O início da pesquisa ufológica, como a entendemos hoje, nasceu oficialmente com o avistamento de Kenneth Arnold em 1947 e teve como pano de fundo o mundo pós-guerra, chocado e traumatizado por imagens de terror e destruição. Aos horrores das atrocidades nazistas, somou-se o impacto da devastação de Hiroshima e Nagasaki no Japão. Embora alguns historiadores defendam a teoria de que o país, àquela altura, já estaria militarmente enfraquecido e que as bombas na verdade foram lançadas como advertência a então União Soviética, o homem tomou conhecimento de seu poder de destruição. O choque causado pelas bombas atômicas calou fundo no espírito das pessoas. A hecatombe nuclear pairava como uma ameaça muda sobre as populações, diante de um mundo que se dividia entre dois sistemas políticos opostos, representados principalmente pela ex-União Soviética e pelos Estados Unidos.
Nesse cenário, no qual a reconstrução dos países e das famílias se mesclava ao medo da aniquilação, as notícias de que algo diferente ocorria nos céus começaram a chamar a atenção do mundo. Depois da morte, da tragédia e do pavor, chegavam os discos voadores, cercados por uma aura de mistério e fantasia. O que seriam aqueles artefatos voadores? Quem os tripulava? E, principalmente, o que estariam buscando em nosso planeta? Alegações de que seriam sondas espiãs soviéticas, testes militares americanos ou naves de outro planeta se misturavam no imaginário das pessoas.
Diante de um mundo em profunda transformação cultural e social, os objetos voadores não identificados passaram a ser fotografados e os relatos de avistamento de “naves espaciais” se sucediam de forma espantosa. Cada vez mais e mais pessoas alegavam ter visto um disco voador e não tardou para que indivíduos, alegando manter contato com os estranhos seres que os tripulavam, aparecessem. Segundo diziam esses “contatados”, os visitantes alienígenas estariam vindo à Terra para monitorar nossas atividades atômicas e para nos alertar quanto ao perigo da autodestruição que estaríamos enfrentando. Outros, indo um pouco mais longe, alegavam ter viajado nas naves espaciais e se intitulavam mensageiros de povos mais adiantados que os terráqueos, servindo, portanto, de porta-vozes dos alienígenas.
Os alegados contatos com os seres das estrelas se davam de forma direta, telepática ou por sonhos. De qualquer forma, a importância de nossa existência perante o cosmos parecia ser muito grande, e pelo visto poderíamos causar enorme mal ao universo, tanto que seres estelares, de grande capacidade tecnológica estavam se deslocando ao nosso planeta, na tentativa de impedir que chegássemos ao extremo de um cataclismo nuclear. Em algumas das supostas mensagens, os extraterrestres diziam estar nos visitando para impedir que a raça humana se destruísse, colocando nossa existência como fundamental para o cosmos. Nessas mensagens o enfoque principal não era o equilíbrio do universo, mas sim a proteção da vida sobre o planeta, existência esta que provinha das mãos da divindade.
Essa afirmação pressupõe que os seres que a transmitiam estavam agindo como mensageiros do divino, o que, segundo os evangelhos, é tarefa dos anjos. Portanto, as pessoas a quem eles transmitiam suas mensagens eram por sua vez diferenciadas, pois falavam com anjos. Fosse porque as pessoas precisassem de algo que lhes desse esperança, ou a transformação que ocorria no mundo já ganhasse um ritmo mais acelerado que seus habitantes pudessem acompanhar, ou ainda, a capacidade de destruição mostrada pela inteligência humana superasse em muito o pior dos pesadelos, a idéia de “arautos dos extraterrestres” começou a ganhar corpo. Eles traziam, de alguma forma, uma “mensagem celeste” que chegava ao conhecimento humano com a promessa de salvação e ajuda. Havia pessoas que eram especiais e que podiam, portanto, esclarecer às outras que não o eram sobre os mistérios da vida e do futuro.
