Na segunda metade do século XX, o avanço tecnológico gerou um messianismo espacial ou profetismo galáctico, que o psicanalista suíço Carl Gustav Jung considerava compreensivo diante da “perda de fé e do abandono da dimensão sobrenatural”, conforme escreveu. Aparelhos, luzes e brilhos que riscavam os céus, em aparições isoladas e misteriosas, foram desde logo tomadas pelos meios de comunicação de massa como algo externo a nossa realidade, como sinais de uma supercivilização tecnológica extraterrena, cuja existência, na ausência de qualquer prova material definitiva, só podia ser apreendida por um juízo de fé — acreditava-se ou não. Logo se definiu a prevalência de determinados sistemas de crenças, articulados às categorias históricas, culturais e sociais atinentes.
A tendência manifestada pela maioria das pessoas foi a de preferir a certeza à dúvida, identificando os UFOs com naves espaciais de capacidades insuperáveis. Se era impossível à lógica e à razão convencionais explicar o seu funcionamento, era desde logo tentador assimilá-los a um engenho espacial meio mágico, pertencente ao universo sobrenatural. O consenso em torno desses conceitos, aliado a propensão de implicar a fatos extraordinários noções pré-concebidas, gerou o componente mítico do Fenômeno UFO séculos atrás. Porém, ao invés dos mitos clássicos, distantes e encobertos pela névoa do tempo, temos a oportunidade de lidar com um dos poucos mitos vivos, algo atual, contemporâneo e em pleno curso de sua elaboração narrativa.
O arcabouço da chamada civilização ocidental, urbana e industrializada, fortemente motivada pelas perspectivas de exploração e conquista do espaço, contribuiu sobremaneira para projetar os cenários inconscientes de uma “invasão alienígena” — o fascínio que o céu sempre exerceu sobre a mente humana foi um dos fatores preponderantes da ampliação do conhecimento e desenvolvimento científicos. O impulso em decifrar as razões de nossa própria existência levou-nos ao Sistema Solar, às estrelas e às regiões distantes do cosmos. Em consequência, a figura do ser extraterrestre tornou-se uma das imagens mais poderosas da sociedade contemporânea, de modo a alimentar expectativas de que ele estivesse presente, assumindo a forma de um tipo ariano, loiro e alto, ou de um humanoide atarracado com olhos grandes e escuros. O fato é que os extraterrestres nunca deixaram de apresentar algum aspecto que os ligassem a nós mesmos.
Algum lugar do espaço
Cruzando as descrições, chegaremos a uma tipologia que pouco difere dos apanágios que comumente atribuímos ao “outro” — aquele a quem se transferem as incumbências que poucos gostariam de suportar. Os que acreditam apregoam que inteligências vindas de algum lugar do espaço já visitaram e continuam visitando nosso orbe, como atestariam as provas recolhidas pelos ufólogos, e, com a conivência dos governos, estariam ajudando ou ameaçando a espécie humana. Por sua vez, os céticos pensam que continuamos na Terra, separados e não afetados, e que a única saída é procurar de modo passivo sinais distantes enviados por projetos como o SETI [O programa de busca por vida extraterrestre inteligente], transmitidos através da vastidão intransponível do espaço.
Entretanto, o principal aspecto a considerar neste tema é a forma de pensar que grande parte da sociedade tem da questão. Nas últimas décadas este autor entrevistou centenas de pessoas — desde simples testemunhas até contatados e abduzidos de casos complexos —, checou locais de aparições in locu, visitou grupos ufológicos das mais diversas tendências, assistiu a operações mediúnicas, canalizações e até tomou parte de cultos místico-religiosos, sempre na condição de observador ou participante, para descobrir o que há por trás deste tema. Constatou-se que em todos esses lugares e situações praticamente não há espaço para a dúvida. Ninguém está livre para manifestar-se, dizendo que “isso não pode ser”, porque correrá o risco de ser convidado a retirar-se ou até mesmo agredido pelos presentes.
Um desafio à ciência
A este autor também coube a tarefa de compreender e analisar essa nova crendice popular. Aliás, uma árdua tarefa, porque sabemos que a grande maioria das pessoas acredita no sobrenatural — e acredita porque precisa acreditar. Se antes da Era Industrial o imaginário era povoado por anjos e fadas, bruxas e demônios, os cidadãos da modernidade — que carregam as mesmas raízes constitutivas e filogenéticas — também precisam crer na sobrevivência da alma, ressurreição dos mortos, nos profetas, taumaturgos, milagreiros e em extraterrestres. Trata-se de vestir, com roupagens atuais, os fantasmas dos tempos passados: sereias que encantavam os navegantes, monstros marinhos que naufragavam embarcações, fantasmas de castelos medievais, górgonas, lobisomens e vampiros. De modo a atender aos anseios de uma era técnico-científica, da astronáutica e da bomba atômica, da velocidade supersônica e da televisão, só mesmo discos voadores e extraterrestres.
