Está para sair um estudo na revista “Astronomy and Astrophysics Review” que trata da possibilidade de existirem planetas do tipo terrestre adequados para criação e sustentação da vida. Esse artigo vem bem a calhar neste momento em que o satélite Corot foi lançado com sucesso e aguardamos seu posicionamento em órbita. Ele inicia uma seqüência de lançamentos de satélites que têm, entre outros objetivos, a detecção de planetas do tipo da Terra. E o novo estudo mostra que as perspectivas para o Corot e seus seguidores são muito animadoras. O papo é o seguinte: planetas parecidos (ou até iguais) à Terra podem ser muito mais comuns do que se pensa.
Tudo se baseia no conceito de “zona de habitabilidade galáctica”. Beleza, mas o que vem a ser isso? Essa zona é basicamente composta pelas regiões da galáxia que apresentam condições suficientes para que um planeta terrestre ali formado possa abrigar vida. Existe um conceito semelhante, bem mais simples, que pode ser usado para compreender a tal zona de habitabilidade galáctica: a zona de habitabilidade circunstelar.
Essa zona representa a região em torno de uma estrela em que a temperatura não seja muito alta para ferver a água, nem muito baixa para mantê-la congelada. Em termos simples: a distância em que um planeta ali localizado seja capaz de manter a água em estado líquido.
A presença de água é uma condição essencial para a existência de vida, ao menos o tipo de vida que a gente conhece. Essa zona representa uma faixa larga em torno da estrela que depende basicamente do tipo da estrela. Estrelas mais quentes têm zonas mais afastadas e estrelas mais frias têm zonas mais próximas, basicamente. No nosso Sistema Solar, Vênus, Terra e Marte estão nessa zona, ainda que Marte esteja bem no limite de congelamento da água. Sabemos que em Vênus não há água líquida, mas lá o problema é o efeito estufa exagerado. A zona de habitabilidade é, então, uma região onde a vida pode ser criada e, principalmente, mantida. No caso de estrelas é fácil calcular essa zona, ainda que trabalhos recentes tenham incluído novos fatores, tais como geologia, biologia e física atmosférica, mas no caso da galáxia a coisa fica bem mais complicada.
Calcular a zona de habitabilidade de nossa galáxia basicamente deve levar em consideração a posição da estrela em um determinado momento. Parece simples, mas olha só: assim como os planetas giram em torno do Sol, o Sistema Solar gira em torno do centro da galáxia, completando uma volta a cada 250 milhões de anos. Isso significa que nós já circulamos umas 20 vezes pela Via Láctea e passamos por diversos ambientes ao longo desse trajeto. Por exemplo, o risco de uma explosão de supernova é maior na parte de dentro da galáxia e já foi muito maior no passado do que é hoje em dia. Outro fator importante é a composição química da Via Láctea, que varia de acordo com a posição dentro dela e com a idade da galáxia. Até agora, os cálculos mostravam que apenas um anel de alguns milhares de anos-luz circundando, mas excluindo, boa parte das regiões centrais galáxia era adequado para a criação e o sustento da vida.
O artigo que está para sair é de Niko Prantzos, do Instituto de Astrofísica de Paris. Ele mostra que não devemos ser tão pessimistas. Os fatores mais relevantes (até o momento, pois as coisas podem mudar conforme os estudos vão avançando) são a composição química da galáxia (que muda com o tempo), a posição dentro da galáxia (que também muda com o tempo), a probabilidade de explosões de supernovas e raios gama (que varia com a posição e o tempo) e a probabilidade de formação de planetas terrestres em sistemas que tenham gigantes do tipo “Hot Jupiters”. No caso das explosões, basta uma supernova explodindo a menos de 25 mil anos-luz para que a camada de ozônio seja destruída e a vida na Terra fique exposta aos raios ultravioleta do Sol – com um potencial de destruição altíssimo.
Uma explosão dessas ocorre, em média, a cada 1,5 bilhão de anos. No caso dos sistemas planetários que tenham “Hot Jupiters”, é preciso lembrar que eles se desgarram e migram para o interior do sistema, arrastando todo o tipo de material no caminho. Em um post antigo eu comentei um estudo que mostra que mesmo em sistemas que contenham planetas gigantes deste tipo é possível que alguns poucos planetas terrestres sejam formados.
Os resultados do artigo de Prantzos mostram que, após combinarmos todos esses fatores, um anel de uns 32 mil anos-luz a partir do centro da nossa galáxia pode ser considerado como uma zona de habitabilidade inicial. Conforme a galáxia vai evoluindo, esse anel vai se alargando até englobar quase toda a Via Láctea. Mostra ainda que, após alguns bilhões de anos, a região mais interna da Via Láctea combina mais fatores favoráveis do que desfavoráveis para hospedar vida, porque a taxa de explosões mortíferas já caiu muito.
Esses resultados são bastante animadores, pois em princípio eles colocam toda a galáxia como uma zona de habitabilidade e também requalificam as regiões mais interiores da Via Láctea como mais promissoras do que antes. Como esta é a região mais povoada de estrelas da galáxia, a probabilidade de encontrarmos algo interessante por lá é bem maior.
E a diversão só está começando, com o lançamento do Corot e os planejados Kepler e Gaia para os próximos anos!