Explorando as raízes históricas
É certo que o contato com aquilo que extrapola a compreensão humana não começou com a Ufologia. Na verdade, a relação com o transcendente tem raízes em nosso passado longínquo, quando o ser humano ainda estava começando a criar consciência do mundo que o cercava e a morte passou a ser percebida de forma mais pessoal. Embora pesquisas modernas apontem que o Homem de Neanderthal não é um antepassado direto do ser humano moderno, mas uma espécie que conviveu por alguns milhares de anos com o Homo sapiens – algo em torno de 10 mil anos, sendo esse um número aproximado, que pode diminuir ou aumentar de acordo com o especialista consultado. Inclusive, pode ter se misturado a este último. É dos neanderthais que provêm algumas sepulturas significativas, encontradas no Iraque e em Israel. Essas covas mostram corpos enterrados em posição fetal, que estaria ligada, segundo antropólogos, à associação entre nascimento e morte. Além disso, ossadas de animais e pólen de flores encontrados nas tumbas parecem apontar algum tipo de ritual ou de oferenda ao morto. Essas sepulturas foram datadas entre 60 mil e 50 mil a.C.
De um período posterior, compreendido entre 27 mil e 14 mil a.C., encontramos as grutas da região de Ardèche, França, e de Altamira, Espanha, com seus esplêndidos desenhos de animais, traçados com arte e precisão impressionantes. Ainda há discussões na paleoantropologia sobre a autoria de algumas pinturas, que poderia ser do Homem de Cro-Magnon ou do Homo sapiens. Alguns especialistas crêem que o homem de Cro-Magnon seria uma espécie paralela ao Homo sapiens, outros o colocam como sendo pertencente à última. Portanto, não nos referiremos aqui aos autores, mas à obra, que é extremamente importante como prova do desenvolvimento do pensamento mítico-religioso que se formava. Numa das cavernas francesas, a Gruta de Lascoux, há cenas pintadas nas paredes, que mostram o ritual de iniciação de jovens caçadores na vida adulta, acompanhados pelo feiticeiro da tribo, ou xamã, considerado uma pessoa especial que mantinha contato com as divindades. Em outras encontramos rinocerontes, até então desconhecidos na Ardèche. Leões, mamutes, cavalos, bisões, ursos, renas, touros selvagens, cabritos monteses, cervos e, por fim, uma pantera vermelha e uma coruja, desconhecida da arte paleolítica.
Não há imagens humanas, porém existe um ser meio homem, meio bisão, que possui as mãos invertidas e, segundo estudiosos – entre eles Joseph Campbell –, poderia representar o feiticeiro, ou xamã, responsável pelo registro pictográfico. Campbell, referindo-se a uma outra imagem encontrada na gruta de Trois Fréres, nos Pirineus franceses, observa que: “Esta figura em especial é conhecida como o feiticeiro de Trois Fréres. O mago é parte homem, parte animal (…) E é muito plausível a evidência de ação xamânica nesses períodos. Este tem o corpo de leão e é deste felino a localização dos genitai
s na parte posterior. As pernas são de um homem, os olhos talvez sejam de uma coruja ou de um leão, os cornos são de um veado…” Estamos, quem sabe, diante da figura mais antiga registrada dentro de nossa história, a manter contatos com o universo do transcendente. Nas primitivas tribos caçadoras, esses indivíduos considerados especiais – denominados xamãs – conseguiriam contatar o mundo dos deuses-animais, e através deles garantir o sustento de suas tribos. Os seres supremos falavam com eles, que aprendiam sobre os mistérios da existência e os passavam aos outros indivíduos.
Quando os deuses mudam
Seguindo pela linha do tempo, vemos as primitivas sociedades caçadoras darem lugar a sociedades agrícolas estruturadas, possuidoras de cultos religiosos de contornos bem definidos, com um panteão [Templo que é dedicado a todos os deuses] que variava conforme cada região e povo. Tribos nômades levavam consigo suas crenças a outras partes do globo e novos deuses eram acrescentados a cada cultura. As invasões dos povos guerreiros trouxeram uma importante figura que deve ser bem observada pelo leitor, pois voltaremos a ela mais tarde. O comandante guerreiro, de figura forte e protetora, era responsável pela partilha dos saques que ao mesmo tempo fascinava suas tropas e aterrorizava as populações invadidas. Esse herói guerreiro, como veremos mais adiante, foi incorporado à imaginação popular e seu perfil básico que seria composto pela astúcia, inteligência, força e poder, ganhou contornos mais ou menos espetaculares, conforme a cultura de cada época. À medida que o mundo se civilizava, seu perfil desumano foi substituído por características mais amenas, chegando mesmo em alguns casos a ganhar status messiânico.