Para a grande maioria, o mundo ainda é regido por agentes sobrenaturais, ou seja, por seres divinos que atuam motivados por razões idênticas ao dela própria, e que, como tal, são passíveis de serem acionados com apelos de piedade e bem-aventurança. Testifica-se, portanto, uma condenação declarada à ciência, não propriamente da ciência do saber, mas da ciência da certeza, instauradora, objetiva, parcial e incompleta. De qualquer forma, da ciência sistematicamente organizada em torno de proposições tidas como evidentes ou exatas. Paradoxalmente, é a mesma ciência que cria os fantasmas que alimentam as ilusões dos que se voltam contra ela. E este é o mais notável dos paradoxos: os UFOs alimentam uma verdadeira indústria da investigação acerca da comprovação de sua própria existência.
O Fenômeno UFO atua como uma espécie de transformador da realidade, infundindo situações simbólicas que vão se tornando indistinguíveis dessa realidade. O início se dá geralmente por uma série hipnótica de luzes coloridas
Apesar do int
eresse massivo por avistamentos ufológicos, poucas tentativas foram feitas para definir o Fenômeno UFO em si. Na opinião dos que neles acreditam, elas são desnecessárias, uma vez que se aferraram à certeza de que UFOs são discos voadores extraterrestres e pronto — o ponto chave da questão está encadeado à sua complexidade, à maneira como se corresponde com outras áreas, se associa, se imbrica de narrativa para narrativa, interligando cada parte ao conjunto e o conjunto ao menor dos fragmentos. Mas é preciso lembrar que a matéria-prima para o estudo do fenômeno não são os próprios UFOs, mas os relatórios sobre os mesmos, os quais incluem as circunstâncias que envolvem cada caso. As narrativas não devem ser lidas como reflexos literais do que se passou, e sim como versões subjetivas que remetem a uma estrutura referencial.
Agente transformador da realidade
O Fenômeno UFO atua como uma espécie de transformador da realidade, infundindo situações simbólicas que vão se tornando indistinguíveis dessa realidade. O início se dá geralmente por uma série hipnótica de luzes coloridas piscando ou de tremenda intensidade, induzindo as testemunhas a um estado de profunda confusão mental, deixando-as vulneráveis à inserção de novos pensamentos e concepções — os eventos paranormais recobrem um cenário uniforme e instalam a diferença, algo que não está acessível a priori. Mas até que ponto nos é outorgado conhecer o real? O que é a realidade e como a percebemos? A maior parte do que julgamos ser real não passa, na verdade, de interpretações errôneas, de enganos da mente e dos sentidos. A assunção é condicionada por práticas culturais e disposições mentais prévias, que interfere diretamente no ponto de vista do espectador — o real existe somente para um olhar humano e com relação a ele.
As diferentes formas de pensar —?não apenas o que as pessoas pensam, mas como pensam — confere-lhe valores e significados. Não raro, essa assertiva foi colocada no centro dos esforços empreendidos da compreensão do universo e principalmente da compreensão de nós mesmos dentro desse universo. Reunimos e comparamos entre si as situações histórias e sociais em que foram formuladas, bem como analisamos as respostas obtidas em diversas épocas, especialmente a nossa. Sejam quais forem as diretivas, elas continuam a encerrar, a todo o momento, um caráter inquietante.
As melhores vias de acesso para decifrar os aspectos incompreensíveis de uma cultura, na acepção dos antropólogos, podem ser aquelas que parecem mais obscuras. Diante da dificuldade de entender algo particularmente importante para os nativos de uma sociedade, resta a possibilidade de captar, a partir de fatos inusitados, seu sistema de vida. O Fenômeno UFO e, mais particularmente, os contatados representam justamente uma das características mais significativas do século XX: a coexistência entre o pensamento científico e racional e o pensamento mágico. Razão e imaginação não são necessariamente antitéticos. A própria ciência foi levada a reconsiderar a dimensão sobrenatural, a buscar um novo sentido para a transcendência. Dessa abertura surgiram as forças que propiciaram o retorno do pensamento mágico. O imaginário, o fabuloso, o onírico e o inusitado deixaram de ser vistos como pura fantasia ou mentira para serem tratados como portas que se abrem para outras dimensões.
Esperanças e promessas de salvação e redenção sempre acalentaram a alma humana, mormente nos momentos agudos de crise e desespero em que a aparente insolubilidade dos problemas de ordem material e espiritual soa como prenúncio precoce de um fim histórico que só seria evitado por força e evocação de uma intervenção divina e sobrenatural advinda de algum lugar impreciso do céu. O estado de predisposição das massas, profundamente angustiadas com os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial e com o advento da Guerra Fria, explica em parte porque os extraterrestres passaram a representar a última esperança em um mundo à beira de seus estertores.
