudar-se para os Estados Unidos, onde mergulharia no universo da computação, tornando-se um dos pioneiros na ARPANET — a base da futura internet. A intersecção entre ciência de dados e fenômenos anômalos se tornaria uma das marcas de sua abordagem ufológica.
A Chegada aos Estados Unidos e o Encontro com J. Allen Hynek
Nos Estados Unidos, Vallée conheceu o astrônomo J. Allen Hynek, então consultor da Força Aérea no Projeto Blue Book. O encontro entre os dois foi decisivo para ambos: Hynek encontrou no francês um cientista jovem, ousado e extremamente analítico; Vallée encontrou em Hynek um mentor com acesso a dados militares e uma visão cética, porém aberta ao desconhecido.
Enquanto Hynek evoluía de cético a investigador sério do fenômeno, Vallée já trazia questionamentos profundos sobre as interpretações tradicionais. Ele rejeitava explicações simplistas, acreditando que o fenômeno envolvia elementos físicos, psicológicos, históricos, culturais e até simbólicos. A amizade e parceria entre os dois revolucionaram a ufologia, abrindo espaço para uma abordagem metodológica, estatística e científica, algo raro na época.
Juntos, contribuíram para a desmistificação da ridicularização institucional e ofereceram bases sólidas para tratar o fenômeno UFO como um campo legítimo de investigação.
A grande virada promovida por Jacques Vallée foi sua crítica à hipótese extraterrestre clássica — a ideia de que UFOs seriam naves vindas de planetas distantes, tripuladas por seres biológicos avançados. Para Vallée, essa hipótese é insuficiente e simplista, pois não explica:
- a recorrência histórica do fenômeno ao longo dos séculos,
- a maneira como UFOs parecem manipular a consciência,
- a interação simbólica e folclórica das aparições,
- os efeitos físicos e psicológicos profundos,
- a ausência de comunicação direta,
- a aparente absurdidade de certas manifestações.
Vallée não negava a possibilidade extracósmica, mas afirmava que ela não bastava.
A Hipótese Interdimensional: A Realidade Oculta Entre Nós
Nos anos 1970, Vallée foi o primeiro grande pesquisador a propor uma ideia hoje amplamente discutida: os UFOs podem ser manifestações de inteligências que operam em outras dimensões do espaço-tempo, coexistindo com a nossa realidade, mas normalmente invisíveis a ela.
Segundo Vallée: “O fenômeno é real, mas ele não vem de ‘lá fora’. Ele está aqui, sempre esteve aqui, e manifesta-se conforme nossa capacidade de compreendê-lo.”
Essa teoria influenciaria posteriormente físicos como Michio Kaku, estudiosos como John Keel e correntes inteiras de pensamento sobre universos paralelos, realidades sobrepostas e “espaço-tempo maleável”.
Uma das ideias mais controversas de Jacques Vallée é a noção de que o fenômeno atua como um sistema de controle, algo que interage com a humanidade para moldar crenças, direcionar comportamentos e influenciar a evolução cultural.
Essa interação não seria necessariamente maliciosa nem benevolente. Seria, segundo ele, um mecanismo ou inteligência cujos objetivos ainda desconhecemos, mas que age como um catalisador de transformação.
Vallée sugeriu que muitas experiências religiosas, místicas e sobrenaturais ao longo da história poderiam ter a mesma origem dos modernos avistamentos de UFOs, indicando que o fenômeno adapta-se aos códigos simbólicos de cada época.
O Fenômeno Através dos Séculos: UFOs, Folclore e Religião
Ao estudar textos antigos, mitologias e tradições folclóricas, Vallée percebeu que manifestações semelhantes a UFOs — seres luminosos, discos brilhantes, criaturas não humanas — sempre fizeram parte da história humana.
Para ele, “Os UFOs são a versão tecnológica moderna de um fenômeno que acompanha a humanidade há milênios.”
Essa interpretação desafiou tanto ufólogos tradicionais, que esperavam naves de outros planetas, quanto comunidades religiosas que associavam tais aparições a entidades sobrenaturais.
Jacques Vallée sempre foi um pesquisador de campo. Entre os casos mais importantes que investigou, destacam-se:
- O Caso Socorro (1964)
Talvez o caso mais estudado por Vallée, envolvendo o policial Lonnie Zamora, que viu um objeto oval pousado no deserto do Novo México, com símbolos na fuselagem e pequenos seres ao redor. Vallée concluiu que se tratava de um dos eventos mais sólidos da ufologia moderna.
- A Onda Belga (1989–1990)
Como consultor, Vallée analisou testemunhos e evidências dos gigantescos triângulos negros observados na Bélgica, que mobilizaram até caças militares. Ele considerou essa onda “uma das mais impressionantes da história”.
- Abdução de Juan Pérez (1978)
Vallée conheceu, e investigou, o caso de Juan Pérez, argentino, que foi abduzido quando criança em Venado Tuerto, em 1978. Em 2018 voltou à Argentina e reencontrou Juan, como parte de sua participação no filme “Testigo de otro mundo”.