A história da civilização está repleta de grandes líderes militares, que muitas vezes eram também reis poderosos e implacáveis guerreiros. De século em século, de milênio em milênio, nossa história foi sendo escrita pela espada e exploração de novos horizontes. Em sua passagem, os invasores ou exploradores foram introduzindo suas crenças, ao mesmo tempo em que absorviam algo da cultura religiosa dos povos conquistados. É preciso lembrar também, que em muitas culturas o governante era tido como escolhido pelos deuses. Se não era esse o caso, pelo menos seria um representante das divindades, com quem mantinha contatos e recebia orientações, direta ou indiretamente, através de seus sacerdotes. Assim, temos aqui uma junção da figura do xamã e do guerreiro corajoso e desbravador que comandava seu exército e enriquecia seu reino. Os deuses, antes animais, foram substituídos por formas super-humanas, que voavam, comandavam as forças da natureza, auxiliavam na guerra, acompanhavam os mortos e protegiam os vivos.
Caminhando mais alguns milênios, chegamos a uma nova perspectiva e a uma outra compreensão de divindade que foi difundida pelo cristianismo. Não é intenção deste artigo discutir ou explorar a formação ou os ditames de tal religião, mas mostrá-lo como forma de influência cultural no imaginário coletivo. Em momento algum este texto fala de maneira valorativa ou pretende entrar no mérito da questão da crença cristã. Nascido na Palestina e levado à Europa por Paulo de Tarso, o cristianismo surgiu como uma nova proposta de religião monoteísta, onde a divindade única mandara ao planeta Terra seu filho, também único, para trazer suas leis e mostrar uma nova maneira da humanidade conduzir a vida. Recheada de mistérios, anjos, demônios, profecias e milagres, a doutrina cristã uniu em uma só figura, o arquétipo do comandante, do rei e do xamã, entendido aqui como aquele capaz de trazer a mensagem divina e ao mesmo tempo curar os doentes e ensinar os ignorantes. As diversas divindades de antes haviam desaparecido e um único deus era proclamado como o criador do universo, sendo enviado como salvador da humanidade.
Conforme os séculos se sucediam, o cristianismo foi se firmando como religião. Após três séculos de perseguição aos cristãos, o imperador romano Constantino, no ano de 313 d.C., através do Édito de Milão, concedeu à religião cristã o status de religião de estado, porém sem extinguir os demais cultos pagãos. Encerraram-se aí, por conseqüência, as perseguições religiosas. Em 325 d.C. o Concílio de Nicéia estabeleceu as bases da igreja católica. Deus agora não tinha mais forma, apesar da retratação feita pelos artistas, onde aparece como um senhor de barbas brancas sentado sobre o trono. Pinturas de Jesus, feitas após a Era Bizantina, passaram a retratar um homem de cabelos claros e olhos azuis, com sorriso bondoso e cercado por uma aura de luz.
Os rituais pagãos foram aos poucos substituídos e incorporados pela doutrina cristã e o Ocidente passou, gradativamente, a professar uma mesma crença. Guerras ferozes foram travadas em nome de Cristo, onde novamente a figura do comandante se confundia com a da divindade. Os povos ocidentais passaram por séculos de ignorância e medo, atravessaram a peste, a fome e as invasões, sempre sob a bandeira cristã. O modo de produção mudou, as vilas se tornaram cidades, a imprensa foi inventada. Então, aconteceram as grandes navegações e a descoberta de novas terras. As fábricas apareceram, o poder mudou de mãos e as ciências floresceram incentivadas pelas novas classes dominantes. O cristianismo se subdividiu em diversas correntes, surgiram o anglicanismo e o protestantismo, esse último dando origem a outras vertentes da religião cristã, chamadas aqui no Brasil de evangélicas.
Homem aprende a voar
O progresso tecnológico trazido inicialmente pela industrialização teve profundo impacto sobre todas as ciências. Física, matemática, astronomia, medicina, filosofia e política transformaram a estrutura da sociedade e muitos mistérios caíram por terra, frente à luz de novas descobertas. Giordano Bruno e Galileu Galilei, apesar de não terem vivido para ver, tiveram suas teorias confirmadas e aprofundadas. E, finalmente, a humanidade chegou ao século dos milagres: o século XX. O homem aprendeu a voar, criou olhos que investigam o cosmos e mergulham a profundidades abissais. A informação passou a exercer um papel tão importante que mudou a pirâmide social. O ser humano tomou conhecimento de sua grandeza e mesquinhez. Descobrimos o quanto somos destrutivos e perigosos para nossa própria sobrevivência. Contaminamos nosso meio ambiente até o ponto em que essa infecção está se voltando contra nós.