Paranoia anticomunista no cinema
A Guerra Fria definiu seus contornos geopolíticos em 1949. A parte oriental da Alemanha reclamou sua autonomia e se proclamou República Democrática Alemã em 07 de outubro, dividindo o país ao meio. De posse do segredo da bomba atômica, a União Soviética explodiu seu primeiro artefato em 14 de julho. Em resposta ao Plano Marshall, o governo soviético criou o Conselho de Assistência Econômica Mútua (Comecon), que visava a prestação de assistência econômica aos aliados no Leste Europeu e eventualmente de outras partes do mundo. A União Soviética vivia um clima de intenso ufanismo. Lançando-se na dianteira da corrida espacial, área estratégica da Guerra Fria, a população devia ser convencida da superioridade ante o inimigo capitalista — demandava-se intensa propaganda estatal, repleta de apologias ao regime.
O Ocidente agia preventivamente. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) surgiu de um acordo assinado em Washington em 04 de abril daquele mesmo ano. Além dos integrantes do Pacto de Bruxelas, firmado em 17 de março de 1948 entre a França, Reino Unido, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, a OTAN teve como signatários os Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Islândia, Itália, Noruega e Portugal. A Grécia e a Turquia passaram a integrá-la em 1952, e a República Federal Alemã em 1955. A tensão entre o Ocidente e o Oriente conferiu à OTAN um caráter quase que exclusivamente militar. O comando geral de suas forças estava sediado em Paris. Da Turquia à Noruega, a União Soviética instalou uma rede de bases militares e de mísseis, formando um cinturão defensivo em torno de suas áreas de influência da Europa.
Os filmes de ficção da década de 50, em sua quase totalidade produções do tipo B, valeram-se dos relatos dos contatados e apontaram os seus próprios caminhos. O gênero vivia seu auge, com monstros espaciais e invasões interplanetárias
Esse foi o período em que o medo norte-americano de uma desintegração ou revolução social nas partes não soviéticas da Eurásia não era exagero. Afinal, em 01 de outubro de 1949, os comunistas liderados por Mao Tsé-tung assumiram o poder na China, proclamando-a Repúbli
ca Popular. Neste clima, a edição de dezembro de 1949 da revista True saiu à frente das outras com a versão de que os UFOs se originavam do espaço exterior. O artigo Os Discos Voadores São Reais era assinado pelo major Donald E. Keyhoe, veterano da Segunda Guerra, piloto de aviões, oficial aposentado da Marinha e agora repórter freelance. Logo no parágrafo inicial, Keyhoe adiantava que, após oito meses de pesquisas, concluíra que a Terra vinha sendo escrutinada por seres alienígenas. Sem oferecer provas, detinha-se em dados recolhidos pela Força Aérea Norte-Americana (USAF), que, segundo ele, encobria a verdade temendo semear o pânico.
Ameaça comunista em toda parte
O histerismo anticomunista, remanescente da época entre guerras, adquiriu grandes proporções na última metade da administração Truman, até 1953, e persistiu durante a metade inicial do primeiro mandato de Eisenhower, de 1953 a 1961. Com a Guerra Fria no apogeu, qualquer esboço de crítica ao funcionamento da sociedade norte-americana era facilmente confundido com antipatriotismo. Em 1948, o senador Joseph Raymond McCarthy e sua Comissão de Atividades Antiamericanas passaram a ver a ameaça comunista em toda parte, conduzindo uma série de investigações e interrogatórios em busca de espiões nos Estados Unidos — poucos homens públicos ousaram desafiá-los.
No início de 1954, pesquisas de opinião mostravam que 50% da população aprovava McCarthy e o termo macartismo virou sinônimo de caça às bruxas no país. Por sua parte, Hollywood definiu e demarcou o seu lado e se lançou à arte da propaganda, metaforizando o perigo vermelho. Dois fatores básicos contribuíram para que isso acontecesse: a tecnologia necessária à materialização das fantasias dos criadores e a argúcia destes para transformar as ameaças do dia em metáforas engenhosas, tais como eram captadas pelo inconsciente coletivo norte-americano. Na Europa, em 1902, o prestidigitador e caricaturista francês George Méliès marcaria o verdadeiro início do cinema como espetáculo com sua Viagem à Lua [Le Voyage dans la Lune. O foguete de Méliès — uma indisfarçável produção de fundo de quintal — desce em uma Lua com cara humana, furando o seu olho. Em seguida, surgem os habitantes da Lua, um bando de selenitas. Viagem à Lua já trazia cristalizadas duas constantes do cinema de ficção científica: sua proximidade com a literatura e a capacidade de prever e questionar conquistas ou situações futuras.