- Casos Francês e Europeus de Pousos com Evidências Físicas
Vallée estudou rastros no solo, vegetação queimada e deformações magnéticas em pousos de UFOs na França e Marracos, criando uma das primeiras tipologias científicas para casos físicos.
- Caso Trinity: A queda de um UFO nos EUA (1945)
O Caso Trinity é uma história da queda de objeto voador não identificado e teoria da conspiração que usa como plano de fundo o primeiro teste de bomba atômica, no deserto da Jornada del Muerto, no Novo México, EUA. A história se passaria cinco semanas após a detonação da primeira bomba atômica, foi publicada inicialmente em 2003 e se tornou mais amplamente conhecida através de um livro publicado pelo conhecido ufólogo Jacques Vallée com Paola Leopizzi Harris.
De acordo com Jose Padilla e Remigio Baca, quando eram garotos, viram uma luz brilhante, acompanhada por um som de queda. Eles afirmaram terem encontrado um dispositivo acidentado, “em forma de abacate“, com uma protuberância numa extremidade, e tripulada por seres insetoides. Eles relataram ainda que o objeto mais tarde foi removido pelo exército norte-americano.
- Investigação no Brasil: Operação Prato e Caso Colares
O Brasil tornou-se um ponto importante na pesquisa de Vallée. Ele estudou pessoalmente a Operação Prato, analisando a interação entre militares e objetos luminosos que atormentaram ribeirinhos no Pará, causando ferimentos e pânico. Considerou o episódio um dos mais complexos e perigosos da ufologia mundial.
Também estudou os casos dos ataques do “Chupa-Chupa”, descrevendo-o como “um encontro com uma inteligência que parecia testar limites”, reforçando sua ideia de que o fenômeno opera de forma adaptativa e estratégica.
Ele valorizava profundamente a ufologia brasileira, afirmando que o país possuía uma das maiores diversidades de manifestações anômalas do mundo.
Segundo Vallée, “O Brasil é um laboratório natural do fenômeno. Seus casos são fundamentais para entender a inteligência por trás das manifestações.”
Antes de entrar definitivamente na história da ufologia, Vallée já havia feito história em outro campo: no desenvolvimento da futura internet. Como pesquisador da ARPANET, ele ajudou a criar estruturas de comunicação e catalogação de dados que hoje permeiam o mundo moderno.
Seu trabalho em bancos de dados influenciou diretamente seu método ufológico. Ele criou o primeiro sistema computacional de classificação de casos UFO, precursora de modelos usados por organizações como MUFON e NICAP. Para Vallée, estatística e padrões são a chave para decifrar o mistério.
Jacques Vallée em Hollywood: A Mente por Trás do Cinema Ufológico
O impacto de Jacques Vallée na cultura pop é monumental. Steven Spielberg inspirou-se diretamente nele para criar o personagem Claude Lacombe, interpretado por François Truffaut em Contatos Imediatos do Terceiro Grau. Lacombe é um cientista francês carismático, racional, dedicado ao estudo dos UFOs — exatamente o perfil de Vallée.
Além disso, Vallée atuou como consultor formal e informal em diversas produções cinematográficas e documentárias, ajudando roteiristas, diretores e produtores a moldar representações mais realistas ou conceitualmente profundas do fenômeno.
Participou de obras como Mirage Men, The Phenomenon, O Mistério de Skinwalker Ranch e inúmeras séries documentais. Sempre defensor da precisão e da seriedade, Vallée transformou-se em referência obrigatória para autores de ficção científica e roteiristas interessados em retratar o fenômeno de forma mais complexa.
Frases Marcantes: O Pensamento de Um Cientista que Enfrentou o Abismo
As declarações de Vallée tornaram-se marcos da ufologia moderna, expressando sua ousadia intelectual:
- “O fenômeno é real, mas não é o que pensamos que seja.”
- “A hipótese extraterrestre é superficial. O fenômeno é mais complexo do que uma visita interplanetária.”
- “Estamos diante de uma inteligência que interage com a humanidade há séculos.”
- “Os UFOs são uma máscara cultural de algo que sempre esteve conosco.”
Essas ideias, muitas vezes polêmicas, ajudaram a moldar a ufologia do século XXI.
Jacques Vallée não apenas investigou UFOs — ele redefiniu o próprio conceito de fenômeno ufológico. Ao combinar ciência dura, tecnologia, psicologia, antropologia, física teórica e um olhar atento às tradições humanas, ele rompeu com a visão limitada de “naves extraterrestres”, propondo algo muito mais vasto, profundo e inquietante.
Sua obra desafia o senso comum e convida a ufologia a maturar, abandonar dogmas, explorar a consciência, o simbolismo, as dimensões ocultas e a interação contínua entre fenômeno e cultura. Vallée tornou-se, assim, não apenas um pesquisador, mas um dos maiores filósofos do mistério, alguém que compreendeu que a resposta para os UFOs talvez não esteja apenas no céu — mas em toda a estrutura da realidade.