Temos uma estrutura social injusta, exploramos os mais fracos, matamos animais por prazer e não conseguimos para
r de guerrear e destruir. Temos tecnologia para viajar pelas estrelas, enviamos nossos artefatos pelo cosmos afora, mas ainda não aprendemos a conviver em paz. Dentre tantas informações e novidades, não mais tememos o cataclismo nuclear. Hoje, nosso grande medo é a falência do planeta como organismo, que proporcione e produza a vida, e a falta de água potável e de ar respirável. Estamos em 2005, chegamos a Titã, mas não sabemos em que condições atravessaremos o século atual. E o ser humano ainda diviniza o desconhecido, teme o transcendente e não consegue explicar o porquê de sua existência.
Como vimos no início desse texto, os discos voadores se transformaram em uma febre no final da década de 40 e o número de relatos de avistamentos cresceu pelos anos seguintes. Junto com esses testemunhos começaram a chegar as primeiras notícias dos porta-vozes dos extraterrestres, dos divulgadores das mensagens alienígenas. Num ambiente onde tudo era novo e o medo do fim pairava sobre as pessoas, notícias que diziam que caso chegássemos realmente a ponto de nos destruir, alguém nos salvaria, ou que estávamos sendo observados por alguma pessoa mais forte e melhor que nós, foram prontamente aceitas por um grande número de indivíduos e exploradas pela imprensa, cinema e editoras. As mensagens dos alienígenas encontraram na mídia da época, um grande canal de divulgação, ainda que fosse pelo sensacionalismo e retorno financeiro.
Surge George Adamski
Em 1952, num deserto da Califórnia, o astrônomo amador, George Adamski, acompanhado de cinco amigos disse ter mantido contato com um ser de outro planeta que pilotava uma nave de reconhecimento. A aeronave trazia uma insígnia lateral marcada em preto, lembrando nossos aviões militares. Segundo suas próprias palavras, ele encontrou-se com um homem estranho em plena luz do dia, que era “completamente humano”. O medo inicial logo desapareceu e ele constatou que o desconhecido era mais baixo e bem mais jovem que ele. As sensações trazidas pela proximidade física com o ser foram relatadas da seguinte forma por Adamski: “Pela primeira vez me dei conta que estava na presença de um homem do espaço. Era um ser humano de um outro mundo! A beleza de suas formas superava qualquer coisa que eu já tinha visto. E a tranqüilidade de seu rosto livrou-me de minha preocupação pessoal”.
E continua Adamski seu relato: “Eu me senti como uma criança pequena na presença de alguém com enorme sabedoria e muito amor. Tornei-me muito humilde perante mim mesmo. Ele irradiava um sentimento de compreensão e de bondade infinitas, com humildade suprema”. Será que a semelhança entre a descrição dada por Adamski desse desconhecido e a encontrada nos evangelhos sobre Jesus seria apenas uma coincidência? Há no site da Fundação George Adamski [www.georgeadamski.com] alguns trabalhos desenvolvidos por ele que são muito interessantes sob o ponto de vista analisado no presente artigo. Encontramos, entre os quais, um inflamado discurso religioso de 1937, no qual Adamski clama à humanidade para observar as palavras de Cristo e se refere ao “paraíso na Terra” como coisa factível.
Em outro texto disponível, intitulado The Possibility Of Life On Other Planets [A Possibilidade de Vida em Outros Planetas, 1946], Adamski mistura sua grande capacidade de oratória e seu fervor religioso aos seus conhecimentos de astrônomo amador e produz um trabalho que junta conceitos cristãos com esotéricos e filosófico-espiritualistas orientais. O projeto é recheado de frases como “mas nós podemos ver se nós quisermos”, “nós podemos ver o esplendor, a glória inconcebível da Grande Realidade se nos permitirmos percebê-la com o olho da consciência”, e “eu poderia dizer com o olho do amor, porque o amor é o canal de percepções verdadeiras”. Ou então: “Em níveis mais sutis acima e em volta de nós vemos a deidade como a ação incessante, consciente, inteligente. Uma ação governada pela lei imutável da afinidade”.