O caráter questionador do gênero ficou patente em 1926, quando o alemão Fritz Lang realizou Metropolis, uma antevisão alegórica da sociedade industrial sob controle totalitário. Trabalhadores de um grande centro urbano no século XXI viviam nos subterrâneos e veneravam como santa uma garota chamada Maria. Um cientista criou em laboratório um clone de Maria, que incitou os trabalhadores contra os patrões, antes tranquilos nos paradisíacos jardins de Yoshiwara. O roteiro do filme foi escrito pelo próprio Lang e por sua então esposa, também autora da história original e simpatizante do nazismo. Mas Lang não gostou da solução conciliatória para a luta de classes, e por isso chegou a dizer que o final era falso. Onde isso se encaixa na questão dos contatados? Veremos a seguir.
Parafuso giroscópico
A xenofobia interestelar se manifestava já em 1920, quando Emil Jannings interpretou um perigoso conquistador espacial em Algol, do alemão Hans Werkemeister. Em 1934, os discos eram um parafuso giroscópico espacial na aventura em quadrinhos de Flash Gordon, escrita e desenhada por Alex Raymond. Flash Gordon passou a segunda metade dos anos 30 derrotando o terrível imperador Ming — que encarnava as figuras de Hitler e Mussolini —, na série da Universal. Logo depois, o genial Orson Welles infundiu o pânico e a paranoia em 1938 ao radiofonizar a novela A Guerra dos Mundos [The War of the Worlds], de H. G. Wells. Como se vê, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a inspiração para os então temíveis invasores do espaço não vinha de outro lugar senão das trincheiras das frentes de batalha do Velho Mundo, da Europa. Em 1946, disco voador ainda era disco nos Estados Unidos, como atesta o título original do primeiro filme sobre o tema, Flying Disc Man from Mars, dirigido por F. Brannon, seriado da Republic exibido no Brasil com o título de O Mistério do Disco Voador. Foi somente um ano depois que os jornais começaram a falar em flying saucer e o novo termo foi incorporado.
Os filmes de ficção científica da década de 50, em sua quase totalidade produções do tipo B, valeram-se dos relatos dos contatados e apontaram os seus próprios caminhos. O gênero vivia seu auge, com monstros espaciais e invasões interplanetárias — de Marte, principalmente, com sua sugestiva cor avermelhada — alertando subliminarmente para o perigo de uma invasão comunista. O ponto culminante foi O Planeta Vermelho [Red Planet Mars], de 1952, derivante de O Dia em Que a Terra Parou [The Day the Earth Stood Still]. Esta era uma parábola progressista e pacifista filmada um ano antes, quando Howard Hawks produziu e Christian Nyby dirigiu O Monstro do Ártico [The Thing], uma das inúmeras versões em que uma coisa cai do céu no Polo Ártico — dentro dela havia outra coisa, uma espécie de múmia cósmica congelada, flagelo de um famigerado pouso de disco voador na Terra.
“Eles” viriam de Marte novamente em 1953, desta vez para calcinar a Terra em uma caprichada adaptação do clássico A Guerra dos Mundos, que Byron Haskin dirigiu para o produtor George Pal, transpondo a ação de Londres, palco da novela de Wells, à Califórnia. As naves marcianas, imaginadas por Wells como insetos blindados com pés articulados, viraram máquinas voadoras. Os marcianos, que só aparecem de relance no desfecho, com suas mãos de três dedos, representam o perigo vermelho que o senador Joseph McCarthy procurava exorcizar. Só um elemento foi capaz de destruí-los: as bactérias terrestres.
Guerra interplanetária no
cinema
Do mesmo e maléfico planeta vieram, em 1954, os indesejáveis visitantes de Invasão de Marte [Invaders from Mars], de William Cameron Menzies — e eles pareciam conhecer o mapa da mina, pois preferiam sempre os Estados Unidos. Em Terra Contra os Discos Voadores [Earth versus Flying Saucers], dirigido por Fred F. Sears — que se inspirou no livro A Verdade sobre os Discos Voadores [Global, 1977], do major Donald E. Keyhoe —, alienígenas camaradas resolvem fazer uma visita aos terráqueos. Enviam várias mensagens avisando de sua chegada, mas os cientistas não conseguem decodificar o aviso. Os discos voadores pousam em Washington e são recepcionados com uma chuva de chumbo. É o início da guerra interplanetária.
