Nota do editor convidado: O texto a seguir é o resumo de uma pesquisa feita no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com a participação de profissionais do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), publicada na Revista da Associação Médica Brasileira, volume 46, número 03, em julho de 2000.
Objetivo — Uma modalidade de tratamento que capta muito a atenção da mídia é a cirurgia espiritual, uma questão que se impõe sobre a veracidade ou não de tais fenômenos, entretanto, pesquisas e estudos científicos nesse sentido são escassos.
Método — Apresentamos o relato de uma investigação sobre um dos mais famosos cirurgiões espirituais do Brasil, o senhor João Teixeira de Farias. Foram acompanhadas por volta de 30 “cirurgias”, sendo que em seis dos pacientes foram realizados a anamnese, o exame físico e coletados os tecidos extraídos para exames anátomo-patológicos.
Resultados — O cirurgião verdadeiramente incisa a pele ou o epitélio ocular, além de realizar raspados corneanos sem nenhuma técnica anestésica ou anticéptica identificável. Apesar disso, apenas um paciente queixou-se de dor moderada, quando teve a mama incisada. Os pacientes foram examinados até três dias depois da cirurgia sem nenhum sinal de infecção, como também não continham em seus relatos posteriores. O exame histopatológico evidenciou que os tecidos extraídos eram compatíveis com o local de origem e, com exceção de um lipoma de 210 gramas, eram tecidos normais, sem particularidades patológicas. Foi realizada revisão da literatura e discussão do efeito placebo.
Conclusões — As cirurgias são reais, mas, apesar de não ter sido possível avaliar a eficácia do procedimento, aparentemente não teria efeito específico na cura dos pacientes. Sem dúvida, nossos achados são mais exploratórios que conclusivos. São necessários posteriores estudos para lançar luz sobre esse heterodoxo tratamento. Pode-se concluir que as cirurgias estudadas e os materiais extraídos são reais, não há utilização de técnica asséptica ou anestésica, sem ser detectada qualquer infecção e apenas um paciente referiu dor. Como não houve identificação de fraudes, o fenômeno necessita de posteriores estudos para a explicação adequada da analgesia, da não-infecção, avaliação da eficácia e por quais mecanismos a suposta cura poderia ocorrer, pois as cirurgias em si aparentemente não conduziriam a esse resultado, já que usualmente não extraem tecidos patológicos.
Como vários autores relatam benefícios com os tratamentos espirituais, é fundamental um melhor conhecimento dos mecanismos e eficácia dessas curas. Isso possibilitaria a adaptação das formas úteis como terapias complementares à medicina ocidental, bem como desencorajaria os procedimentos danosos ou inúteis. A discussão séria de um tema não requer que compartilhemos as crenças envolvidas, mas que tomemos suas implicações seriamente e não subestimemos as razões pelas quais tantas pessoas se envolvem. Nem a crença entusiasmada ou a descrença renitente ajudarão os pacientes ou o desenvolvimento da medicina.
Em Abadiânia (GO), as curas espirituais são feitas a centenas de pessoas, já chegando a 4.000 pacientes num só dia. A pesquisa publicada pela Associação Médica Brasileira refere-se à avaliação de pouquíssimos pacientes. Convém recordar que em 1968, a equipe médica norte-americana que esteve com Arigó em Congonhas do Campo (MG), pesquisou inicialmente 300 pessoas, num total de 10 mil atendidas. E prosseguiu. Montou ali um minilaboratório, filmou os procedimentos, colheu depoimentos de pacientes e médicos que acompanhavam os casos. Contudo, assim como os pesquisadores de agora, os norte-americanos comprovaram a veracidade dos fatos, mas não souberam explicar.
A equipe médica brasileira foi a campo 35 anos depois, para investigar as mesmas coisas. E, da mesma maneira, embora os pesquisadores nacionais sejam dignos dos melhores elogios, também não conseguiram explicar as tais curas de modo cientificamente válido. Elas são verdadeiras, mas o mistério ainda continua.