Esses trabalhos, entretanto, são anteriores ao medo que se instalou na humanidade em conseqüência das bombas atômicas. Porém, em seu primeiro contato extraterrestre em 1952, esse pavor já estava instalado na consciência das pessoas. Isso fica claro no relato de Adamski, como segue: “Ele me fez compreender que sua vinda era amigável. Também, conforme ele gesticulava, que estavam preocupados com a radiação que saia da Terra. Perguntei se esse interesse era devido às explosões de nossas bombas com suas vastas nuvens radioativas resultantes. Ele compreendeu isso prontamente e assentiu com sua cabeça afirmativamente”. George Adamski lançou vários livros que se tornaram referência dentro da Ufologia – Flying Saucers Have Landed [Os Discos Voadores Aterrissaram, British Book Centre, 1953], Inside The Space Ships [Dentro das Naves Espaciais, Editora Arco Spearman, 1955] e Flying Saucers Farewell [A Despedida dos Discos Voadores, Editora Abelard Schuman, 1961] –, assim como mostrou inúmeras fotos que rodaram o mundo e até hoje constam na maioria dos sites sobre o assunto, assim como de algumas publicações editoriais, que as utilizam ora como fotos reais de discos voadores, ora como ilustrações de fraudes.
Muito mais haveria para ser dito sobre Adamski e suas teorias e pregações sobre os extraterrestres, suas alegadas fraudes e seu posicionamento de “guru ufológico”, porém acabaríamos por fugir de nosso assunto. O que nos importa aqui é demonstrar de que maneira a soma da formação religiosa unida ao fascínio pelo mistério e à contextualização sócio-cultural pode produzir fenômenos que preencham o imaginário das pessoas e acabem funcionando como válvula de escape ou escudo que ofereça algum tipo de sentimento de proteção aos indivíduos. Suas mensagens sobrevivem até hoje dentro da Ufologia, embora em muitos casos tenham ganhado uma roupagem mais moderna e tecnológica, inserindo-se, portanto, no contexto sócio-cultural da época.
Da cruz ao disco voador
Mais ou menos na época da morte de George Adamski, ocorrida em 1965, um movimento cultural mundial que ganhava corpo acabaria por ser o responsável por boa parte daquilo que é dito e praticado dentro do universo do contatismo. Esse movimento resgatou, inseriu e, por fim, popularizou na cultura ocidental as milenares filosofias orientais e suas práticas. O período ficou conhecido como movimento hippie e fez muito mais que propagar o amor livre e o rock and roll como forma de protesto social. Foi o responsável por uma mudança na forma e no conteúdo da cultura ocidental, alterando as artes plásticas e literárias, a música, a moda e, principalmente, o comport
amento social. O resgate dos valores religiosos e filosóficos, sobretudo chineses e indianos, nos anos 60 e 70, se não chegou a abalar as raízes da religiosidade cristã, acabou sendo o responsável pelo nascimento, alguns anos mais tarde, de uma espécie de sincretismo religioso, unindo as premissas cristãs à figura dos mestres ascencionados do esoterismo do Oriente, aos princípios do taoísmo e do budismo, à meditação, à ioga.
A essa “salada” cultural, filosófica e religiosa deu-se o nome de New Age ou movimento da Nova Era. Gurus, seitas e propostas alternativas de planejamento social ganharam vida nova e penetraram em diversos segmentos culturais, entre eles a Ufologia. Nessa última, porém, outras características foram acrescentadas: tecnologia, ficção científica e, por fim, traços de um conhecimento pseudocientífico, que pretendia – e ainda pretende – legitimar as alegações feitas pela maioria dos integrantes do universo contatista. A imagem clássica do Cristo na cruz, símbolo máximo da cristandade, se transformou radicalmente. Jesus foi transplantado para uma nave espacial, onde, além de supervisionar o planeta, exerce a função de comandante firme e benévolo, esculpido de acordo com o arquétipo do comandante ancestral que vimos anteriormente, liderando as forças angelicais que buscam, através das mensagens enviadas, despertar a consciência humana e salvar o planeta. Não há mais, ao que parece, o perigo iminente de uma guerra nuclear.
A ameaça agora é representada por mudanças climáticas catastróficas, pela destruição do meio ambiente, deslocamento dos pólos magnéticos da Terra, colisões de outros planetas com o nosso, a verticalização do eixo terrestre etc. As adaptações que foram feitas ao discurso inicial do contatismo ufológico são culturais e mudam conforme as descobertas científicas, as notícias dos jornais e os filmes de Hollywood. Entretanto, no século em que o terrorismo se transformou em um fantasma que ronda o mundo, no qual realmente podemos ter sérios problemas com o clima do planeta, em que um maremoto matou quase 300 mil pessoas na Ásia, a salvação continua sendo transferida para os deuses que agora vêm em um disco voador. A responsabilidade pela correção dos atos praticados por uma humanidade ignorante e inconseqüente recai não sobre ela mesma, mas sobre os extraterrestres, dotados de características divinas e super poderes. Embora esses posicionamentos sejam encontrados de forma mais incisiva dentro da Ufologia contatista, as mesmas atitudes são descobertas, salvo raras exceções, em maior ou menor grau, dentro de toda a Ufologia.