Apesar de superiores em quase tudo, os visitantes extraterrestres recorriam ocasionalmente aos nossos préstimos, como se viu em Veio do Espaço [It Came from Outer Space] e Guerra entre Planetas [This Island Earth], por sinal a primeira ópera espacial do pós-guerra, dirigida por Joseph Newman em 1954, baseado em um romance de Raymond F. Jones. O destaque xenófobo do período fica para os vegetais de Vampiros de Almas [Invasion of the Body Snatchers], dirigido por Don Siegel em 1956, baseado no livro homônimo de Jack Finney, escrito no ano anterior. A primeira coisa dita no filme é um clichê do gênero: “À primeira vista, tudo parecia normal”. Quem fala é o narrador e protagonista principal da história, o médico Miles Bennell. No filme, uma coisa terrível, disfarçada de planta e vinda não se sabe de onde, se apossa das pessoas, assumindo sua forma física para mais facilmente dominar as demais — o verdadeiro objeto de sua expiação é o totalitarismo.
É patente o quanto a ficção se mescla com a realidade. As imagens primordiais criadas pela literatura e pelo cinema definiram muitos dos pensamentos, sentimentos e ações dos futuros contatados, abduzidos e testemunhas
Naquele que é considerado o pior filme de todos os tempos, Plano 9 do Espaço Sideral [Plan 9 from Outer Space], também conhecido como Ladrões Espaciais de Túmulos [Grave Robbers from Outer Space], dirigido em 1959 pelo folclórico produtor e diretor de filmes classe B de terror e ficção científica Edward Davis Wood Júnior, alienígenas decidem conquistar a Terra, ressuscitando cadáveres para formar um exército. Usando técnica de colagem, Wood realizou um clássico no que compete a erros de continuidade, desencontros narrativos, desfile de canastrões, precariedade de recursos, efeitos especiais grosseiros — os discos voadores são pratinhos de alumínio pendurados por fios nitidamente visíveis — e tipos físicos que entraram para o imaginário coletivo, como as figuras de Vampira e Tor Johnson.
Uso de bombas atômicas
A coisa ia bem para a consolidação de que estávamos de fato sendo visitados por seres extraterrestres. O diretor Robert Wise rodou em 1951 — um ano antes de Adamski despontar como o primeiro contatado da Era Moderna dos Discos Voadores — o clássico que talvez mais influenciou a estrutura dos relatos ufológicos, O Dia em que a Terra Parou. Um disco voador aterrissa em Washington trazendo a bordo Klaatu, um emissário de compleição física idêntica à humana e imbuído do objetivo de prevenir os líderes políticos e militares de que, se continuassem insistindo no uso de armas nucleares — o que poderia futuramente afetar outros planetas —, teria de necessariamente destruir a Terra.
Auxiliado por Gort, um implacável robô programado para desintegrar toda fonte de violência, Klaatu tenta transmitir seu aviso, mas é tratado com um misto de desdém e hostilidade. A única forma que ele encontra de impressionar a humanidade é por meio de um efeito de choque — durante meia hora ele neutraliza a eletricidade em todo o mundo. Depois disso é descoberto, perseguido e morto. Mas Gort consegue ressuscitá-lo a fim de que possa, finalmente, anunciar sua mensagem antibelicista. O filme, recriado em 2008 tendo Keanu Reeves como Klaatu, foi um marco. Pela primeira vez um extraterrestre não era apresentado nas telas como uma ameaça à vida na Terra, e sim como conselheiro pacifista. Os pontos altos são os efeitos especiais, excelentes para a época, assim como frases brilhantes de Klaatu, a exemplo desta: “Minha missão não é resolver seus mesquinhos problemas de política internacional. Não falarei com nenhuma nação ou grupo de nações. Não pretendo trazer minha contribuição aos seus ciúmes e suspeitas infantis”.
É mais do que patente o quanto a ficção se mescla com a realidade. As imagens primordiais criadas — ou recriadas — pela literatura e pelo cinema definiram muitos dos pensamentos, sentimentos e ações dos futuros contatados, abduzidos e testemunhas. Um exemplo disso está justamente no caso de O Dia em Que a Terra Parou, em que um disco voador com o típico formato discoide aterrissa em uma praça, uma porta se abre e uma rampa desliza até o chão, e finalmente um alienígena envergando um macacão prateado desce por ela. Tal como tantos supostos extraterrestres descritos por contatados em todo o mundo, Klaatu se mistura com os membros de uma família sem ser notado, e quando tem chance, dá um ultimato aos humanos, para que acabem com suas hostilidades — todos esses elementos passariam, a partir de então, a fazer parte das narrativas ufológicas. Quase todos os contatados, não por acaso, alegam ser intermediários e portadores de mensagens de alerta para que a humanidade se emende sob pena de sucumbir. Outro ponto de conexão entre as mensagens recebidas são as revelações relacionadas a religiões cósmicas, cada qual com seus dogmas, liturgias e éticas.
