
O casal Hermínio e Bianca Reis protagonizou um dos mais famosos casos brasileiros de abdução alienígena e posterior contatismo com seres extraterrestres. A dupla ficou célebre depois de participar ao vivo do programa Flávio em Tempo Livre, do apresentador Flávio Cavalcante, levado ao ar em 30 de julho de 1978 pela extinta Rede Tupi. Seguiram-se mais sete entrevistas repletas de detalhes do que teria acontecido naquela noite de 12 de janeiro de 1976 em que viajavam do Rio de Janeiro a Belo Horizonte, onde pretendiam trocar o carro em precárias condições por um em melhor estado em um comércio de veículos usados pertencente a um amigo.
Praticamente todas as preocupações do casal giravam em torno disso, pois Bianca já havia tentado trocar o carro no Rio de Janeiro, “mas estava encontrando muita dificuldade por causa do ano de fabricação e do estado de conservação, que não era bom”, afirmou. Perto da cidade de Matias Barbosa, já em Minas Gerais, Hermínio Reis teve de parar no acostamento porque a fumaça que saía do escapamento furado entrara pelos buracos do assoalho do Karmann Ghia ano 1965, irritando-lhe os olhos. Recostou-se no banco e tencionou cochilar um pouco antes de prosseguir a exaustiva viagem. Às 23h15, porém, Bianca o acordou aos gritos, pois uma luz azulada intensa clareara toda a área.
“Como que passando por uma chaminé”, como declarou a senhora, o casal foi subitamente absorvido com carro e tudo para dentro de uma área circular fortemente iluminada. Dois seres se aproximaram e, por meio de gestos, ordenaram que saíssem do veículo. Conversavam entre si em uma língua ininteligível enquanto os conduziam a uma sala repleta do que descreveram como instrumentos. Capacetes tradutores ligados por fios a um enorme computador, ou algo semelhante — do tamanho dos mainframes da época — foram colocados nas cabeças de Hermínio e Bianca Reis, que passaram então a entabular uma conversa com Karran, um ser extraterrestre alto, com quase dois metros de altura, moreno, de cabelos pretos e olhos verdes. Parecia uma “versão tropical” do ariano retratado por George Adamski.
Durante os dois dias em que permaneceram a bordo do disco voador, na verdade uma nave-mãe, conheceram os detalhes do seu interior, alimentaram-se, beberam um líquido amargo com a consistência do óleo e dormiram — foram muito bem tratados. Indagada por Flávio Cavalcante se havia um banheiro na nave, Bianca disse: “Olha, eu não havia notado isso, embora eu quisesse muito ir ao banheiro. Então me deu um sono e eu dormi. Quando acordei, já não estava mais com vontade de ir ao banheiro, e foi só aí que vi que tinha um lá dentro”.
Não há doença nem velhice
A missão dos tripulantes — entre os quais havia uma mulher —, todos fisicamente semelhantes à Karran, era a de preparar o terreno para um futuro contato direto com a humanidade. Revelaram ao casal que “já existe gente da Terra morando em outros mundos e gente de outros mundos morando na Terra”, e que “no planeta Klermer ninguém morre ou envelhece, pois detinham controle sobre a matéria”. Klermer seria seu mundo de origem, A velhice, conforme entendeu Reis a partir dos ensinamentos de Karran, não passaria de uma doença. “Pelo menos na explicação dele, pois na terra deles ninguém morre. Eles perdem a matéria e quando recebem uma nova, eles nascem de novo, como dizemos aqui. Quando isso acontece, eles não esquecem quem foram e continuam a viver do ponto onde pararam”, afirmou o marido.
Os klermerianos deixaram o casal em Lafaiete, a mais de 200 km do local do sequestro. Em compensação, permitiram que Hermínio Reis fotografasse o disco do interior do carro, assim que partissem. “E então, naquela afobação, naquele momento em que eu não esperava, porque não tenho prática de fotografia, comecei a bater as fotos do disco enquanto ele acendeu o seu campo de força e foi levantando voo, subindo aos poucos, ficando incandescente como mostra a fotografia”, declarou. Tempos depois ele foi visitado por um pesquisador que, casualmente, viu os negativos na mão de seu filho pequeno brincando. O estudioso então pegou os negativos, olhou e perguntou o que era aquilo. “Bem, são os negativos do meu encontro com o disco voador”. O estudioso fez nova pergunta: “Mas você não mandou revelar isto? Não tem as fotos?” Ele disse que não, pois o fotógrafo a quem pedira a revelação lhe dissera que entrou luz no filme, inutilizando-o.