Assim caminha a humanidade?
O desenvolvimento dessas novas escolas esotéricas, que tiveram seu crescimento acelerado nas últimas décadas, demonstra que o pensamento humano carece de respostas para as questões fundamentais que o acompanham desde seu despertar na pré-história. Hoje, porém, temos ferramentas que não tínhamos há poucos séculos para buscarmos pelas respostas. A ciência, que segundo Carl Sagan deveria ser vista como “uma vela na escuridão”, também tem sua parcela de responsabilidade sobre a confusão e a falta de senso que muitas vezes reina no pensamento humano. Por se manter à parte, como um tipo de sociedade onde apenas alguns têm as condições necessárias para ingressar, cria-se um abismo entre aquilo que realmente ela sabe e o que nós, não cientistas, achamos saber. A deficiência do ensino escolar, que não explica nem ressalta a importância do conhecimento científico, mas que em sua maioria apenas menciona datas, locais e longos textos descritivos aos alunos, acaba por talhar a imagem de que ciência é algo chato, inalcançável e hermético.
Assim, forma-se uma legião de pessoas que, por não terem acesso ao conhecimento científico, acabam sendo semi-informadas por pequenas notícias interessantes, que lêem em publicações ou na internet. Isso, quando têm a oportunidade ou a curiosidade de lê-las. Essa, infelizmente, não é uma situação que aflige apenas nosso país. A ignorância científica generaliza-se mundo afora, e mesmo em países como os EUA, está presente de forma assustadora. Em seu livro de 1994, O Mundo Assombrado pelos Demônios [Editora Companhia das Letras], Sagan alerta para essa deficiência de conhecimento científico e o perigo que emana dela. A ausência da ciência como fonte de informação abre espaço para uma legião de pessoas que, sentindo a necessidade de respostas aos seus questionamentos, acaba por embarcar em correntes pseudocientíficas de diversas áreas. Por sua vez, essas linhas de pensamento, que na maioria das vezes passam ao largo do conhecimento científico, fornecem as respostas solicitadas às questões objetivas e filosóficas, de acordo com o próprio entendimento delas.
Da desonestidade ao fanatismo
Esse movimento, ao invés de acordar a comunidade científica para a enorme deficiência de difusão de conhecimento que grassa pelo mundo, a afasta ainda mais. Isto faz com que a carência de informações aumente e a ignorância resultante dela passe a enxergar a ciência, como inimiga do conhecimento e da verdade. Esse caminho, como já nos alertou Sagan e tantos outros antes e depois dele, leva ao abismo da civilização. Tratando-se de Ufologia, a situação fica ainda pior, uma vez que o assunto é tratado pela maioria da comunidade científica com desdém e ironia, fruto talvez da falta de seriedade com que o assunto é mostrado pela mídia, aliado à falta de conhecimento e de argumentação consistente por parte da comunidade ufológica. Será que os extraterrestres também nos salvarão da ignorância e do obscurantismo que a falta de informação científica está criando?
A ciência, que deveria ser vista como uma vela na escuridão, também tem sua parcela de responsabilidade sobre confusão e a falta de senso que muitas vezes reina no pensamento humano
– Carl Sagan
Antes de prosseguir nosso raciocínio, cabe aqui uma observação extremamente importante. Não podemos nunca negar a possibilidade de que algo seja verídico, ou descartar informações, porque elas, à primeira vista, nos parecerem rematados absurdos. Convivemos hoje com vários objetos e situações que foram absurdos tempos atrás. Porém, antes de aceitarmos ou rejeitarmos algo, precisamos verificar a confiabilidade da fonte da informação.
Caso não consigamos localizar ou comprovar a veracidade do que é dito, o melhor a fazer é, no mínimo, dar-nos o direito de questionamento e dúvida. Dentro do universo ufológico esse quadro fica ainda mais preocupante. A junção das idéias propalad
as pelo movimento New Age com as informações pseudocientíficas e alegações de pessoas que dizem manter contato com seres extraterrestres criou uma corrente místico-esotérico-ufológica, na qual uma miríade de informações não verificáveis e muitas vezes extremamente infantis e mal elaboradas, é transmitida como verdade inquestionável. Desde um suposto cinturão de fótons que seria como um gigantesco colar de luz que proveria das Plêiades e que seria o responsável por nossa passagem da terceira para a quarta dimensão. Até informações sobre raças extraterrestres em guerra, cura de doenças etc, tudo serve de argumento para arregimentar seguidores ou adeptos.