Utópica civilização superevoluída
Parábola do uso do poder tecnológico, o clássico O Planeta Proibido [Forbidden Planet], dirigido em 1956 por Fred Wilcox, é uma das poucas exceções a contrariar a tendência escapista e ideológica. Rico em simbolismos, o filme mostra o que seria o planeta Altair IV, onde, 20 anos antes, a espaçonave Belerofonte e seu grupo de cientistas exploradores haviam desaparecido sem deixar notícias. O cruzador C-57 dos Planetas Unidos chega a Altair IV com o objetivo de resgatar os sobreviventes de Belerofonte. Lá aportando, são recebidos por Morbius e sua filha — os únicos humanos vivos — e por Robby, misto de operário, tradutor e cozinheiro. Morbius explica ao comandante Adams que todos os outros cientistas morreram antes de completarem um ano de expedição. Adams inicia uma investigaç&ati
lde;o que o leva à cidade perdida dos Krell, uma utópica civilização superevoluída que existira em Altair IV em um passado longínquo, e que lograra abolir a fome, a guerra, as doenças, além de desenvolver o controle do poder mental.
Em O Planeta Proibido se via surgir, embora tênue, a noção inversa de que nós também poderíamos ser alienígenas em planetas distantes. E nada fascinava mais do que envolver os planetas do Sistema Solar mais próximos de nós, Marte e Vênus, como alvo de nossas viagens ou origem de nossos visitantes. Tanto que, no início dos anos 50, surgiram nos Estados Unidos as primeiras narrativas dando conta de que de Vênus vinham homens e mulheres altas, de pele translúcida e iluminados por uma luz interior, vestindo roupas prateadas e colantes, e que de Marte vinham homens morenos com roupas de borracha. Dando-se crédito a tais narrativas, quase todos os orbes do nosso sistema seriam povoados por incríveis construtores de naves espaciais.
A missão dos space brothers já estava definida pelo cinema desde então: salvar o nosso mundo da ganância, da corrupção e da bomba atômica. O público, em geral bastante ingênuo, não exigia provas e ficava satisfeito com a aparente sinceridade dos contatados. O historiador inglês Eric Hobsbawn, em seu livro Era dos Extremos: O Breve Século XX, criticou essa forma de aceitação do público, constituído por leigos que “só podiam reagir contra seu senso de impotência buscando coisas que a ciência não podia explicar”. E foi além: “Pelo menos em um mundo desconhecido e incognoscível todos estariam igualmente impotentes. Qualquer ceticismo em relação aos UFOs seria atribuído ao ciúme de cientistas de mentalidade tacanha, incapazes de explicar fenômenos além de seus estreitos horizontes, talvez até mesmo a uma conspiração dos que mantinham o homem comum em servidão intelectual para ocultar-lhes um saber superior”. Não se trata de coincidência, portanto, que os contatados tenham surgido exatamente naquela época, quando também surgiram os temores de um holocausto nuclear — que se estendem até hoje e persistem alimentando a saga dos contatados e daqueles que vieram em seu bojo, isto é, os abduzidos. O Fenômeno UFO afigura-se como uma necessidade social, um canal para aliviar tormentos, tensões, frustrações e angústias da humanidade.
Perfil de contatados e abduzidos
As diferenças, algumas díspares, outras complementares, e os pontos de contato entre contatados e abduzidos nos impele a traçar aqui os perfis psicológicos dos mesmos. Cabe ressalvar, no entanto, que não raro nos deparamos com personalidades multifacetadas e experiências polissêmicas que inviabilizam qualquer tentativa de classificação ou estereotipação. Nesse caso, vale mensurar o quanto tendem a um ou outro perfil, ou, em última instância, a um limiar, uma vez que não permitem ser encerrados em uma categoria estanque. Exemplos disso são Hermínio e Bianca Reis, Antonio Nelson Tasca, Onílson Pátero, Betty Andreasson etc. Desse modo, indicaremos os comportamentos mais típicos que os distinguem, mas sempre lembrando o quanto se ramificam e se confundem.
O fator surpresa é o elemento típico inicial apontado pelos abduzidos e testemunhas em geral — a experiência desses advém, antes de tudo, do acaso e do desconhecimento. Já o contatado geralmente alega que já vinha sentindo uma espécie de “chamado” de uma entidade que se identifica e define a sua origem. Enquanto abduzidos e testemunhas se dizem vítimas do ataque súbito de luzes e do tratamento frio e distante por parte dos ETs, os contatados se acham especiais, como que escolhidos para transmitir à humanidade uma mensagem de advertência ou salvação — invariavelmente um apelo pueril e ingênuo ao pacifismo e à fraternidade universal.
Os abduzidos ou testemunhas divulgam suas experiências com reservas — pelo menos no início —, evitando exposições públicas e como que temendo o ridículo e eventuais sanções sociais ou profissionais e violações à sua privacidade. Já os contatados agem desenfreadamente, cultivando o vedetismo, fazendo apologia da superioridade dos seres cósmicos, reunindo adeptos em torno de si e fundando seitas messiânicas e grupos de cunho místico ou religioso — eles demonstram habilidade empírica para atrair e gerar publicidade sobre sua experiência e pessoa.