Ao que se saiba, porém, oficialmente nenhum ufólogo jamais reconheceu a autenticidade das aludidas fotos, que seriam de péssima qualidade. Por ocasião da quinta entrevista ao Flávio Cavalcanti, Bianca alegou que continuavam mantendo contatos esporádicos com Karran, o segundo deles ocorrido em 09 de janeiro de 1977, dia em que O ET teria aparecido acompanhado do conterrâneo Zir, um alien que vivia disfarçado na Terra. “Nós estávamos em casa no final de novembro quando recebemos a mensagem dizendo que Karran voltaria a falar conosco e que outra pessoa estaria à nossa espera no local combinado. E assim aconteceu. Na data e na hora marcadas nós fomos lá e encontramos Zir. Ele mandou que Hermínio seguisse com o carro por mais de um quilômetro, até que chegamos ao local onde ele pediu que Hermínio manobrasse o carro deixando-o estacionado no sentido do caminho de volta”, disse Bianca a um estupefato Cavalcanti.
“Um tremendo susto”
Ela continuou dizendo que nem ela, nem Reis esperavam que Zir aparecesse tão de repente e daquela maneira no meio da escuridão. “Estávamos ainda dentro do carro quando ele bateu no vidro, dando-nos um tremendo susto. Então ele saiu caminhando sozinho e mandou que nós ficássemos aguardando do lado de fora do carro. Passou cerca de uma hora até que eu avistasse um vulto branco que vinha pela estrada aproximando-se de nós. Conversamos por mais de duas horas e assim se deu o contato com o Zir e o Karran. Não que fôssemos obrigados a manter segredo, mas eles não gostam que se divulgue o local onde eles descem, principalmente quando se trata de contatos frequentes”.
Alguns ufólogos argumentaram que a história foi fabricada, sem que se confirmasse a assertiva. Sua tese é de que, pela análise dos sinais linguísticos do casal, se depreenderia que o contexto no qual se achavam inseridos Hermínio e Bianca Reis, com seus inúmeros problemas e tensões — viajavam há mais de seis horas seguidas com a remota esperança de trocar o mal conservado carro em Belo Horizonte —, fatalmente fariam irr
omper graves conflitos caso um elemento externo não se interpusesse em sua relação. Tal como em um sonho — uma de suas funções é justamente servir de válvula de escape para as idiossincrasias do dia a dia —, imagens foram sendo codificadas no próprio processo de percepção e cognição da realidade. Interessante explicação, mas talvez mais complicada de ser aceita do que a abdução alienígena em si.
Durante os dois dias em que permaneceram a bordo da nave-mãe, conheceram os detalhes do seu interior, alimentaram-se, beberam um líquido amargo com a consistência do óleo e dormiram. Foram muito bem tratados
Quanto ao Karmann Ghia, segundo contou Hermínio Reis, virou sucata. “O carro começou a dar muito defeito e sua lataria apodreceu completamente. Ele ficou três meses estacionado na porta do edifício onde eu morava e deu ferrugem. Então, retirei esse carro de casa e o coloquei na de uma pessoa amiga, porque estava apodrecendo, enferrujando mesmo. Algum tempo depois, uma pessoa quis comprar o veículo e eu o vendi para o ferro velho”, disse. Ao conferirem um sentido mítico às desordens que os afligiam, defendem os estudiosos acima mencionados, o casal assumira essa linguagem socialmente codificada de expressar e superar contradições. Ao associarem distúrbios vividos como experiências caóticas e estritamente pessoais e significações coletivas, Hermínio e Bianca Reis desenredaram-se do puro subjetivismo da dor.