Existem algumas diferenciações importantes dentro do universo do contatismo, que devem ser observadas. Há grupos de estudo que se baseiam na premissa de que os ETs estão nos passando informações sobre a evolução do nosso planeta e nosso futuro coletivo, que apenas se limitam a receber e a difundir essas mensagens, supostamente extraterrestres, discutindo-as entre si ou em listas da internet. Outros se dedicam ao estudo de explicações espiritualistas para nossa existência, baseadas em mensagens canalizadas – recebidas através de psicografias. Dentre esses existem alguns realmente interessantes e que mereceriam um estudo mais detalhado, para o qual não temos espaço nesse artigo. Há, porém, outro tipo de grupo, que é ao mesmo tempo supostamente messiânico, que prega as mensagens da Nova Era de harmonia e fraternidade, e extremamente inflexível, pois não aceita questionamentos ou confrontos de idéias. Tal organização se afigura como alienante e perigosa.
Alienante porque promove uma lavagem cerebral profunda, através da pregação de suas idéias e perigoso porque ao “vender” – e a palavra é essa mesmo, vender – suas idéias, comercializa também a cura de doenças, a solução de problemas pessoais e uma pretensa evolução pessoal, que daria ao adepto condições para ver e interagir com seres de outros planetas e dimensões. Para consolidar suas alegações usam qualquer notícia que apareça na mídia sobre o cosmos ou novas tecnologias e descobertas de uma forma distorcida para que se encaixem nas pregações feitas pelo líder do grupo. Esse tipo de liderança pode ser tanto um fanático alucinado quanto um explorador da boa fé e ingenuidade alheia. Em ambos os casos, os prejuízos pessoais são imensos, podendo mesmo chegar a ser fatais, como o ocorrido com a seita Heaven´s Gate [Portão do Céu].
Síndrome do contatado
Os mecanismos de formação desse tipo de grupo, assim como suas conseqüências, foram detalhadas em um artigo de Vanderlei D’Agostino [UFO 84, de fevereiro de 2003], cuja leitura é de fundamental importância para que se possa compreender os danos que essas seitas podem causar. Também não é nenhuma novidade no meio ufológico o fato de pessoas que passaram por algum tipo de evento ligado ao assunto, uma vez na vida, e tiveram uma dose de notoriedade por conta disso, desenvolvam o que ficou conhecido como “síndrome do contatado”. Essa nada mais é que uma tentativa de continuar recebendo atenções e se sentindo especial. Esse processo, que talvez possa ser descrito como algum tipo de defesa psicológica, faz com que o indivíduo em questão invente fatos, crie histórias e continue, até quanto lhe for possível, a tirar vantagens desses procedimentos – e aqui não me refiro especialmente a benefícios financeiros.
Cedo ou tarde, a própria pessoa cai em contradição ou é desmascarada por algum pesquisador e a história cai por terra. O problema é que muitas vezes o prejuízo não é só dela. A Ufologia mundial está cheia de exemplos de seguidores que se recusam a aceitar que seu guru era uma fraude e se lançam por caminhos perigosos que trazem irrecuperáveis prejuízos pessoais. Na tentativa de não terem que enfrentar a si mesmos no espelho e reconhecerem que se deixaram enganar, muitas pessoas continuam dando suporte financeiro e psicológico ao falso guru, ainda que isso lhes custe a família, os amigos e os bens materiais.
Há dúvidas que constroem. A intenção desse artigo é oferecer uma maneira alternativa de se olhar para o fenômeno do contato ufológico, que não seja um simples acreditar ou negar. O contatismo é um acontecimento real dentro da Ufologia e, embora muitas pessoas olhem para essas manifestações com um certo preconceito, ele é um campo interessantíssimo de pesquisa. Não para conhecermos os extraterrestres e sim o ser humano. Por trás das alegações dos contatados encontramos razões profundamente humanas para que uma pessoa se deixe levar por fatos que não pode comprovar, que são fantasiosos e, na maioria das vezes, fogem completamente a qualquer tipo de raciocínio coerente.