A propósito, o professor norte-americano David Jacobs, em sua tese de doutorado A Controvérsia sobre Objetos Voadores Não Identificados na América, afirmou que “os contatados não temiam o ridículo e procuravam avidamente a publicidade. Baseados em suas experiências pessoais, geralmente organizavam clubes de debate sobre discos voadores. Alguns deles afirmavam ter viajado a bordo desses aparelhos e descreviam com requinte de detalhes o trajeto e os planetas que teriam visitado. Além disso, a maioria dos contatados informava que os homens do espaço os haviam incumbido de uma missão e, por isso, diziam eles, era necessário que se expusessem ao máximo nos meios de comunicação”. Jacobs esteve recentemente no Brasil apresentando seus estudos sobre estes indivíduos no I Fórum Mundial de Contatados, realizado pela Revista UFO em Florianópolis, em junho.
Discrepância entre os tipos de ETs
Dos inúmeros pontos em comum entre contatados e abduzidos, é particularmente notória a sua origem: os Estados Unidos, centro político, econômico, financeiro, cultural, tecnológico e militar do planeta. Assim, não parece ser por acaso que a Ufologia tenha ali surgido, assim como as primeiras seitas que apregoavam a chegada de extraterrestres salvadores. Para os abduzidos, na maioria das vezes, tais seres são os típicos alfa-cinzentos ou grays, de aspecto aterrador. Têm baixa estatura, cabeça desproporcional ao corpo e grandes olhos negros etc, além de atitudes violentas. Já para os contatados eles são seres carismáticos, quase angelicais, com vestes longas, cabelos longos, beleza física incomum, atitudes amistosas e mensagens benfazejas.
Abduzidos e testemunhas se colocam como vítimas ou meros coadjuvantes do fenômeno: sentem-se usados ou premidos por questões circunstanciais. Entendem que os extraterrestres não estão preocupados diretamente conosco, mas interessados em colher dados físico-químicos do planeta, amostras da fauna e flora, material genético etc, ou seja, que encaram
a Terra e os seres humanos como fonte de recursos vitais e cobaias. Já os contatados regozijam-se em apontar a si mesmo e o restante da humanidade como os alvos preferenciais da bondade dos ETs. Os contatados ou o contatistas são, em sua acepção mais ampla, “escolhidos graças aos seus dons para serem mediadores entre a Terra e o céu”. São considerados como estando acima dos demais homens em termos mentais ou espirituais e, portanto, aptos a servirem de receptores de mensagens transmitidas diretamente pelos próprios seres ou por meio de canalizações, telepatia ou incorporações mediúnicas.
Abduzidos e testemunhas se colocam como vítimas ou meros coadjuvantes do fenômeno: sentem-se usados ou premidos por questões circunstanciais. Entendem que os extraterrestres não estão preocupados diretamente conosco
Essas crenças e atitudes confirmam a sobrevivência do pensamento mítico até os nossos dias, em plena sociedade tecnológica globalizada. A extrema cientificação não levou à dessacralização, mas, paradoxalmente, à ressacralização. A contraposição entre os dois tipos básicos de seres — os altos e loiros do tipo nórdico e os pequenos e repulsivos cinzentos — remete à hierarquia pagã dos demônios e à cristã dos anjos. Por mais bizarras que as afirmações dos contatados possam parecer, principalmente aos que estão acostumados às religiões tradicionais, elas refletem as dimensões sociais da crença em UFOs divinos.
Ausência de valores
O misticismo ufológico, disseminado indiscriminada e irresponsavelmente, prega que uma frota de discos voadores descerá para salvar uma parte da espécie humana do Juízo Final ou que intervirá no caso de uma guerra nuclear. Essas crenças coadunam-se tão somente com os próprios desejos humanos, inclinados a adotar deuses como salvadores de um mundo em desencanto, crise e ausência de valores morais e espirituais. É lamentável que muitos abdiquem de sua inteligência e prefiram confiar tantos poderes aos que oferecem saídas e remédios fáceis para todos os males — alguns deles arvorando-se como sendo capazes de salvar, desde que lhes paguem um preço alto, naturalmente, toda a humanidade ou aquilo que dela restar após o processo salvador.
A demanda por crenças pré-fabricadas e certezas confortadoras não deixa de ser inevitável em um mundo com tantos problemas. O que soa acintoso é que místicos, esotéricos, profetas, videntes e charlatães apropriem-se indevidamente de conceitos científicos, deles revestindo-se para enganar deliberadamente as pessoas. Isso tudo aumenta a nossa responsabilidade de manter independência crítica e retomar a luta em prol da racionalidade e dos valores humanos. Hoje, depois de tantas investidas utópicas insensatas, desastradas e desalentadoras, a humanidade está mais consciente de suas condições e do que pode acarretar certos regimes e comportamentos totalitários. Não podendo desfazer o presente, tem de construir o futuro, arduamente, dentro das condições e da situação histórica existentes.
