O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se manifestou acerca do boato sobre uma cidade perdida na Amazônia chamada Ratanabá, negando categoricamente a existência de tal absurdo difundido por Urandir Fernandes de Oliveira, criador de outro engodo estapafúrdio, o E.T. Bilu.
Nos últimos dias, o Iphan se manifestou à respeito do boato descarado da existência de uma cidade perdida na Amazônia, que dataria de cerca de 450 milhões de anos. O Instituto disse, em sua conta no Instagram: “O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) esclarece que é falsa a informação de que está sob sua responsabilidade artefatos da suposta “cidade perdida” de Ratanabá que incluiria cristais, ouros e diamantes. Responsável por promover e coordenar o processo de preservação do patrimônio arqueológico brasileiro, o Iphan repudia a circulação de informações falsas e ressalta que todo e qualquer achado arqueológico deve ser comunicado oficialmente ao Iphan. Neste sentido, o Instituto esclarece que, até o momento, não tem ciência do recebimento de nenhum dado oficial que fundamente a teoria alegada.”
A “descoberta” da cidade vem sendo reivindicada pelo Ecossistema Dakila, uma organização sem vínculo com universidades e órgãos oficiais de pesquisas. O grupo é também responsável por difundir discurso antivacina e crendices já refutadas, como a noção de que a Terra é plana. No dia 01 de junho, a organização publicou nota em que afirma que Ratanabá foi fundada pelos Muril, supostamente a primeira civilização do planeta, e foi capital do mundo há 450 milhões de anos. Teorias conspiratórias sempre existiram, especialmente na política. Mas nos últimos anos chega a grupos políticos que têm vitórias eleitorais muito significativas em vários países. Esta semana, o ex-secretário especial da Cultura, Mario Frias, revelou que há dois anos teve uma reunião com o místico Urandir Fernandes de Oliveira. As teorias dele têm sido desmentidas à exaustão pela imprensa e o místico tem sido ridicularizado e subestimado. Os relatos são realmente risíveis e facilmente desmentidos, mas isso não diminui o poder exercido sobre os grupos que o seguem fielmente. A chegada dessa dinâmica ao cenário político é extremamente preocupante.
Há poucas semanas, perfis que simulam portais jornalísticos nas redes sociais ressuscitaram a história de Ratanabá. Efetivamente houve uma descoberta científica sobre civilizações ancestrais na Amazônia brasileira por meio de satélites, mas o fato foi rapidamente distorcido para fazer parecer uma confirmação da teoria conspiratória. Ela explicaria desde o interesse internacional no território até o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira, o que é falso. O uso político desse movimento de redes sociais é perigoso.
Na suposta época datada para a cidade, a Terra vivia o período Ordoviciano. O planeta começava a ter seus primeiros animais vertebrados e peixes sem mandíbula. Mas as criaturas dominantes eram os invertebrados marinhos, como as trilobitas. Havia um grande oceano, que hoje chamamos de Pantalassa, e a América do Sul estava unida à Índia, à Austrália e à África no continente Gondwana. Os primeiros hominídeos surgiriam centenas de milhões de anos depois, na era Cenozoica. A espécie mais antiga que se conhece, o Homo heidelbergensis, tem cerca de 450 mil anos de idade. Já o ser humano moderno, o Homo sapiens sapiens, apareceu há apenas 200 mil anos, na África.
De acordo com o arqueólogo e pesquisador da região amazônica Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), “(…) nem a América do Sul existia há 450 milhões de anos, quanto mais a Amazônia. O nosso continente começou a se separar da África há cerca de 220 milhões de anos — antes, os dois formavam um só pedaço de terra, chamado Pangeia. Por isso, não há nenhum embasamento na arqueologia e na geologia para a existência de Ratanabá.”
O ex-secretário da Cultura e pré-candidato a deputado federal por São Paulo, Mário Frias (PL), caiu em fake news criada por Urandir.
Fonte: Twitter
Alguns vestígios de assentamentos antigos foram encontrados recentemente na região amazônica, mas nada que embase a teoria da cidade perdida. Em um estudo publicado na revista Nature no dia 25 de maio, pesquisadores da Alemanha descreveram a existência de assentamentos humanos datados de um período pré-colonial na região boliviana da Amazônia. De acordo com a pesquisa, os locais foram construídos pela cultura Casarabe, civilização pré-hispânica, entre 500 e 1.400 d. C.
Segundo Neves, também existiam lugares assemelhados a cidades no Pará e no Alto Xingu. “Essas cidades têm, no entanto, alguns milênios ou muitos séculos de idade, e não 450 milhões de anos”, explica o arqueólogo. Nesses casos, existem evidências de construção de terra, valas, canais e estradas, por exemplo. Ainda que exista pouca arquitetura de pedra na Amazônia antiga, as construções eram feitas de terra, madeira e palha. “Havia cidades na Amazônia, mas elas eram dos indígenas e tinham uma história totalmente diferente”, diz Neves.
Aqui não se trata de convencimento acerca da teoria da conspiração criada por Urandir, mas da criação de dúvidas sobre fatos e verdades. Trata-se de uma forma muito eficiente de testar a aderência dos seguidores. Se não se contesta prontamente absurdos como Ratanabá, significa que estamos prontos a relaxar os limites cognitivos sobre uma infinidade de outros temas.
Boato foi espalhado por criador do E.T. Bilu
O líder do instituto Dakila, Urandir Fernandes de Oliveira, ficou conhecido do grande público há 12 anos, quando uma emissora de televisão fez a fatídica reportagem com o E.T. Bilu, que virou hit na internet pelo ridículo. Enquanto isso, ele arregimentava uma legião de seguidores dispostos a investir em Zigurats, “cidade” que criou no município de Conguinhos, no Mato Grosso do Sul, famosa pelas casas redondas que parecem iglus pós-modernos. Os habitantes se preparam para um cataclisma, acreditam em extraterrestres salvadores e na tese da “Terra convexa”, bem semelhante ao terraplanismo. Procurado, ele não se manifestou para fundamentar a existência de Ratanabá.