Existem casos que vão do extremo de uma patologia até uma simples solidão – se é que se pode usar a palavra simples neste caso. A necessidade de se sentir especial e notado, o fato de pertencer a um grupo e acreditar que pode fazer algo para salvar o mundo são demonstrações de aspectos da carência humana. Não há nada de extraterrestre nisso. Vimos como nosso pensamento se desenvolveu no decorrer do tempo, no tocante à percepção do transcendente. O ser humano não tem explicações convincentes para alguns fenômenos que percebe e também não possui a resposta para perguntas básicas sobre o porquê de sua existência, sua morte ou nascimento. Nosso corpo inteiro se desenvolve a partir de uma única célula que, após se dividir inúmeras vezes, passa a se diferenciar e formar os diversos órgãos de nosso corpo. Sabemos o que ocorre, quando acontece, mas não sabemos porquê. Temos consciência que um dia morreremos, porque nosso cérebro, seja lá por qual motivo for, entrou em pane e, portanto, a inteligência que anima nosso corpo se esvai. Para aonde ela vai?
Simplesmente é apagada como se formata o disco rígido (HD) de um computador, ou essa inteligência permanece viva em algum outro lugar? Essa resposta também transcende nosso conhecimento. E, na falta de outra ferramenta que responda nossas indagações, usamos a crença. Cremos que a vida seja um milagre dos deuses, que a morte não seja o fim, mas apenas uma etapa da existência que se encerrou. Temos a tendência de divinizar o que não conhecemos, aquilo que ultrapassa nossa capacidade de compreensão. Quando olhamos para o céu, como a espécie humana faz há milênios, somos tocados pela beleza e infinidade do cosmos. Procuramos perceber o significado do universo e imaginamos se seremos a única espécie consciente que o habita. Também esse questionamento nada tem de extraterrestre ou inspirado, mas apenas é o resultado do encontro de nossa percepção com o transcendente.
Fantasias e os contos de fadas
Essas perguntas são parte de nossa curiosidade natural. Embora as respostas para elas não tenham sido encontradas de forma definitiva e inquestionável, a controvérsia que geram em sua busca tem sido extremamente salutar para o progresso da humanidade. É necessário neste caminho rumo ao nosso esclarecimento saber separar as fantasias e os contos de fadas daquilo que é real. Assim, imaginar que haja um anel de luz, ou cinturão de fótons, provindo de outra região da galáxia e que nos elevará a outra dimensão, pode ser muito bom para histórias de ficção científica, porém não é real. Da mesma forma a Terra não vai parar de girar por três dias, para depois inverter sua rotação. E esperar que uma frota de espaçonaves venha nos tirar do planeta que nós mesmos destruímos, para nos levar ao paraíso apenas porque somos filhos do Criador, é no mínimo ingênuo.
Dizer que só as pessoas especiais ou “iniciadas” podem entender essas coisas, é o mesmo que falar que só quem é especial pode compreender um terremoto, sentir a brisa do mar ou andar de avião. Devemos manter a cabeça aberta, mas não tanto a ponto do cérebro cair dela. Negar que há fenômenos que não conhecemos, principalmente no que se refere à Ufologia, é tapar o Sol com a peneira. Porém, a solução dos mistérios não está na fantasia, mas no estudo coerente, imparcial e responsável, que busque a verdade por trás dos fatos e não a resolução de nossos anseios ou a confirmação de nossas crenças pessoais. Projetar a solução de nossos problemas e dificuldades nos extraterrestres, acreditar que doenças serão curadas, que eles agirão como anjos da guarda nos livrando dos males e perigos só irá nos garantir, em algum momento de nossa vida, mais sofrimento e crises.
Nossos problemas são responsabilidade nossa. As dificuldades são a oportunidade de sermos seres humanos melhores, nossas dúvidas são o caminho para o conhecimento, e se sofremos é porque faz parte de nossa percepção da vida. O caminho para a salvação não passa pelos extraterrestres, mas, sem dúvida alguma, por nosso amadurecimento e autoconhecimento. Transferir a responsabilidade que deveríamos ter conosco e com nosso planeta para as distantes estrelas é lavar as mãos diante da questão fundamental, que é nossa própria existência e sobrevivência como espécie.
Da mesma forma, julgar que seres de outros lugares pensem a ajam de acordo com a cultura e religiões terrestres, quando somos apenas um dentre bilhões de planetas no universo, é limitar as possibilidades da inteligência universal aos nossos parcos conhecimentos sobre nós mesmos. Dizia Schopenhauer: “Ninguém pode ver além de si mesmo. Quero dizer com esta afirmação que cada um só compreende os outros segundo sua própria inteligência e horizonte”. Expandir estes horizontes além de nós mesmos dependerá de quem?