Ordenação do mundo social
Para os tais estudiosos, o distúrbio, tornando-se acessível à linguagem dos símbolos míticos, constitui-se em um instrumento de compreensão de conflitos e da forma como esses conflitos se concatenam com a ordenação do mundo social. Nesse processo de articulação simbólica entre distúrbio e mito, o mal deixa de ser vivido como pura negatividade e passa a ser encarado como uma manifestação positiva das forças espirituais e sagradas. No caso, um dos indicativos de que frustrações, antagonismos e insatisfações pessoais se articularam em um sistema significativo a apontarem para o lugar social que ocupavam, é justamente as semelhanças gráfica e fonética das palavras Karran — o ET — e Karmann Ghia, o carro.
Além disso, a velha nave Enterprise, do seriado clássico Jornada nas Estrelas [Criada por Gene Roddenberry e rodada entre 1966 e 1969], então muito em voga na televisão brasileira, que reprisava os episódios contínua e regularmente, forneceu todos os modelos de que necessitavam para estruturarem a narrativa — do raio que puxou o carro à plataforma do hangar de recepção e lançamento de naves auxiliares, passando pelos painéis luminosos e computadores, até a máquina tradutora. Seria tudo uma invenção? Voluntária ou involuntária? Estudiosos de todos os segmentos da Ufologia Brasileira se dividem quanto às duas indagações. Uns acham que o caso é real, outros que é imaginário, mas não intencionalmente, enquanto outro grupo alude a uma farsa pura e simples. Difícil dizer.
As possibilidades do infinito
É oportuno aqui chamar a atenção para um detalhe escatológico estranhamente ausente no interior dos discos voadores visitados por pretensos contatados e abduzidos em geral: a existência de banheiro. Só depois de pressionada é que Bianca disse ter visto um, mas não soube explicar como aliviou suas necessidades fisiológicas ou se dele não fez uso nos dois dias em que permaneceu a bordo. Curiosamente, jamais foi mostrado o banheiro da Enterprise ou de qualquer outra nave da Federação, no respectivo seriado, como se no futuro a humanidade e as raças alienígenas coetâneas dispensassem esse aposento a nós tão fundamental.
Seja como for, o casamento não resistiu, devido à vontade pessoal de cada um de seguir seu próprio caminho. O casal acabou se separando, convergindo unicamente na narrativa de seus contatos de Karran. Bianca, nascida em 1947, foi criada dentro do pentecostalismo tradicional da igreja Assembleia de Deus e aos 21 anos converteu-se à seita Testemunhas de Jeová. Karran transmitiu-lhe vários ensinamentos, entre eles técnicas físicas para o que a abduzida chama em seus cursos de “conquista da autoconsciência”. Ela, que passou a dedicar sua vida à divulgação desses ensinamentos, que transmitia em palestras e cursos, contou suas experiências no livro — em que assina como Maria Aparecida de Oliveira, seu nome real — As Possibilidades do Infinito [Editora Kópyo, 1987].
Hermínio Reis foi pastor e atuou como chefe de uma congregação evangélica por 12 anos. Na época do contato, motivos particulares já o haviam afastado do ministério. “Os discos voadores contribuíram depois para me separar ainda mais da religião, mas não da Bíblia. Posso dizer que hoje leio muito mais o livro sagrado do que antes e que aprendi muito mais a respeito de Deus do que antes”, declarou antes de morrer, há poucos anos. Em suas palestras e cursos, ele passou a pregar os ensinamentos de Karran. “Esse Deus que nós conhecemos não existe. Karran disse que Deus ama a todos nós sem distinção. Quando conversei com Karran sobre a Bíblia, ele falou de um Pai Criador. Então perguntei se na terra dele havia muitas leis, como havia aqui na Terra”, declarava.
Karran teria dito a Reis que em sua terra os ETs também receberam as mesmas leis que foram dadas aos terrestres por aquele que conhecemos como Jesus Cristo, mas que não o conheciam por esse nome. “Então ele completou recitando trechos dessa lei: Amar o próximo é amar ao Criador. Toda vez que tocarmos nosso próximo é como se estivéssemos tocando em nós mesmos. Toda vez que ofendemos o próximo, estaremos ofendendo a nós mesmos. Essas são as únicas leis que eles conhecem”.