Ante a avalanche de evidências científicas em contrário, como aquelas transmitidas pelas sondas espaciais atestando serem inabitáveis os planetas do Sistema Solar, o entusiasmo do público pelos contatados começou a arrefecer. Os contatados, porém, teimam em suas proposições esdrúxulas e, quando muito, transpõem a origem de nossos visitantes para estrelas mais ou menos distantes daqui. Mas não é somente a procedência que vem sendo devidamente atualizada — o design e os instrumentos a bordo dos discos voadores também sofrem modificações substanciais e significativas.
Abduzidos hoje, contatados amanhã?
Se durante os anos 50 os discos voadores tinham formatos bojudos e vinham equipados com toscos painéis de controle com botões, interruptores, alavancas, monitores e mostradores com ponteiros tipo estabilizadores, nas décadas seguintes, como que acompanhando a evolução estético-tecnológica, assumiriam formatos mais aerodinâmicos e viriam equipados com sensores de toque, telas holográficas, laboratórios genéticos, microcomputadores etc. Não obstante, velhos casos de contatados, aparentemente esquecidos, ressurgiram no início dos anos 90 em congressos ufológicos, na imprensa e em revistas especializadas. A febre pelos venusianos ou marcianos retornava na onda nostálgica e saudosista que varria o planeta revivescendo o estilo de vida dos anos 50, em especial suas músicas, roupas, carros, filmes, seriados etc.
Por outro lado, enquanto se falava em abduções por horripilantes criaturas alienígenas, a questão se afigurava relativamente consolidada e mesmo os ufólogos mais ortodoxos aceitavam as narrativas sem maiores ressalvas ou objeções. O que lhes parecia complemente inadmissível é que alguém ainda tivesse a coragem de vir a público alegando ter entrado em contato amistoso ou amigável com benevolentes pilotos de discos voadores e a convite destes, feito viagens a outros planetas. Enfim, todas as questões que há séculos atormentam a humanidade, de repente e com tanta facilidade respondidas por uma pessoa simplória que atribui a si qualidades especiais? Alguém assim logo seria chamado de louco e até mesmo seus próprios familiares passariam a encará-lo como a peça rara, isolando-o do convívio social e considerando seriamente a possibilidade de internação.
Desta maneira, inicialmente convicto de que vivenciara algo real, assim agirá, ainda que lhe digam que tudo não passou de alucinação. Depois de algum tempo, no entanto, é bastante provável que o próprio contatado ponha seu estado psicológico em cheque, ante a tamanha reação em contrário — a confiança vai desaparecendo e a experiência sendo recalcada, confundindo-se com a lembrança de sonhos. O que muitos se esquecem, todavia, é que as abduções surgiram no bojo dos primeiros contatados que, com suas histórias fantásticas, abriram o caminho para o transcurso de narrativas — não menos fantásticas — adaptadas às realidades insurgentes. Os abduzidos estão para o início do século XXI tal como os contatados para os anos 50 e início dos 60. Arriscamo-nos a prognosticar que os abduzidos de hoje serão considerados os co
ntatados de amanhã.
Adentrando no estudo do tema
Os ufólogos do futuro, diante de renovados desafios e paradigmas, provavelmente encararão os abduzidos de hoje tal como nós encaramos os contatados do passado: com extremo ceticismo. A ansiedade em pretender enxergar a resolução final para certos problemas antigos em eventos recentes faz com que alimentemos a ilusão de que os valores de nossa época serão válidos amanhã, esquecendo que grande parte das concepções de ontem não encontram mais respaldo nos dias de hoje. Seja como for, é fato que centenas de indivíduos garantiram ter entrado em contato amigável com entidades extraterrestres benevolentes. Fazer uma seleção desses mensageiros ou emissários do cosmos, acarretou grandes dificuldades, razão pela qual decidiu-se optar pelos critérios de relevância histórica e originalidade para apresentar os casos neste trabalho, considerando a verdade como sendo nada mais do que a convicção de seus protagonistas.
Entraremos nesse estudo como em um país completamente desconhecido, sem qualquer etnocentrismo, com a firme intenção de não aceitar nenhuma aproximação, nenhuma certeza que não esteja formalmente estabelecida. Certamente tal leitura não se pretende neutra, o que soaria um tremendo contrassenso em se tratando da interpretação de um autor que encara o assunto criticamente. A intenção é, modestamente, tentar obter a máxima verossimilhança dos casos retratados, da mesma forma como o fizeram outros autores, embora sob outras perspectivas. O leitor julgará de acordo com seus próprios critérios e pontos de vista.